USO INDISCRIMINADO DE MEDICAMENTOS

AUTOMEDICAÇÃO – USO IRRACIONAL DE MEDICAMENTOS

By VENILDO JOSE BEZERRA REYNALDO

Fatores econômicos, políticos e culturais têm contribuído para o crescimento e a difusão da automedicação no mundo, tornando-a um problema de saúde pública. Mais disponibilidade de produtos no mercado gera maior familiaridade do usuário leigo com os medicamentos.

A propaganda de medicamentos pode ser considerada um dos fatores que levam ao uso irracional de medicamentos e tem um papel importante na decisão de escolha do medicamento a ser prescrito pelo médico.

Os objetivos da publicidade farmacêutica – atrair o máximo de compradores para o produto – ao dirigir-se a potenciais usuários que não estão dotados da capacidade crítica para discernir a correlação risco benefício, sobretudo devido à fragilidade oriunda da condição de enfermos, terminam por cumprir-se, a despeito do diferencial que haveria de estabelecer-se entre a propaganda de medicamentos e a de outros produtos. Afinal, além dos problemas apontados, estamos diante de um produto cuja ingestão pode acarretar malefícios em lugar de, ou concomitantes a eventuais benefícios.

Em vista da crescente veiculação de campanhas publicitárias de medicamentos sem ferramentas eficazes de controle sobre a veracidade das informações – seja na forma de divulgação, promoção e comercialização, pela imprensa falada ou escrita e, modernamente, via internet – e as recomendações da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Medicamentos instalada há algum tempo no Congresso Nacional, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) elaborou uma norma específica com os critérios para a publicidade de medicamentos – a denominada Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 102/00, de 30/11/2000.

A referida norma instrumentalizou a fiscalização sobre informações transmitidas pelas propagandas de medicamentos no Brasil. Esse controle é eticamente defensável, uma vez que, em questões básicas como a saúde pública, o Estado deve tomar a frente e intervir, no compromisso de proteger a população contra qualquer possibilidade de ação que venha causar-lhe danos, ou seja, intervir frente ao iminente risco sanitário que o consumo descontrolado de medicamentos representa.

Certamente, a indústria farmacêutica não apenas vende produtos, mas, de forma crescente e significativa, “vende” informação sobre eles. Cada vez mais será verdadeira a suposição de que as empresas que contarem com canais digitais modernos de comunicação, em tempo real, gozarão de crescente domínio sobre os mercados globais e sobre o relacionamento com consumidores. É igualmente verdade que, de forma habitual, o alvo preferencial da publicidade farmacêutica tem sido – e, mui provavelmente, continuará sendo ao longo do tempo – o médico, responsável legal pela prescrição.

É preocupante, contudo, constatar a utilização crescente da Internet para disseminar propaganda para os consumidores, muitas delas assumindo uma forma menos explícita já que tentam dar a impressão de que são instrumentos educativos ou de informação, objetivando promover a saúde. (Barros, 2004)

Contudo, observa-se que a publicidade de medicamentos define padrões de mercado e de comportamento das pessoas, exercendo impacto concreto sobre as práticas terapêuticas. Neste sentido, a preocupação com a qualidade da informação sobre medicamentos deve fazer parte do cotidiano de profissionais de saúde e dos consumidores.

A DITADURA DO CONSUMO

Dentre os fatores determinantes da automedicação, pode-se destacar o consumo na sociedade moderna e o fenômeno de medicalização, este último relacionado à revolução científica e ao papel extra-técnico atribuído aos medicamentos.

“O consumo é algo inerente ao homem”, havendo uma relação entre as transformações da sociedade e o fenômeno do consumo. Sendo assim, o medicamento não está desvinculado dessa característica social. Diferentemente de outras épocas históricas, o capitalismo pós-moderno incentiva o consumo através da publicidade e da idéia da substituição do “prazer viciário do ter sobre o ser”.

Os medicamentos ocupam o lugar de símbolos e representações que obscurecem os determinantes sociais das doenças, iludem os indivíduos com a aparência de eficácia científica e, como mercadoria, realizam o valor e garantem a acumulação de um dos segmentos mais lucrativos do capital industrial. Esta afirmação é apenas parcial, pois os medicamentos conseguem iludir e funcionam como paliativos dos sofrimentos de milhares de indivíduos, não como aparência, mas com a realidade da sua eficácia científica.

A crença excessiva e, até certo ponto, ingênua no poder dos medicamentos, ao lado da crescente oferta e indicação desses produtos, com vigoroso suporte da mídia, tendem a aproximá-los da condição de fetiche inanimado da atualidade, encarnando o poder sacralizado da ciência e da tecnologia sobre a vida dos mortais. Considera-se o medicamento uma resposta imediata e fácil para condições que requerem ações individuais e sociais de fundo para sua resolução.

A proposta de alívio imediato do sofrimento, como em um passe de mágica, é um apelo atraente, mas tem seu preço. Este preço nem sempre se restringe ao desembolso financeiro e pode ser descontado na própria saúde. A noção de que existe uma ecologia do corpo, que merece ser preservada e poupada da poluição e intervenções farmacológicas desnecessárias, vem emergindo, ainda que lentamente, em meio à névoa densa de promessas extraordinárias e dúbias.

Portanto, faz-se necessário que a sociedade se conscientize e entenda que o mesmo medicamento que cura, pode matar ou deixar danos irreversíveis. Que reflita um pouco mais, antes de sair consumindo medicamentos desenfreadamente, e perceba que a vida saudável não está no balcão de uma farmácia, e sim, mudando os hábitos, fazendo exercícios físicos, equilibrando a alimentação, procurando se estressar menos.

DEMOCRACIA DO CONSUMO DESORIENTADO

No estudo da relação do grau de escolaridade com a medicação, a bibliografia apresenta dados controversos, desde ausência de relação à clara associação entre os fatores. Ao contrário do que se pode imaginar, não seriam os menos informados os maiores usuários de automedicação, já que há resultados que acusam maior consumo de medicamentos entre os que freqüentaram a escola por mais tempo, provavelmente por disporem de maior informação que os auxilia na escolha de medicamentos. Os dados deste estudo confirmam essa hipótese, demonstrando que o acúmulo de conhecimento, quer adquirido na escola (maior escolaridade), quer ao longo da vida (maior idade), torna o indivíduo mais confiante para se automedicar.

FONTES DE CONSULTA

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VENILDO
Enviado por VENILDO em 29/06/2009
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