Gisa é daqui do Recanto das Letras e escreve no meu site também (Clube da Dona Menô, em Convidados).

Repasso o último texto que ela enviou da Suécia para minha página. Um artigo de história culinária, também uma crônica e um diálogo entre ela e Dona Menô".


As pessoas que estão nas fotos autorizaram a divulgação de suas imagens.

Metida a cozinheira
Da Mesopotâmia à Suécia

Batendo papo com minha amiga virtual Dona Menô sobre o dia dos namorados e sobre a minha visita em sua casa em julho próximo, e que tipo de comida servir para o meu namorado sueco, o que ele come e não come, subitamente ela me diz: “Faz tempo que você não escreve nada para o meu site”.

Pedi a ela que me sugerisse um assunto, já que não tenho mais inspiração para escrever, justamente agora que descobri como se escrever C cedilhado (Ç) num teclado sueco.

“Gissa” em sueco quer dizer adivinha. Lembra Gisa, não é? Mas Gisa em sueco se pronuncia   Gissa”. Qualquer semelhança é mera coincidência.

Pedi sugestão a Dona Menô por pedir, porque eu já posso adivinhar o assunto sugerido sempre – C O M I D A.

Mamma mia! Ops! Isso lembra comida italiana, porém vou deixar esta parte para mais tarde. Se Dona Menô pensou que eu escreveria sobre receitas simplesmente, está enganada.

Resposta da Menô:

Já vi que ela ficou estudando que nem doida pra fazer este texto...

Continua Gisa:

Oj fay fan!". Vou escrever sobre comida, sim, mas eu vou lá na raiz da história da comida:

Após falar com Dona Menô e antes de escrever, fiquei pensando em como e onde conseguir uma boa receita sueca e traduzir a receita e bla, bla... Fiquei também pensando onde eu ganhei a fama de “boa cozinheira” e como tudo começou.

Retrocedendo no tempo cheguei à casa de minha avó, que era filha de uma índia com italiano.

Vovó era bem quista por familiares e vizinhos. Ela saía distribuindo sua atenção, fazendo seus  “chás e beberagens que curam”, contava suas histórias e ainda sobrava tempo para brincar comigo, sua primeira neta e afilhada.

Ela me fazia bonecas de pano e eu ficava a olhando. Dava os meus palpites e quando ficava pronta, eu nem ligava para a boneca. Ela construía fogãozinho de lenha com pedaços de tijolos para me ajudar a fazer “comidinha”, e não só ensinava-me a fazer de verdade, como também comia junto comigo, sempre elogiando, mesmo se eu exagerasse no sal ou pela falta dele.

Isso me lembrou pré-história. Iniciei aos quatro anos de idade minha história com comidas, curas e orações. Sempre fui metida a cozinheira e até cheguei a ter um restaurante no Brasil e compartilhei outro com um ex-companheiro na Suécia.

A minha frustração pelo meu insucesso com meu restaurante no Brasil e a frustração pelo restaurante aqui na Suécia, pela falta de preparo administrativo, impedindo-me de agir; a falta de conhecimento sobreética profissional”, aliada a falta de higiene, me levaram a um profundo desânimo para alimentação.

Neste meu novo relacionamento, meu namorado disse que ele cozinharia. Para mim foi confortável, que eu cuido da casa. Temos choque de cultura alimentar, decoração, crendices, religião e até mesmo idioma. Este diferencial tem tornado o relacionamento emocionante. Antes ele não falava nada de português e eu quase nada de sueco. Usamos a linguagem corporal, a linguagem telepática e até a fisionomia expressada em pensamentos e sentimentos (pré-histórico...).

Resposta da Menô:

Se ele não se incomoda de eu jogar o tacape nele, tudo bem... Vamos ter em julho um diálogo troglodita, já que meu inglês ta mais pra grego...

Voltando para Gisa, quer dizer, voltando pro papo das duas:

Viajarei no tempo e espaço para falar sobre alimentação desde  o surgimento do fogo até os fast foods. Usarei também a figura feminina no ritual da arte de cozinhar - alimentação e medicina, com a ajuda de Leilinha, espero! Vou “viajar” nas normas da produção de alimentos, as transformações no equilíbrio alimentar, a expansão dos restaurantes, a indústria alimentar e as técnicas de conservação, dietas, inclusive, vegetariana.

Caracas! Isso me lembrou a faculdade de administração e, mais precisamente, o meu professor de administração em produção.

Os assuntos não seguirão uma ordem, porque escrevo pela intuição, mesmo consultando opiniões de outros escritores e meus “amigos angelicais”.

Camêras, luzes, ação...

Mesmo que não entendamos, a vida se baseia na alimentação. As reuniões familiares, negócios e toda variedade de encontros, em determinado momento pensamos: “Onde vamos comer? O que comer? O que servir?". Depois vem o que vestir.

