Poder e Turismo
O turismo pode ser considerado um ramo da geografia, ou até mesmo das ciências sociais, o turismo pode ainda ser considerado como sendo um setor econômico, ou até mesmo uma indústria, não importa muito, o fato que a discussão sobre turismo existente hoje se limita a temas óbvios e sem profundidade, e discute qual a linguagem, quais os termos que seriam inerentes ao turismo, publicam-se livros a respeito disso, assim uma preocupação dos estudiosos do turismo ainda é uma preocupação em estabelecer os termos técnicos que seriam utilizados no turismo.
Essas discussões têm a pretensão de transformar o turismo numa ciência, assim busca-se a definição de um sistema de turismo, de uma estrutura que permita que o turismo possa ser cientificamente estudado. Um dos maiores teóricos brasileiros sobre o turismo, Mário Beni, 2001 estabelece todo o seu pensamento a partir da definição do Sistur, ou do sistema de turismo: “reduzir a complexidade do fato e do fenômeno do Turismo a um modelo referencial inédito, que utiliza a noção de sistema para retratar toda a riqueza e dinâmica das variáveis envolvidas, permitindo obter uma conformação e também uma confirmação ordenadas de como se processam os movimentos e as inter-relações das funções turísticas com os componentes do Sistema de Turismo (Sistur), propiciando aos pesquisadores a construção de modelos quantitativos”
A partir da publicação do Sistur, o turismo passa a ser considerado como uma matéria que vale a pena ser estudada, definem-se variáveis e relações que irão permear o estudo do turismo até hoje. A partir de uma leitura de Foucault, é lícita a afirmação de que o turismo padece do mesmo mal de outros assuntos que ele discute, no sentido de que, os atores envolvidos na discussão turismo adotam o Sistur como paradigma e não se fala mais nisso, assim como a psiquiatria, o turismo é permeado de “instituições, de exigências econômicas imediatas e de urgências políticas de regulamentações sociais”, cabendo a colocação que o turismo assume a forma de “ciência duvidosa” , portanto se aceita o que esta estabelecido, não se preocupando com as relações de poder que são encerradas no estudo do turismo.
Essa visão que Foucault nos mostra, a partir de suas observações acerca da psiquiatria e medicina, que mais importante que a discussão de como os conceitos e paradigmas são formados, é tentar compreender quais as relações de poder que permeiam a formação desses conceitos, no caso do turismo, as relações de poder são inerentes à própria definição. A simples criação do termo “Indústria Turística” carrega uma imensa relação de poder, definindo que o turismo é parte importante da economia, da política e etc., e portanto deve ser tratado como tal, se limitando a discussão aos modelos já fechados e acabados como o Sistur de Beni, ainda que esse modelo possa ser carente de uma análise mais profunda das implicações do turismo. Aceita-se o fato de que o subsistema de transporte seja parte da infra-estrutura do turismo, como toda infra-estrutura, condição sine qua non para a existência do próprio turismo, mas como e porque o transporte é colocado como parte dessa infra-estrutura, ou melhor como foi definido que o turismo prescinde da existência de uma infra-estrutura para existir? Quais interesses agiram nas definições do Sistur, e mais além, a quem interessa a manutenção do Sistur como paradigmático para o turismo?
Ou seja, como se dá o jogo do poder no turismo?
As verdades estabelecidas no estudo do turismo obedecem a interesses e políticas, não só econômicas mais também públicas, não cabe nesse momento a análise de quais seriam esses interesses, mas sim notar como Focault tinha razão em determinar que o poder encerra lutas e uma relação de força, é bastante claro que o turismo envolve vários setores sociais, há dados que dizem que o turismo é capaz de influenciar 52 atividades econômicas ao mesmo tempo, assim estamos falando de no mínimo 52 interesses de classes distintas que gostariam de influenciar nas definições do turismo. Isso fica ainda mais claro quando pensamos, ainda que muito rapidamente, sobre o modelo atual de exploração turística do patrimônio cultural edificado, esse modelo de exploração é totalmente importado do marketing, onde a gestão se confunde com a divulgação do bem, não se adotam políticas de gestão sustentada, mas de exploração abusada, onde quem tem mais pode mais, assim toda a teia de influência que o patrimônio teria, por exemplo, para a população local, fica em segundo plano.
Parece claro que tal modelo que privilegia a mercantilização do patrimônio é fruto de uma ferrenha disputa de poder, ainda que capitaneada pelo poder econômico, não se pode desprezar que quem domina o patrimônio tem influência sobre a visão de passado que é formalizada, assim tem influência direta em questões bem mais profundas que simplesmente quem ganha mais dinheiro.
Não se discute como o turismo influi na vida das pessoas, as pessoas envolvidas no Sistur, seja na infra-estrutura ou na superestrutura do mesmo, não são levadas em consideração como deviam ser, o turismo é discutido a partir de uma visão mercadológica. Não se pode negar que o turismo é ferramenta de gestão de primeira grandeza, o fato de você agregar valor econômico a um patrimônio histórico por exemplo pode vir a garantir a sua sobrevivência, num primeiro momento um prédio velho só é visto pelo que existe embaixo dele, ou seja o espaço físico que ele ocupa, a partir do momento que ele é considerado um edifício histórico, passa a ter valor de troca, pois passa a ser um bom local para se instalar um restaurante por exemplo, assim a atividade de atrair visitantes pode ser vista como uma forma de garantir a exploração do bem, não garantindo porém sua preservação.