Sexo: com quem aprender sobre?

O poder reprime para se impor. Reprime pela força física. Reprime pela força simbólica. O poder coage e convence. Logo, o poder se alia ao saber para enquadrar, disciplinar e controlar, sendo esses os seus efeitos mais visíveis. Ao longo da história esses mecanismos foram utilizados de variadas formas e atuaram, sobretudo, no âmbito da sexualidade, talvez o foco central da repressão política.

No mito, o sexo não era reprimido. Havia o entrelace de todos quantos pudessem se vincular sexualmente: animais, humanos, semi-deuses e deuses, um “caos” preenchido pela vida.

De modo geral, os gregos celebraram o amor e o classificaram como amizade, erotismo e antro-empatia. Para o grego, amar era uma arte que encerrava a beleza para a vida.

Na Idade Média, o sexo começou a ser severamente reprimido, na linha de deslegitimação do corpo que certas correntes filosóficas haviam produzido, como a platônica, por exemplo. Nessas filosofias, o que vale é o imaterial, a alma e o espírito; a biologia, a matéria e o corpo eram tidos como coisas de somenos. Desprezíveis. Podiam ir à fogueira, à sevícia, ao suplício, ao sofrimento, ao açoite, ao apedrejamento, à morte, ao aniquilamento. Reinava a intolerância.

Na Modernidade, Freud deu de cara com a libido, mas não veio a tratá-la como potência criadora. Ao contrário, ele criou um aparato analítico que se transformou em mais um instrumento da repressão sexual.

Reich tentou lutar contra isso. Ele entende que o ego é a face mais superficial de nosso ser, o âmbito do que gira em torno da etiqueta, do trato social, da cortesia e dos assemelhados úteis à teatralidade da vida social. Focando esse primeiro nível de nosso ser, o poder repressivo ocidental desmantelou a força do sexo por meio de uma moral sexual altamente castradora, autoritária, excludente. Tirana.

Por isso, o poder não ousou permitir a fluidez e a fruição da sexualidade em toda a sua extensão e intensidade. Isso se tornou um campo fértil aos totalitarismos fascista e nazista, os quais tiveram lugar em nossa história porque arregimentaram pessoas sexualmente reprimidas, etiquetamente preparadas, mas libidinosamente frustradas, levando-as a mobilizarem forças inconscientes em proveito do fanatismo, do ódio e do embrutecimento. Residia, pois, na sexualidade reprimida ao nível inconsciente a força destrutiva desses movimentos.

Por essa razão, Reich, que defendeu a superação da miséria sexual do ocidente por meio da prática livre da sexualidade, compreende que a energia criadora brota do âmbito do desejo e do amor, justo a esfera que Freud não deu conta de ver, mas que, de certo modo, já estava presente até nos escritos de Rousseau.

Foucault, com sua história da sexualidade, evidenciou exatamente isto: o saber e o poder se articulam em benefício da repressão. Enquanto a sociedade ocidental pensou e produziu um saber sobre o sexo, a sociedades orientais se ocuparam com a produção de uma arte sexual, com a prática da sexualidade. Com uma sabedoria sobre o sexo, em vez de reprimi-lo.

Nietzsche já havia indagado sobre o quanto de repressão teria sido necessário para tornar o homem um animal interessante, qualidade que é um efeito do poder, o qual, segundo Foucault, agiganta-se sobre os corpos dóceis, disciplinados e reprimidos, os quais, segundo Deleuze, assim se fazem para serem controlados.

Por essas e outras, parece plausível o entendimento de que o grau de consciência sobre as possibilidades de uma vida libertária por parte de uma pessoa está diretamente associado à maneira como essa pessoa compreende e vive a própria sexualidade. E nisso, ao que parece, os orientais tem muito mais a nos ensinar do que nossas “inatacáveis” autoridades dos campos da filosofia, da ciência e das artes ocidentais. Oxalá aprendêssemos com eles que sexualidade rima com vida, rima com liberdade, rima com realização