A alimentação é primitiva, desde quando o homem ainda era  “coletor”, para garantir a sua existência. Com o surgimento do fogo, o homem pôde começar a cozinhar seus alimentos. Após a glaciação, quando se tornou carnívoro (intuição), pôde também assar carnes nas brasas. Será que foi ali que surgiram os cozidos de carnes com vegetais?...

Nesta mesma época a mulher já iniciava sua vida doméstica, cuidando da alimentação e dos filhos. A função masculina era ir à busca dos alimentos e garantir a segurança das tribos.

A família na época paleolitica já tinha importância e se organizavam socialmente. O machado de pedra surge, favorecendo a aquisição da alimentação. Em seguida, outros utensílios em ossos e madeiras, para aprimorar e facilitar o preparo da comida.

A arte rupestre marcava o tempo; experiências transmitiam mensagens e sentimentos. A religião praticada era baseada na figura feminina, e a associação, ao poder da criação: “A mulher é o portal para trazer a vida ao mundo”. Somos mesmo Divinas!

Gisa professora

Até aqui eu mostrei a alimentação, utensílios, a religião e a escrita, já que na pré-história não existia a fala, somente ruídos.

Estarei associando alimentação, objetos utilizados na preparação dos mesmos e a religião. Não que eu seja religiosa, porque eu não tenho religião. Eu creio em Deus. Não preciso de religião para me disciplinar, já que sei que na vida existe o bem e o mal, e a escolha é somente minha. A escrita nos proporciona ter as receitas e inclusive alguém estar perdendo seu precioso tempo lendo meus devaneios. Não é só Dona Menô que tem privilégios dos devaneios...

Plim, plim! Milênios atrás...

Viajamos agora para a Mesopotâmia, que quer dizer “entre rios”, faixa de terra entre os rios Tigre e Eufrates, no Oriente Médio, onde surgiram as primeiras civilizações e manifestações culturais. Neste local o solo e o clima favoreciam a agricultura.

Nesta mesma época surge a escrita. Escavações realizadas no Iraque e trabalhos que decifraram a escrita cuneiforme, inventada provavelmente pelos sumérios - cujas sílabas e palavras são formadas por uma combinação de traços em forma de cunha -, ampliaram o conhecimento da participação da Mesopotâmia na evolução da cultura humana. As primeiras receitas culinárias foram registradas, a arte de preparar os alimentos ou de embelezá-los.

Outro detalhe interessante foi a maneira de adicionar uma variedade de ingredientes na mesma mistura, produzindo, assim, sabores raros e apresentando apetitosas iguarias.

Segundo os documentos encontrados nas ruínas de Mari, havia grande variedade de utensílios usados para o preparo dos mais diversos pratos. Não há indicação exata do tempo de cozimento e da temperatura, e como não conhecemos o significado dos nomes Acadianos de certos alimentos, é impossível reproduzir esses pratos hoje em dia.

Uma outra história relacionada à cozinha do Oriente Médio Antigo diz respeito à origem da pizza. Segundo o professor da USP Gabriel Bollaffi, a teoria mais aceita é que os fenícios, três séculos antes de Cristo, costumavam acrescentar coberturas de carne e cebola a um pão em forma de disco (pão sírio). Os turcos muçulmanos também adotaram este costume durante a Idade Média.

Com o advento das cruzadas, esta prática de acrescentar cobertura ao pão sírio chegou à Itália, através do porto de Nápoles. Lá os italianos incrementaram o pão com diversos tipos de cobertura, como o queijo, e mais tarde, após a descoberta da América, o tomate, dessa maneira originando a pizza.

Pode-se, então, a partir dos dois relatos acima, levantar a hipótese de que a culinária contemporânea do Oriente Médio, do Norte da África, e mesmo a culinária de certas regiões da Europa mediterrânea e do Leste Europeu, são herdeiras, em parte, da cozinha da Antiga Mesopotâmia,  “a mais antiga culinária do mundo".

Retornando aos dias de hoje

Fomos convidados para um almoço na casa de um casal de amigos do meu namorado. Este amigo é marroquino, casado com uma sueca. Os pais dele estão visitando o casal, e a mãe dele preparou um  “cuzcuz marroquino” para servir neste encontro.

Quando foi anunciado que a comida estava à mesa, e fomos para a cozinha, olhei para a mesa e vi somente uma travessa de cerâmica no centro da mesa, contendo o cuzcuz. Embora eu visse somente duas xícaras enormes com um molho, e que, a princípio, pensei que fosse café, achei que seria servido café com o cuzcuz.

Fui orientada ao lugar em que eu deveria sentar. Ao sentar, vi que não havia pratos sobre a mesa. Várias colheres estavam em volta da travessa. Ou seja, um prato comunitário.

Meu namorado fez algum comentário a respeito e seu amigo colocou pratos para nós, mas preferimos nos unir a eles.

Para mim fora um prato surpresa, porque eu só via  “a farinha do cuzcuz” por cima dos vegetais cozidos. À medida que ia se comendo os vegetais, ia surgindo a carne no centro deste prato.

