A LEI DO ROCK ' N ' RAUL

A LEI DO ROCK ’N’ RAUL

eugênio a. c. malta

Depois que os ditadores deixaram de vomitar as regras de censura no cenário brasileiro e passaram para o segundo plano político, o nosso roqueiro destemido Raul Rock Seixas pôde, finalmente, gravar A LEI por inteiro. Ela saiu no seu penúltimo LP – A PEDRA DO GÊNESIS (Copacabana, 1988). Raul já havia insinuado sua intenção de musicá-la gravando parte dela junto com o seu magno grito de “Viva a Sociedade Alternativa!”.

Censura à parte, o texto de A LEI é filho legítimo de um conflito legal. Raul foi processado e expulso da O.T.O. (Ordem dos Templários do Oriente) pelo seu antigo parceiro Marcelo Ramos Motta, dito autor da letra mas, de fato, tradutor. A acusação refere-se ao uso inautorizado de material traduzido por Marcelo Motta. Além de Raul Seixas, vários outros foram proscritos da referida organização pelo mesmo motivo. Marcelo publicou a lista dos nomes nos E.U.A., no seu livro SEX & RELIGION (Nashville; Thelema, 1981). Antes disso, Raul e Marcelo fizeram juntos o LP NOVO AEON (Philips, 1975) como parte do trabalho que Marcelo Motta iniciara no Brasil, quando lançou o livro O EQUINÓCIO DOS DEUSES NO BRASIL (Edição do Autor), abrindo as portas para o contato com a O.T.O. e a A.A. (Argentreum Astrum) – organizações es/xotéricas iniciáticas – e chegando a adquirir um terreno em Paraíba do Sul para a fundação de uma central com o objetivo de veicular as idéias e descobertas do poeta e profeta inglês, Aleister Crowley (1875 – 1947).

Pode-se parecer um pouco tardio falar disso tudo agora, diante do eletrônico consumo do rock envelhecendo as “novas” rapidamente. Acontece que o tema aqui visto pertence ao século inteiro, e ainda está fervendo no caldeirão dos bruxos. De mais a mais, só agora, depois de muita batalha, me chegou em Nova Iorque, sob encomenda particular vinda do Brasil a coleção de 17 LPs do nosso paladino do rock do sul, Raul. É inexplicável, diga-se de passagem, a ausência de qualquer LP/K7/CD de Raul Seixas nos revendedores de Nova Iorque, inclusive em grandes lojas como a Tower Records e a HMV. Parece até boicote contra o nosso rock produto, uma vez que todos os outros grandes, pequenos e inexpressivos nomes da música brasileira, estão à venda por aqui. Atente-se para o fato de que a quantidade de brasileiros que moram em Nova Iorque se aproxima à população de uma cidade de porte médio, e se o consumidor americano não estiver interessado no nosso produto, a grande maioria de tais brasileiros viveu os sucessos de Raul. Gotcha?!

“Faze O Que Tu Queres Há De Ser Tudo Da Lei” são onze palavras que obedeceram a um cuidadoso trabalho de tradução empregado por Marcelo Motta. Existem certas regras (leis?) a serem seguidas quando se faz a tradução de um verso magicko (lê-se mágico). “Do What Thou Wilt Shall Be The Whole Of The Law” está no inglês de Crowley com exatas onze palavras. Marcelo traduziu muitos livros do mago inglês com o mesmo esmero, técnica e criatividade. É um inglês arcaico, criptográfico, carregado de orientalismo, difícil até para o próprio nativo da língua inglesa. Por este seu trabalho Marcelo passou a exigir direitos sob pena da lei civil. Méritos reconhecidos à parte, a transa é paradoxal: chama-se a lei civil para a proteção de uma lei que a exclui. Enfim, qual seria a alternativa?

De fato, o conflito com as leis vem do tempo de Crowley. Há quem diga que Rabelais publicando “Fay ce que voudrais” anos antes, seria então o verdadeiro autor do verso-lei (de onze palavras?), slogan preferido de Crowley. Além disso, a sua expulsão da Sicília por Mussolini; problemas com o Departamento de Estrangeiros da França; julgamento na Inglaterra; experimentos profundos com drogas e mais o convívio com a galáxia de conceituações (leis?) artísticas, religiosas, científicas e esotéricas, tudo isso, foi sinteticamente rebatido com as 5 LEIS BÁSICAS no seu LIVRO OZ: THE RIGHTS OF MANKIND: “O homem tem o direito:

1- de viver pela própria lei;

2- de comer o que ele quiser;

3- de pensar o que ele quiser;

4- de amar como ele quiser;

5- de matar aqueles que forem contra estes direitos”.

Conta-se, por exemplo, que na presença do juiz de paz, após assinar seu certificado de casamento, Crowley virou o documento, escreveu e assinou no verso dele que sua esposa tinha o direito de transar como e com quem ela quisesse.

Promulgando leis que chocam com o sistema de leis vigente, Crowley foi curtido pelo anti-sistema dos anos 60 e músicos de rock como os The Beatles, The Rolling Stones, David Bowie, Jimmy Page e Graham Bond. Raul, com o seu rock livre-arbítrio, ligou-se ao sistema magicko, cuja pedra de toque rolou no WHAT THE ROCK’N’RAUL IS ALL ABOUT.

O choque das leis continua após a morte de Crowley, ora com a censura dos costumes velada ou explícita, ora com os direitos autorais sobre a herança de seus livros, siglas e organizações. Um tribunal na Califórnia, E.U.A., liderado pelo juiz Charles A. Lagge julgou a favor do major das forças armadas americanas Grady L. McMurtty, e contra o brasileiro Marcelo R. Motta, o direito às publicações e siglas deixadas por Crowley. Marcelo, que tinha uma editora no estado de Tennessee especializada em Crowley, foi então excluído sumariamente do mercado americano desde 1985. Em 1987 surgiram rumores de seu desaparecimento e morte. Raul gravou A LEI em 1988, e não colocou o nome de ninguém: nem o de Crowley como autor e nem o de Marcelo como tradutor. Isto pode soar oportuno para os “judeus & cristãos” que por ventura queiram se valer das leis americanas de direitos autorais para caírem em cima do produto, mesmo aí dentro do Brasil. (Roqueiros & Fãs preservem um exemplar, por prudência!). Agora, tenham certeza que, a omissão dos nomes, se deve a Raul – demolidor consciente – não se posicionar nunca com aqueles que estão brigando no escuro pelas “cercas embandeiradas que separam quintais” no direito de propriedade, segundo: seria impossível, na zorra que as coisas estão, dividir direitos legais com qualquer dos mortos: Crowley e Motta; e terceiro: A LEI – Raul sabia – É PARA TODOS!

Enquanto a pedra rola, fico com a historinha de que Moisés desceu do Monte Sinai com três Pedras da Lei, mas no caminho tropeçou e deixou quebrar uma, chegando com apenas Dez, dos Quinze Mandamentos. Cinco ficaram perdidos... ou então, me divirto lendo Henry VI de Shakespeare dizendo: “ The first thing we do – let’s kill all the lawyers”

Eugenio Malta
Enviado por Eugenio Malta em 12/07/2009
Reeditado em 12/07/2009
Código do texto: T1695598