CRIATIVIDADE
IraíVerdan
Como nasce um artista? Esta tem sido uma pergunta, que ocupa o pensamento de muitas pessoas, especialmente quando estas se deparam diante de uma grande obra, ou de um artista consagrado.
Sabendo-se que as artes são classificadas na nossa língua como Artes liberais, aquelas que dependem da inteligência, Arte mecânica que se firma no trabalho manual, e nas chamadas Belas Artes, em que estão contidas ínfimas manifestações como o desenho, a pintura, a escultura, a arquitetura, etc., pode-se concluir, então, que o artista nasce através da descoberta por si só ou de outrem, na execução prática de uma idéia, ofício, profissão. Na indústria, surge o artista na confecção de objetos e coisas, que dependem da astúcia, da habilidade, do jeito, da maneira do que é feito.
Os preceitos das profissões dão as metas, ou a coleção de regras para que o chamado “artista” execute, com perfeição alguma coisa de sua habilidade. Nesse momento da criatividade, cada indivíduo artista mostra a sua soberania, pois é único em sua maneira de perceber, de pensar e agir.
No processo criativo, o indivíduo se assegura de todo o conhecimento que possue, cultural ou intuitivo, seu apuro, perfeição na criação de sua obra.
Ao dar-se conta de sua capacidade ou do desejo da criação, isto é, da força produtora que tira tudo do nada, a invenção, o artista sente o peso da sua condição, do seu “ser” artístico, como se a partir daquele momento assinasse um compromisso com a arte!... Depois dessa percepção, do desejo da criação, ele descobre que para “sua arte” não há muitos ensinamentos técnicos. Percebe que ele precisa fazer rupturas, que mudem a direção do que já foi ou está estabelecido, como constantes desafios da sua realidade física ou social. O artista percebe ainda, que ele precisa se doar a cada dia para desenvolver a sua capacidade de criar, respeitando a individualidade, a originalidade, a habilidade de cada um! Ser, portanto, acima de tudo ético na sua maneira de ser criativo.
Através das experiências de outros, aos poucos o artista vai compreendendo como é o seu processo de criar. A meta do desenvolvimento dessa capacidade é a potencialidade das pessoas.
A inspiração, é algo que vem de dentro para fora?
Certa vez, li um artigo para eu fazer um trabalho, no meu Curso de Pós Graduação, de autoria do Professor Luiz Marques de Souza, onde o autor escrevia sobre o artista cartunista e Sociólogo Henfil, e as explicações dele sobre esse processo criativo - a inspiração. Dizia Henfil, em seus cursos, que muitos pensam que “a Criatividade é uma genialidade esotérica”. “Que é uma coisa que de repente brota nas pessoas, em ocasiões muito especiais”. Através de suas experiências e das que ele observava criar, nessas obras vistas, assistidas por ele, dizia que a criatividade era uma questão de concentração. Por suas experiências em cursos e palestras Henfil afirmava que “sem concentração a criatividade não acontece. Que às vezes é dolorosa, demora muito tempo e dá um trabalho danado”. O resultado da concentração “é o isolamento da pessoa que tem sucesso, por ser esta uma exceção” entre as demais.
Quando em sala de aula ou nos cursos, o professor precisa desmistificar, isto é, acabar com a idéia de que a criatividade é algo que vem do espírito, ele sabe que primeiro precisa tirar da cabeça, desarmar os alunos, para que todos sintam em igualdade perante os outros. A partir daquele instante, o professor é o Sábio, e os alunos os concorrentes.
Ainda segundo o artista citado, “há duas formas de criar”. Uma delas é que você só cria com um cachorro preto atrás”. O significado do cachorro preto, na sua concepção é a urgência, a necessidade concreta, o prazo estourando.Talvez ele já tenha levado uma carreira de um dobermann. Eu já levei uma corrida... mas, de um “vira-latas”, quando ía para a escola. Passei perto da calçada, onde uma madame tomava o seu banho de sol, numa cadeira! Um cão que estava próximo a ela me avançou. Eu corri, enquanto a madame ria, gargalhava! Nada fazia...Até que o animal me alcançou e cravou os dentes afiados na panturrilha da minha perna esquerda e não soltava de jeito algum. Eu gritava, gritava enquanto o sangue escorria pela minha pele. Finalmente, a senhora resolveu se levantar, gritou com o cão, com um chinelo na mão... Aí ele se soltou. Foram momentos de horror! A mulher voltou para sua cadeira e eu fui para casa, chorando. Mas, voltei com minha mãe, que veio tirar “satisfações”.Disse-lhe uma porção de coisas.Quis saber porque o cão estava solto, etc.. Depois me levou para fazer o curativo e tomar a vacina apropriada. Naquele momento, queria ter pernas mais longas, ou mais fôlego para correr mais que o cão... Se pudesse, subiria num poste, ou pularia n’água, mesmo sem saber nadar! Ainda tenho as marcas da mordida na minha perna, até hoje. Aquela aflição, aquele sufoco, foi inesquecível!
A urgência é a necessidade, a mãe da criação. E ela rola como uma bola, num bate-bola. A gente é que tem que ir atrás dela. A necessidade é um negócio essencial. Quando o professor em sala de aula,dá as tarefas sabendo que será necessário o esforço, estipula o prazo em tantos minutos, e essas tarefas saem. O professor soltou o seu cão dobermann.
