Coronéis sem soldados

Lúcio Alves de Barros*

Cá longe, no meio dos morros de Minas Gerais, enclausurado em uma Faculdade no interior, vejo com curiosidade e um pouco de preocupação o movimento liderado pelo coronel Paulo Ricardo Paúl, ex-corregedor da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Em seu blog, com alimentação diária, no qual andei dando algumas contribuições, encontramos textos indignados e, nos últimos tempos, meio apavorantes e dramáticos. Nos últimos dias, o coronel tem investido em um "silencioso" movimento, quase invisível ao mundo midiático e, certamente, ao movimento real dos policiais militares.

Infelizmente, no campo da segurança pública, a discussão sobre salário, promoções e mudanças nos quartéis sempre ficaram a desejar. Todavia, o coronel tem levado a efeito com extrema disciplina o que vem sendo chamado de “Movimento Cívico Juntos Somos Fortes!” (não deixa de lembrar os enredos do PT) que tem como apoio um grupo de coronéis que passaram a ser conhecidos como "Coronéis Barbonos" e "40 Evaristos". A nova empreitada do grupo foi a invenção de um “Excluído Fardado (Soldado da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militar): um boneco em forma de cruz que traz em seu corpo algumas informações a respeito das condições objetivas do policial e bombeiro militar. Por ele ficamos sabendo que “para o governo a minha vida vale 30,00” ou “sou feito de materiais descartáveis, pois sou descartável para o governo”. A analogia do “boneco de pau” com os policiais é interessante haja vista que ele é feito com material reciclável. Não sei se a maioria dos policiais realmente pensa dessa forma ou reage “ao ser reciclável” com outros meios que não cumpre aqui alongar, pois outra questão é do meu interesse.

O uso de um boneco não deixa de ser ousado e inteligente, mas revela o silêncio forçado no qual deve estar os policiais militares de baixa patente. Creio que seria oportuno deixar claro para a população a grade salarial dos praças e dos oficiais da PM. É bom saber quanto recebe um policial militar, haja vista que já é de conhecimento público que boa parte trabalha em “bicos” e outra - espero que pequena - há muito já se meteu em milícias e em campos minados por corrupção. Longe deste debate é no mínino preocupante o silêncio da outra parte. Procurei aqui e acolá as iniciativas governamentais por parte do Senhor Governador Sérgio Cabral (PMDB). O que percebi é uma espécie de descaso político e olhos vendados em relação a abertura de negociações. Por outro lado, é possível supor que falta política na polícia. O fato é perigoso e digo isso simplesmente porque foi dessa maneira que teve início a “greve” dos policiais militares em Belo Horizonte no ano de 1997. Naquele período o Governador Azeredo (PSDB) andava literalmente viajando enquanto os baixos salários, a falta de suporte logístico e a morte de alguns policiais esquentava uma mobilização em um quartel que desembocou em um grande movimento de reivindicação. O curioso é que não percebi no “movimento silencioso” dos coronéis a presença marcante dos praças. Infelizmente, há muito já sabemos que se trata de duas castas diferentes na organização policial militar e que, na realidade, se suportam, chegam a se bicar, mas não andam de mãos dadas.

É louvável a mobilização dos coronéis, inclusive pela coragem de informar, dentre tantos dados, que somente no primeiro trimestre de 2009 houve 1695 homicídios, 62 latrocínios e 141 cadáveres encontrados no Rio de Janeiro. Lamentavelmente ficamos sabendo que já se espera cerca de 10.000 pessoas mortas no ano e que este fato não deve mudar tão cedo. Se tais informações não mostram uma crise no campo da segurança pública, definitivamente não sei do que podemos chamar este cenário. O blog do coronel, inclusive, argumenta sobre a morte de 60 policiais em serviço. Os dados são públicos e não é preciso muito esforço para analisar. O que percebo é que em Minas, em junho de 1997, a greve explodiu tendo como suporte muito menos do que vem alardeando o veículo de comunicação e a mobilização dos coronéis.

Não obstante todo esforço do coronelato, aparentemente os praças não perceberam a importância da mobilização política. O boneco, símbolo do movimento, não pode ser de fato o policial que o movimento espera. Ele não passa de um símbolo e não pode parecer em todo a materialização do que é (e deseja ser) a polícia militar do Rio de Janeiro. Mais que isso, se levarmos em consideração o que a mídia joga na TV sobre os policiais cariocas aí é que a coisa fica mais feia. É de conhecimento público a forma que boa parte dos policiais tratam as classes menos favorecidas (mesmo fazendo parte dela), os negros e aqueles que enfrentam a ação governamental, logo, esperar o apoio da população é praticamente impossível. Tudo vai de encontro ao movimento dos coronéis sem soldados, mas todo grito é válido e toda negociação política é legítima. A questão reside é como mobilizar os que não desejam ser mobilizados e, por ressonância, como controlar os que ganham (pode até ser pouco) para não deixar as coisas saírem do controle. Com a palavra o coronel que, de uma forma ou de outra, bradou em plena terça-feira, em frente ao Batalhão de Choque, contra os baixos salários na mais que secular instituição policial.

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* é professor e sociólogo, licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em sociologia, doutor em ciências humanas: sociologia e política pela UFMG, autor do livro, Fordismo: origens e metamorfoses. Piracicaba, SP: Ed. UNIMEP, 2005 e organizador da obra, Polícia em Movimento. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006.