Dez Cisões: Preconceito Linguístico bagniano
Dez Cisões,
uma resenha ao Preconceito Lingüístico bagniano
Por Alberto da Cruz
Segundo Marcos Bagno todo falante de uma língua possui competência necessária para o ato da comunicação e afirma ainda que entre os três e quatro anos de vida o indivíduo domina sua gramática.
Bagno diz que a gramática normativa estabelece um padrão a ser seguido, um conjunto de regras a fim de dar uniformidade a comunicação dos falantes de uma determinada língua. Assim as diferenças ou alternativas de uso — não confundi-las com variações dialetais — são consideradas como desvio do padrão normatizado pela gramática. Se não existem os chamados “erros de português”, considerar todos os desvios como naturais é levar o ensino gramatical à tumba e esquecê-lo de vez, já que se torna desnecessário estudar, ou ainda conhecer, o conjunto de regras que constitui a forma padrão.
Os erros de ortografia, comuns à maioria dos falantes, são julgados como erros artificiais por se tratarem de convenção política e social, porém ao afirmar tal fato, Bagno ignora os processos de evolução e formação de palavras, principalmente as que se originam no latim.
Os desvios de padrão são fenômenos, pois têm algumas semelhanças entre si. Isso faz com que pensemos que um novo conjunto de regras esteja se formando, pois a língua é um sistema vivo e como tal em constante evolução. Assim, as variações constantes podem se incorporar à regra gramatical vigente, deixando de ser desvios de padrão para tornarem-se parte da norma, enquanto as formas já consagradas tornar-se-iam arcaísmos, como já ocorreu com inúmeros vocábulos da língua portuguesa, seja mudando sua forma como o tratamento Vossa mercê evoluindo para você e, consequentemente, se seguirmos essa linha de raciocínio, para cê futuramente; seja mudando de significado, como o adjetivo medíocre, que de mediano, passou a ter uma carga pejorativa, sendo usado frequentemente como sinônimo de ruim.
Diferente do latim e de outras línguas mortas, a língua portuguesa segue seu rumo, deixando de existir apenas quando não mais existirem falantes para dar continuidade ao processo evolutivo. Somente a partir desse ponto é que poderemos encerrar a discussão sobre regras e formas de uso definitivas.
O ponto chave da obra de Marcos Bagno é em relação ao tratamento que damos aos indivíduos e suas variantes lingüísticas. Comumente julgamos o falante por sua forma de expressar as palavras ou construções sintáticas em desacordo com o estabelecido pelas normas gramaticais. Uma pessoa que cometa determinados desvios é desrespeitada e até mesmo humilhada por não ter a competência lingüística determinada pelos padrões normativos. Constitui-se então uma forma de preconceito julgar o falante por suas variações lingüísticas da mesma forma que o é desrespeitá-lo fisicamente.
A língua nos constitui enquanto seres humanos, pois somos reflexos do uso que fazemos dela, de forma que nossas relações sócio-culturais ficam evidentes de acordo com nossa forma de expressão ou domínio das regras.
Com os fatores já mencionados, recaí sobre o professor de português uma tarefa árdua em sua vida profissional, conseguir inovar o ensino da língua materna respeitando o conhecimento intuitivo do aluno, valorizando seu conhecimento de mundo e reconhecendo na língua que este fala sua própria identidade como ser humano e ainda jamais abaixar sua auto-estima. Teoricamente essa idéia é satisfatória, mas na prática, vencer o tradicionalismo da educação impede que novas idéias sobre a língua sejam postas em prática. Assim, mesmo levando em conta as variantes e os desvios de padrão, a pressão sofrida pelo professor é a principal forma de desestimular o processo de ensino que fuja do pregado como verdade absoluta.