Qual o artista que ainda não passou por uma experiência assim? Ou, qual o professor que não teve a experiência de querer desmistificar o aluno? Conclui-se, então que você só cria sob “pressão”. Quando o prazo da entrega de um trabalho está longe, você fica preocupado ou não, mas, não fica inspirado! O prazo estourando, para dar conta em determinado tempo, o trabalho já elaborado na mente, mas, é no último dia que você conclui, quando não há mais tempo, aí você cria!...
Certa vez quis participar de um concurso literário nacional ilustrado, com entrega via correio.O dia do prazo ia chegando e não conseguia me concentrar. A inspiração também não vinha...Não encontrava o começo. No penúltimo dia consegui o mais difícil - me concentrar, pois, a motivação era uma nova experiência literária. Com lápis e o papel na mão consegui dar a largada inicial. Fiz vários textos até que um ficou bom.Deixei para concluir no outro dia e fazer o que achava mais fácil – a ilustração, o desenho. Quando terminei todo o trabalho, coloquei-o num envelope e fui ao correio que estava... Fechado!... Era feriado municipal e eu não me lembrara...Mas, não desisti. Decidi ir ao município vizinho, um pouco distante, postar a correspondência no Correio de lá.
Quando entrei no ônibus e as curvas apareciam sempre, uma após a outra, à frente do veículo e parecia que nunca iria chegar ao destino do Correio. Nessa hora eu me lembrei do cachorro atrás de mim.Foi grande o desespero, de ver a hora chegando do último dia, os últimos instantes, depois o Correio ainda fechado!
Ainda cheguei a tempo de postar o envelope no Correio. O carro já estava de saída... E o meu trabalho chegou ao destino certo e foi classificado em 5o. Lugar no Brasil, no aniversário de 100 Anos da cidade de Iratí – PR.
Talvez que naquela época, eu precisasse de algo mais para concorrer. Um pouco mais de prática, mais dedicação, mais informação...E o ingrediente principal – a inspiração, este que só veio com a urgência do prazo estourando!...
A informação é fundamental. Tem o aspecto de você ver e olhar. Porque você pode olhar as coisas e não ver...É a informação que faz com que você veja o que os outros não conseguem enxergar.
Os grandes artistas do mundo inteiro são pessoas muito bem informadas, sobre o seu meio artístico. A informação, portanto não é um dom que nasce com a pessoa.É uma forma de trabalho com sua mente. É preciso ler jornais, revistas, assistir à televisão, saber sobre os acontecimentos, opinar sobre assuntos da política, se expressar através das culturas. Você precisa se informar de alguma maneira, pois, ninguém dá o que não tem. Quem não tem conhecimento se machuca ou é pego pelo “cachorro preto do Henfil”.
Nos processos de criação de cada arte, tem os seus lados, trabalhar a favor ou contra as expectativas das pessoas, com ou sem humor.
Você pode usar criatividade em quase todos os aspectos da sua vida. Na verdade se você é artista ela já está em você. Para que a criatividade surja, basta a concentração. Faça a sua obra, os seus desenhos, os seus quadros. Você não é Picasso ou Michelangelo, mas pode criar sua obra de arte. Não deixe que a escola de hoje o torne num incompetente, só porque você não é celebridade. Prepare sua câmera de luzes para as suas obras.
Outra coisa errada é dizer que é preciso ter carisma. Mande-o para fora de si. Ponha o seu entusiasmo para fora. Quando o carisma das pessoas vai diminuindo, é sinal que outras pessoas desenvolveram seu potencial também. E aí o carisma muda de posição.
Ao concluir estas considerações sobre a Criatividade, chega aos meus pensamentos, a lembrança das faces dos artistas do Brasil e da Nossa Terra Mageense, das suas notórias obras. Alguns um pouco mais conhecidos ou divulgados, com mais ou menos carismas do que outros, mas que se descobriram ou foram descobertos pelos seus mestres, conhecidos ou, num completo anonimato, mas que a cada oportunidade surgida de ensinar a mágica das artes, não privaram seus discípulos de contagiar os seus corações, colocando as ferramentas em suas mãos, os materiais novos ou recicláveis para transforma-los em objetos da mais bela Arte. Desmistificando assim, os tabus, mandando para longe os carismas, e fazendo reluzir em cada obra a sua Criatividade e originalidade.
Dedico estas considerações sobre a Criatividade a todos os artistas brasileiros e da Nossa Terra Mageense, em especial aos ex-alunos do saudoso Professor Ney de Lima, pioneiro no ensino das Belas Artes em nossa localidade, os quais são: Deneir Martins, conhecido artista apelidado de o “vira-lata”, Jorge Duarte, famoso artista conhecido no exterior; Fiúza, Adalto, Tuca Cozzolino, Domitila, Célio, Josias, Daurema, Ozéas, as irmãs Márcia Verdan e Lílian Gláucia, filhas da autora dessa obra, e o escultor Marion e outros, minha sincera homenagem.
Iraí Verdan,
Magé, 14 de fevereiro de 2009.