"ESCREVER É UMA CHATICE"

                                        Sérgio Martins Pandolfo*

     A frase-título proferida por Chico Buarque de Holanda na 7ª Festa Literária Internacional de Paraty-FLIP (1 a 5 de julho de 2009), no contexto de sessão literária compartida com o escritor manauara Milton Hatoum, falando a respeito de seu último livro, “Leite derramado”, ao contrário do que possa parecer à primeira vista nada tem de depreciativa à atividade literária, mas sim, deixar patente a dificuldade, a dureza em que se constitui a difícil tarefa de escrever textos literários de boa qualidade. E veja-se que isso foi reconhecido por um escritor da intelectualidade e cultura do Chico, de todos sabidas.
      Costumo dizer, repetidamente, que “escrever dá trabalho!” - aí subentendidas todas as conotações. Mesmo os textos mais simples e que à primeira vista parecem ter sido feitos “ao correr da pena” - currente calamo, como já diziam os romanos -, quantas vezes demandaram horas inteiras na faina de consertar, retocar, refazer, achar a palavra certa para concluir uma idéia, ou, mais afanoso ainda, proceder às correções necessárias, adequar uma sequência de palavras que fluíram, às vezes em catadupa, às regras da gramática, “pra não maltratar o verso”, como nos diz o saudoso sambista João Nogueira.  E haja experimentos, sinonímia, elipses, hipérbatos, contrações, apóstrofes, neologismos e outros que tais para conseguir a beleza final que comove, emociona ou enleva.
      Para o escritor, operário das letras, escrever é a arte de reescrever - várias vezes. O grande romancista norte-americano Ernest Hemingway, Prêmio Nobel da Literatura de 1954, autor do best seller “O Velho e o Mar” não se pejava em confessar: “Reescrevi 80 vezes o último parágrafo de ‘Adeus às Armas’ até me sentir satisfeito”. Um texto agradável não cai do céu nem brota de solo árido. Exige trabalho, persistência, dedicação. A inspiração representa apenas 10%. Os restantes 90% são mesmo de transpiração. Faz-se mister, também, a leitura farta, persistente, diversificada. Ler de tudo e de todos, com o que, aliás, concordou nosso compositor-mor na antecitada sessão.
      O grande Drummond diz-nos bem, a esse respeito, nos aparentemente simplórios versetos da primeira estrofe de seu poema “O Lutador”, indubitavelmente auto-explicativos: “Lutar com palavras/é a luta mais vã. /Entanto lutamos/Mal rompe a manhã”. Tanto assim é que Mestre Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, outro “monstro sagrado” das letras pátrias, consagrado cultor do idioma “em que Camões chorou no exílio amargo o gênio sem ventura e o amor sem brilho” (Bilac), inclui o versículo drummoniano no final do prefácio da 1ª edição de seu afamado dicionário e o repete nas demais.
      Aquele escritor que assim não age, no afã de aprimorar seus textos, ou é um medíocre literário ou um desleixado cultural; como um mau pai que não zela por seus filhos - os seus escritos, eis que a Literatura é a sublimação da escrita.
      As letras e as palavras são como gemas brutas que, lapidadas, nos dão as pedras preciosas, como o rubi e o brilhante, as quais, em mãos habilidosas dos artesãos joalheiros terminam por compor jóias de rara beleza e valor inestimável. Ou nos revelam “a beleza inexplicável da pérola, na tosca rudeza da ostra”, a redizer os belos versos de Beatriz Dutra. Essa a verdadeira “chatice” a que se refere nosso de todos querido Chico, já apreciado escritor.
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(*) Médico e Escritor. SOBRAMES/ABRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 07/07/2009
Reeditado em 29/08/2012
Código do texto: T1687760
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