Um ensaio sobre a cegueira

Imaginar como Jundiaí será daqui a vinte anos é uma proposta, no mínimo, instigante. Mas, para que isso ocorra, preciso voltar no tempo, há vinte anos atrás, para entender o que de fato aconteceu por aqui para poder vislumbrar uma nova Jundiaí: futurística, culturalmente rica, segura, onde a liberdade individual seja respeitada, enfim, um sonho de cidade ou, senão, uma grande utopia.

Em 1988, estava com 20 anos de idade e tinha uma vida inteira de ideais à minha espera. Era um estudante de comunicação que viajava todos os dias a Sampa pela Viação Cometa. Chegava tarde da noite, às vezes, de madrugada, e comia um cheeseburger no Lanches Gordon, ponto de encontro na rua XV.

A vida resumia-se em: estudar, shows em Sampa, Cine Ipiranga e Marabá para assistir filmes defazados e comerciais ou, ir ao Armazém e Dobrão, bares da época. Teatro – nem pensar!!! Shopping não existia por aqui e Mc Donald´s era um sonho de consumo local.

A vida foi passando e se modificando... De repente, o shopping chegou, o estoque de Big Mac esgotou em um só dia, os shows começaram a acontecer esporadicamente e fui adaptando os meus ideais à realidade deste cotidiano.

Um dia, a internet surgiu e o mundo mudou. Isso refletiu diretamente na nossa vida, que se transformou. Jundiaí cresce incessantemente e a cultura é um reflexo de tudo isso. Nossa grande fênix, o Teatro Polytheama nos brinda com espetáculos musicais e peças de teatro, a literatura explode como uma bomba atômica sobre a cidade, a população aumenta cada vez mais, hábitos mudam e, hoje, encontro-me em uma cidade que ainda não consigo decodificar. Estou realmente em uma cidade do interior?

Jundiaí tornou-se uma das cidades com melhor qualidade de vida do país – dizem as pesquisas. Confesso que sinto saudades daquela cidade antiga, onde todos se cumprimentavam e a palavra era um documento inquestionável.

Quando me pego a pensar no que acontecerá daqui há vinte anos, fico receoso e assustado. Quantos condomínios e prédios já estão em construção na cidade? Quantos paulistanos estão de mudança para a cidade à procura da tal qualidade de vida? Quantos shoppings ainda surgirão? Será que eu ainda vou poder usar a minha frase clichê: “em Jundiaí, eu chego a qualquer lugar em, no máximo, quinze minutos!?”

Pois é, os tempos são outros. Na semana passada recebi um documento do meu condomínio que diz que, a partir de outubro, para que eu possa adentrar em minha casa, tenho de estar cadastrado na portaria do prédio e, se por acaso, ao entrar dirigindo meu carro e estiver acompanhado, faz-se necessário que meu acompanhante saia do veículo, se identifique, apresente documentos, para poder ser liberado e entrar. Isso tudo em nome da segurança. Mas cadê o meu direito de liberdade e privacidade?

A Jundiaí do futuro me amedronta. Quantas histórias surgirão e se tornarão livros? A Editora In House ainda existirá? Quantos mais Polytheamas necessitaremos? Afinal a cidade está crescendo e exigindo mais e mais.

Na verdade, se eu pudesse idealizar uma Jundiaí em 2028, gostaria que ela fosse libertária, que as pessoas pudessem andar nas ruas sem medo, que fosse ainda mais valorizado o artista e a cultura local, que a visão de mundo das pessoas fosse mais humanitária, que não houvesse analfabetos e o ensino público melhorasse, que os idosos tivessem o respeito que merecem e as regalias que lhe são de direito...

Em 2028 quero admirar o pôr-do-sol jundiaiense da mesma forma que o admirava aos vinte anos de idade, da janelinha do Cometa ao ir para a faculdade. Quero sentir a mesma sensação de saudade que tinha de minha cidade todas as vezes em que me encontrava longe dela. Quero poder dizer com orgulho: “Esta é a minha cidade, onde nasci, cresci, sou respeitado e fiz a diferença!”

Não quero passar por estes vinte anos apenas olhando a banda passar, nem quero regê-la. Quero tocar com ela e compor a trilha sonora de um mundo melhor. O futuro é incerto, porém suas bases estão sendo fincadas agora. Atente! Uma cidade do futuro perfeita é um ensaio sobre a cegueira. Vamos abrir os olhos e ver. Vamos prestar atenção e escutar. Vamos dizer o que deve ser dito. Jundiaí merece! E todos nós, com certeza, merecemos presenciar este futuro!

Quem viver, verá!

Márcio Martelli

Empresário, editor e escritor.