Resposta da Menô

Ah, não, cara... Eu perguntaria primeiro o que iam servir... e qual o McDonald’s ou Bob’s mais próximos... Pelo menos a gente nesses lugares não vê como a coisa é preparada...

Dilema de Gisa

Meu namorado e seu amigo discutiam sobre o maior buraco deixado nos lados, ou quem comia mais, e também brincavam comigo, porque, como o prato ficava longe, quando eu ia levar cuzcuz à boca, eu o deixava cair na mesa, no colo e no chão.

Eu pensei em não comer mais, a não ser que eu levasse a boca até perto do prato ou vice-versa. Se todos fizessem a mesma coisa, seria uma guerra de cabeças se trombando.

Menô contra-ataca

Ô, minha filha, eu já disputei pipoca doce no saquinho, mas foi antes do surgimento da gripe suína... E não to a fim de pegar herpes não...

Lavou, ta novo...

Nosso amigo marroquino disse que era normal, que aspirador limpa tudo. Foi ai que percebi que, mesmo eles que fazem isso há anos, deixavam a mesa suja. Somente o lado de meu namorado ficou limpo, mas, também, ele deixou um buraco pequeno em seu lado, que, aliás, não comeu a tal da farinha do cuzcuz, somente os vegetais.

Pensei na energia daquele momento e lembrei de minha mãe. Ela jamais comeria em um prato comunitário, onde todos metiam a colher na boca e depois no prato. Ocorreu-me uma frase de Jesus Cristo:  “O que mata não é o que entra pela boca, mas, sim, o que sai dela”.

Menô dando uma de história da culinária

O fondue é mais ou menos essa coisa de prato marroquino. Todos colocam aquele espeto babado na tigelinha, se bem que a tigela está quente e ferve algumas bactérias...

Fondue surgiu do frio, nas montanhas geladas da França e Itália. Derretiam o queijo na pedra e nele lambuzavam um pão. Nos desertos do oriente médio o pão sempre foi dividido. A Igreja adorou o ritual, daí a hóstia...

Eu até comeria na mesma tigela de outras pessoas, mas só se eu estivesse numa pior. Fora isso, enquanto eu puder pagar meus impostos e ninguém me tirar o direito de comer, eu como sozinha no meu pratinho...

Infância

Meus pensamentos viajavam a velocidade da luz. Quando criança, minha mãe criara seis filhos sozinha porque meu pai morrera ainda jovem. Ela saía para o trabalho e deixava a comida pronta. Eu e minhas irmãs tínhamos que limpar a casa e lavar as louças. Simplesmente decidimos que colocaríamos a comida toda misturada numa só panela e comeríamos ali. Assim não sujaria tantos pratos. Será que eu, minhas irmãs e meu irmão temos um pezinho no Oriente Médio em vidas passadas?

Frases vão, frases vêm:  “Família que come unida, permanece unida.” Eu não lembro a sentença correta, mas é assim que ela cabe para o momento.

Meu recado para Dona Menô

Gostei da ideia de comer num só prato. Que tal eu, você, meu namorado e Josualdo assim, quando nos encontramos? Mas não vale dar colheradas na mão para pegar o maior camarão...

O cuzcuz que se faz aqui, ou originário de Marrocos, não se assemelha em nada ao nosso cuzcuz do Brasil. Só lembra por causa de algo semelhante, que é a nossa farinha, mas não de milho, só que não é colocada em formas para moldar.

Esta farinha deve ser cozida também. O cuzcuz que eu comi era moldado da seguinte forma:

No centro do prato ia carne em cubos grandes cozidos (talvez patinho ou colchão mole). Ao lado, após distribuir-se o cuzcuz por cima, grão de bico cozido, cenouras cozidas cortadas no sentido vertical, abóboras vermelhas em pedaços bem grandes, abobrinhas verdes cortadas em rodelas, sem sementes, e um grão (que ainda não pude identificar qual era), tomates, cozidos talvez no caldo da carne. O suco obtido com o cozimento intui que seja o molho que acompanhava o cardápio. Isso por causa do sabor, no qual foi adicionado algo semelhante a açafrão.

Eu até poderia conseguir a receita e colocar aqui, mas os temperos utilizados, eu creio não serem encontrados, e a maior parte dos meus leitores e de Dona Menô estão no Brasil.

Gislânia Dornelas

Flen, Suécia, 12 de junho de 2009
Acredite e tudo acontecerá!

Recado final pra Gisa

Amiga, o cardápio ta mais pra cozido ou escondidinho de abóbora com carne de sol. Acho que os amigos marroquinos iam gostar de visitar a feira dos paraíbas, em São Cristóvão, bairro aqui no Rio. Se bem que lá a gente come cada um com seu prato...

Bibliografia da pesquisa de Gisa:

http://www.historiadaarte.com.br/arteprehistorica.html
http://www.idealdicas.com/periodo-paleolitico/
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=48
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mesopot%C3%A2mia