A primeira vez que eu cozinhei fora de meu refúgio cultural, a Bahia, foi no Rio Grande do Sul nos primórdios de meu começo de carreira. Eu fui recebido pelos mestres do churrasco no Roselândia Clube lá em Passo Fundo e tive que retribuir com algo inusitado, uma moqueca de peixe ao modo baiano, ou seja, com coentro e azeite de dendê.
 
Aliás, em quase todos os lugares que me permitem cozinhar eu tento fazer com que os práticos e curiosos gourmets de outros recantos tenham uma experiência única com a degustação pelo menos do azeite de dendê; o fiz nos Estados Unidos, Espanha, Portugal, Argentina, Uruguai e em quase todos estados do Brasil. O único lugar que não me permitiram entrar com o famoso azeite de dendê da Bahia foi no Marrocos; por eu tê-los visitado de última hora a aduana do Estreito de Gibraltar confiscou meu rico e delicioso azeite para averiguação técnica e laboratorial.
 
Cozinhar é uma arte que não basta juntar o alimento ao sal e afirmar que alguém é um cheff de cozinha; eu jamais usei os aventais dos cheffes, simplesmente porque jamais me considerei um cozinheiro. Muito embora eu carregue a experiência de ter tido dois restaurantes e de ter passado uma temporada numa pizzaria onde eu fazia a massa, assava a pizza e muitas vezes a servia nas mesas dos amigos; muito embora eu já tenha recebido alguns bons e prazerosos elogios de quem já provou de meus quitutes, da comida baiana à comida árabe, jamais tive a pretensão de ser um cheff; eu sou cozinheiro ocasional.
 
Andar pelo mundo me proporcionou ver e provar todo tipo de tranqueira que alguém batiza por iguaria regional, da mesma forma que já tive oportunidade de provar verdadeiros manjares dos deuses, isso para a minha cultura e meu paladar. O fato de meu paladar não ter aprovado uma ou outra comida não quer dizer que ela não preste; como se diz no Nordeste, haverá sempre um chinelo velho para um pé torto!
 
Aqui mesmo no Brasil algumas comunidades fazem coisas incríveis e inusitadas, como comer TANAJURAS FRITAS NA BANHA DE PORCO COM FARINHA DE MANDIOCA; tanajuras são formigas com asas que empesteiam alguns lugares do Brasil no período pós-chuva e eu tive que provar pelo menos uma para afirmar: É HORRÍVEL!
 
Na década de 70, alguns hippies afirmaram que um besourinho que comia amendoins e se multiplicavam feito coelhos, quando comidos vivos davam uma espécie de suprimento extra de testosterona, ou seja, dava tesão, e lá fui eu comer os tais bichinhos também para poder dizer: É DEPRIMENTE o gosto!
 
Para encerrar a seção de horrores de alguns pratos da culinária brasileira, eu fui visitar uma tribo indígena, que por razões éticas eu não revelo o lugar, eles (os índios) caçam aranhas tarântulas enormes, as tostam num braseiro e retiram os glúteos para aproveitarem o conteúdo interno e fritarem em gordura para servirem numa espécie de farofa; posso afirmar que comi sem saber e NÃO GOSTEI! A mesma tribo faz cachaça de mandioca por um método de fermentação nada convencional; as mulheres mascam os pedaços de mandioca e os cospem literalmente num pote de cabaça; a saliva e o sumo da mandioca após fermentarem, vira cachaça e o pior, eles bebem muito!
 
Isso é o que diferenciam as tantas culturas que temos e cultivamos aqui no Brasil; algumas pessoas cultuam como dádivas dos céus os alimentos disponíveis em sua região; o que é gostoso para muitos, com certeza deve ser horrível para outros, mas não pensem que encontramos alimentos estranhos somente em aldeias indígenas, com os hippies ou nas comunidades mais carentes, os abastados e cultos também costumam comer coisas bem estranhas.
 
Na França se come ovos de patos em decomposição com ervas finas; os famosos caviares são feitos a partir de ovas cruas de esturjões e os ricos chineses comem cobras frescas e bebem o sangue delas em restaurantes caríssimos. Os testículos dos caprinos dos Alpes, quando permitidos a caça, são servidos crus também com ervas finas sobre eles e para não alongar a lista de aberrações, eu já comi e não volto a fazer, os caracóis que possuem uma lesminha dentro são comidos apenas pelos ricos e são uma “porcaria” do ponto de vista de meu paladar.
 
Comida é uma questão de cultura e sabor. Muitos estrangeiros acham repugnante a idéia de cozinhar partes pouco nobres de um porco – rabo, orelha e até focinho – em um caldeirão com feijão preto; aqui no Brasil chamamos esta multi mistura de FEIJOADA. Em vários países, tanto o porco quanto o feijão são considerados alimentos de segunda categoria. Pior ainda se essa “gororoba” toda for enlatada. Pois a nossa tão apreciada feijoada fica ainda mais perto de um manjar dos deuses se comparada a outros alimentos comercializados em conserva ao redor do mundo.
 
Quem imagina que haja BOCA DE PEIXE ENLATADA, FRANGO INTEIRO (com vísceras) ENLATADO, cheeseburguer também enlatado, cobra e até barata enlatados? Isso mesmo! Depois de uma pesquisa pela internet encontrei estas iguarias pouco convencionais sendo vendidos nos mais variados países e se tem o produto é porque tem o consumidor.
 
