Questionando a “promoção automática”
Sou professor de História no ensino fundamental e, como tantos outros colegas, ando perplexo com os rumos da educação no País e, em particular no Estado de São Paulo. Trabalho diariamente com crianças de 5ª a 8ª série e nesse contato diário me deparo com situações que têm me levado a questionar a maneira como tem sido encaminhada a progressão continuada, que na verdade virou “promoção automática”. Posso afirmar, e creio não ser o único, que o atual sistema de ensino – cujo único critério de avaliação efetivamente levado em consideração é a presença do aluno na sala de aula – tem desvirtuado o papel da educação formal no nível fundamental.
Os alunos, e isso já é uma constatação, não têm mais a preocupação de dedicar-se aos estudos, fazer tarefas ou cumprir as responsabilidades próprias de um aluno regular, porque no fim das contas o único critério válido para que ele seja promovido, ou não, é a quantidade de faltas. Com isso os alunos não criam hábitos de estudo e não adquirem disciplina pessoal para empenhar esforços na aprendizagem dos conteúdos. Tal situação cria as condições para se formar pessoas que no decorrer da vida farão opção pelo caminho mais fácil já que no seu percurso escolar ele sempre foi promovido de ano para ano sem preencher os requisitos pedagógicos para tal e, pior, sem despender o menor esforço pessoal.
Outra questão envolvida nisso é o fato de que muitos alunos chegam à 8ª série sem capacidade de ler fluentemente e, pior, sem saber interpretar o que lêem. Muitos não conseguem sequer ler corretamente o enunciado de uma questão ou exercício. Sem preencher essa condição básica não é possível desenvolver os conteúdos que seriam destinados àquela série, ficando o currículo sempre em defasagem prejudicando, naturalmente, o próprio aluno.
Fala-se de progressão continuada como instrumento de inclusão, porém, o que vem ocorrendo no cotidiano das salas de aula é que os alunos promovidos apenas por freqüentar as aulas, sem preencher os demais requisitos (como ter razoável domínio do conteúdo de sua série anterior, por exemplo), chegam à série seguinte abaixo do nível exigido e passam a experimentar um tipo de exclusão muito mais cruel do que se tivesse sido retido. Tais alunos não conseguem encontrar espaço na nova série porque ai lhe são feitas exigências, em relação aos temas abordados em todas as disciplinas, que ele não é capaz de atender em função de não ter aprendido nas séries anteriores. Por causa disso, colegas que estão mais adiantados não querem fazer trabalho em grupo com tais colegas; em atividades de leitura o próprio aluno se recusa participar (porque não sabe ler adequadamente); e, por se sentir inadequado começa a assumir uma atitude defensiva que se manifesta na forma de indisciplina numa tentativa (inconsciente?) de tentar proteger-se e encobrir essa lacuna da sua formação.
Acho que a questão educacional não se resume a este fato. Na verdade o problema é estrutural e muito mais profundo do que simplesmente a progressão continuada. Porém, é necessário que se comece a refletir a partir de algum ponto. É certo que os problemas relativos à educação são o reflexo de décadas de descaso dos poderes públicos que sempre vêm maquiando a educação e criando mecanismos para engordar as estatísticas sem que se tenha uma real consideração pela qualidade da educação nas escolas públicas. E tal atitude dos governos ocorre porque a grande maioria dos alunos que vão para as escolas públicas é, geralmente, oriunda de famílias de menor poder aquisitivo, de baixa escolaridade, portanto, sem condições econômicas nem culturais de exercer pressão política por uma educação de qualidade.