Carta 2114

Ola meu amigo como vai?

Espero que bem...

Hoje acordei com uma vontade imensa de escrever. Como não achei nenhum papel, que era onde meus avós escreviam as cartas, escrevo-lhe um e-mail... Aliás, não achei nenhum papel, por que este elemento é tão difícil de achar quanto ouvir um canto de passarinho (natural) em uma janela.

A manhã de hoje, como a muito tempo não via, abriu uma fresta, dentre a espessa camada cinza, que algumas pessoas cismam em chamar de nuvens, por onde transpassou uma réstia de sol. Uma alegria, pois meu vizinho de três anos nunca vira isso. Uma esperança diante de tudo que vem acontecendo com o nosso derredor.

Estou preocupado com minha pele, ela já não descama como antes, porém tem se tornado dura e grossa, de forma que nem sinto mais as picaduras dos gigantes insetos que continuam a assolar minha casa. A mesma casa que conhecera no verão passado. A mesma não, ela sofrera algumas mudanças, em virtude de termos que ter controle absoluto sobre a luminosidade que a adentra. Haja vista, não sabermos como vamos agüentar sair com capas espessas, mesmo não tendo mais frio, aquele frio gelado, que sentira antes em minha infância.

Infância... Que saudade sinto dessa fase, que agora só o que tenho são fotos, que poucos acreditam ser reais. São situações, que você mesmo, meu amigo, já duvidara que fosse verdade. Que ver por exemplo? Aquela foto da PISCINA, lembra? Eu havia lhe mostrado, e você em sua mais pura inocência, me dissera não existir reservatório com tamanha quantidade de água, onde as pessoas “só” se lavavam e brincavam de jogar água uns nos outros... Ha, ha, ha... Como você é um pândego! Em minha infância existiam lugares onde elas, as piscinas, eram aos montes e tinham os mais variados tamanhos e formatos. Como nos divertíamos, nos banhando em água. Água que até podíamos beber. Hoje, isso já não é mais possível, a degradação foi tanta, que ontem mesmo foi sancionada uma lei pelo Senhor Excelentíssimo Presidente da República, proibindo o uso desses “reservatórios”, que em minha época chamávamos de piscinas.

Como já t falei de minha pele, não sinto muito os prejuízos dos raios ruins (eles já fizeram o que tinha que fazer); meus ouvidos não funcionam mais, pela idade e pelo uso indiscriminado de celular; os meus dentes foram arrancados por aquele programa do governo de 2020 (vc ainda nem era nascido), onde todos eram extirpados a fim de controlar os gastos deste mesmo governo com futuros problemas da ordem bucal; meus olhos arranham sem parar, já sinto uma ardência que a julgo comum, não enxergo dois palmos a minha frente; minhas articulações rangem, como gavetas velhas. Também, nem bebo água!

Em fim minha vida se resume a isto, ficar em frente ao computador e lembrar, somente lembrar de uma época em que achávamos as coisas difíceis, mas elas existiam. Hoje nem sei o que devo achar difícil, pois não consigo achar nada...

Um grande abraço e deixa-me ir colocar minha capa, pois acho q esta noite fará muito frio...

Frio, logo aqui no Rio de Janeiro, que pena!

Marcelo Rosas
Enviado por Marcelo Rosas em 12/07/2009
Código do texto: T1696464