Na minha terra tem um prato especialíssimo que consiste no cozimento de vísceras do carneiro que são envoltas em um pedaço do estômago (do próprio carneiro) e tudo é cozido em temperos regionais; eu adoro comer este prato que na Bahia chama-se MENINICO e no restante do Nordeste chama-se BUXADA DE BODE; inclusive, para desmistificar, “meninico” e “buxada de bode” somente se parecem, mas são coisas feitas de modos diferentes.
 
Certa vez eu fui à fazenda de meu avô entre as cidades de Ipirá e Baixa Grande, interior da Bahia; foram comigo dois amigos, um argentino e um estadunidense; ambos jamais tinham pisado em terras brasileiras e logo no batismo foram comer as iguarias do Nordeste. No café da manhã um deles afirmou que só reconhecia o próprio café e durante o almoço, muito embora tivessem afirmado que gostou da comida, nenhum dos dois reconheceram nenhum prato servido e lá estava o famoso meninico.
 
Quando estive em El Paso no Texas, visitei muitas vezes algumas cidades mexicanas e certa vez num mercado popular de Ciudad Juárez, interior do Estado de Chihuahua, notei que restos de aves, isso inclui a cabeça; era tudo salgado e depositados em tonéis; em seguida tudo era prensado e o produto daquela alquimia era levado para outros mercados e cortados em lascas para servirem de tira-gosto frito; os mexicanos mais necessitados aprenderam a comer aquilo (sem nome certo) como forma de driblar a fome, acompanhado é claro de uma boa dose de tequila. O cheiro que sai daqueles lugares onde se prepara a fritura de restos de aves é simplesmente horrível, mesmo para mim que estava acostumado a sentir os aromas fortes da Bahia.
 
Aqui em Minas Gerais, um dos pratos mais procurados nos botecos de Belo Horizonte são os CHOURIÇOS, que nada mais são do que tripas de porcos cheias de sangue do suíno ainda fresco. Estes chouriços, que também são cultuados em países sul-americanos como a Argentina, são pré-cozidos e depois assados em brasa, já em Minas Gerais eles são fritos em óleo de soja.
 
Uma pesquisa feita pela Editora Abril revelou que as dez comidas mais estranhas para nós brasileiros são: em ordem decrescente, escorpião frito (servido na China), filé de peixe venenoso (servido no Japão), farofa de formiga (as tanajuras do Brasil), morcego a caçarola (servido no Vietnã), Canguru ao vapor (da Austrália), sopa de cães (China), omelete de larvas de bicho da seda (Tailândia e China), cérebro de macaco (países africanos), caldo de turu (Brasil) e o campeão da repugnância brasileira: ARANHA CARANGUEJEIRA FRITA (que eu citei no início).
 
Para aguçar a sua curiosidade e revelar um fato, TURU é um molusco de cabeça dura que vive preso às árvores podres que caem na Ilha de Marajó no Pará; dizem que estes bichos são riquíssimos em cálcio e que são afrodisíacos.
 
Quem for ao Pará não pode deixar de visitar em Belém a Feira do Ver o Peso e foi lá que eu vi pênis de boto em decomposição, pênis de macacos em conserva, vaginas de animais selvagens empalhadas, dentre outras coisas do gênero e os paraenses afirmam que estas iguarias servem para todo tipo de moléstia, inclusive impotência masculina e frigidez feminina; pelo sim ou pelo não, se um dia eu precisar creio que seja melhor recorrer ao tradicional Viagra.
 
Comer em qualquer restaurante do mundo pode ser uma tarefa relacionada ao prazer, mas para algumas pessoas, comer em certos restaurantes é uma verdadeira aventura típica dos filmes de Indiana Jones e quando afirmo isso, não estou falando somente dos pratos servidos; acompanhamentos e temperos variam tanto de país a país que temos que ter o máximo de cuidado antes de solicitar este ou aquele prato.
 
Por mais que sejam inofensivas para os estômagos dos nativos, pode parecer uma bomba para quem não tem o costume da apreciação culinária daquele lugar. Ainda em Belém, bela e rica capital do Pará, me meti a provar o Tacacá (sopa de um legume forte chamado de jambu que adormece a língua, camarão e goma de mandioca); o primeiro desceu bem e como eu sou glutão, pedi o segundo prato (esta iguaria é servida numa metade de coco) e fui parar num hospital, ficando de molho por mais dois dias.
 
Os paraenses também cozinham as folhas da mandioca e adicionam partes salgadas do porco com chouriças defumadas; este prato maravilhoso e rico chama-se MANIÇOBA; quem não está acostumado a comê-lo, geralmente tem diarréia forte e dizem os nativos que pode até matar, principalmente se depois de ingerido os glutões forem fazer sexo; fica aí o alerta!
 
E para encerrar esta odisséia da culinária exótica, no Líbano é servido pela manhã fígado cru bovino fresco com zhatar (tempero), azeite de oliva e pão árabe; na primeira vez que me ofereceram eu recusei de plano, mas depois de alguns araks (cachaça árabe feita de uva e anis), comi e repeti várias vezes, só não tenho coragem de repeti-lo em minha cozinha.
 
Antes de se intitular um super-herói e sair comendo tudo que encontrar nos lugares onde for visitar peça antes as informações sobre o que pretendendo comer; no mínimo você evita vomitar entre as pessoas; no máximo, evita uma estada num hospital local!
 
Boa refeição e tenha um ótimo proveito na sua próxima viagem!
 
 
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
www.irregular.com.br
Fotos: CARLOS HENRIQUE M. PIRES


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Enviado por CHaMP Brasil em 13/07/2009
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