ESCOLA PÓLO BILÍNGÜE: UM MOVIMENTO POLÍTICO-PEDAGÓGICO-LINGUÍSTICO

DIAS-FERREIRA, ADEMILSON¹

OLMO, KATIUSCIA GOMES BARBOSA²

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo descrever o movimento político-pedagógico-linguístico ocorrido no município de Linhares, no Estado do Espírito Santo, através da reestruturação da política de educação dos surdos, numa perspectiva de educação inclusiva-bilíngue, movimento este que visa assegurar a especificidade de educação bicultural e bilíngue das comunidades surdas através da Escola Polo Bilíngue. Bem como, cursos de formação continuada para professores, que atendem os alunos surdos incluídos em suas classes, para familiares de surdos, e ainda a contratação de profissionais tradutores/intérpretes da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, e professores/instrutores surdos. Este movimento está ancorado no decreto 5.626/05, que dispõe sobre a LIBRAS e dá outras providências, e na nova Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEES, 2008).

PALAVRAS-CHAVE: Inclusão, Língua de sinais, aquisição da LIBRAS, cognição.

ABSTRACT

The present work has as objective to describe the occurred politician-pedagogical-linguístico movement in the city of Linhares, in the State of the Espirito Santo, through the reorganization of the politics of education of the deaf people, in a perspective of inclusive-bilíngue education, movement this that it aims at to assure the especificidade of bicultural education and bilíngue of the deaf communities through the School Polo Bilíngue. As well as, courses of formation continued for professors, who take care of the enclosed deaf pupils in its classrooms, for the family, and still the act of contract of translating professionals/interpreters of LIBRAS and professors/deaf instructors. This movement is anchored in decree 5,626/05, that it makes use on the POUNDS and of the other steps, and in the new National Politics of Special Education in the Perspective of the Inclusive Education (PNEES, 2008).

KEY WORD: Inclusion, Language of signals, acquisition of the LIBRAS, cognition.

1- INTRODUÇÃO

Desde muito tempo a educação dos surdos tem se pautado em uma pedagogia normalizadora, que visa apenas o sujeito biológico com suas percas auditivas medidas em decibéis e os mesmos encontravam-se perdidos em salas de recursos e/ou especiais sem serem de fato compreendidos/incluídos. A única preocupação era humanizá-los através da fala (oral), como sendo este o único meio de fazê-los humanos, ou aceitáveis perante uma sociedade um tanto racista e preconceituosa. Deu-se tanto valor a voz que negou/furtou-lhes a vez.

Felizmente, a história tem tomado outros rumos. Hoje se fala em Pedagogia surda, bilingüismo, estudos surdos, estudos multiculturais, que descentraliza da deficiência e focaliza no sujeito, que não é a deficiência ambulante.

Diante desses novos discursos e práticas, iniciamos, no inicio do corrente ano letivo, o projeto “Escola Polo Bilíngue: Direito à Igualdade” que emergiu da necessidade dos que a eles se destina e da inquietação de seus autores, Katiuscia Gomes Barbosa Olmo e eu, Ademilson Dias Ferreira, que vem pesquisando e formulando-o desde 2006, quando já se evidenciava o descaso/desconhecimento quanto à educação dos surdos no Município Linhares, Estado Espírito Santo.

Ancorados no Decreto lei 5.626/05, que trata sobre a LIBRAS e dá outras providências, e nas novas Políticas Nacionais de Educação Especial numa Perspectiva de Educação Inclusiva (PNEES, 2008), o projeto propõe uma reestruturação da política de educação de surdos neste município, com o intuito de assegurar a especificidade da educação bicultural e bilíngue para a comunidade surda local, respeitando sua singularidade linguística no processo ensino-aprendizagem, contribuindo para a minimização/eliminação das desigualdades sócio-educacionais existentes entre as comunidades de surdos e ouvintes, proporcionando um ambiente linguístico que favoreça a aquisição dos conhecimentos científicos por meio da LIBRAS.

A quantidade de surdos residentes no município de Linhares, o número restrito de profissionais habilitados, bem como a historicidade da educação dos surdos, a superficialização e desdém em que este tema tem sido tratado, as mudanças propostas pelas legislações vigentes e ainda o avanço sócio-cognitivo apresentado pelos mesmos, bem como a construção sistematizada de seus conhecimentos através da LIBRAS, por si só justifica tal trabalho.

Objetiva-se, aqui, descrever o movimento político-pedagógico-linguístico ocorrido no município de Linhares advindo das propostas do projeto supracitado. Bem como, relatar as propostas e ações que se desenvolvem no município em questão. Analisar através das lentes teóricas de Dermeval Saviani, em forma de síntese, as formações continuadas e suas perspectivas, contrastando-as com as do projeto e ainda, apresentar as configurações das escolas elegidas para a efetivação do projeto, tornado-se escolas polos bilíngues. Todavia, iniciaremos o presente artigo falando, primeiramente sobre a educação dos surdos numa perspectiva sócio-histórica, cultural e linguística, passando, gradativamente para os demais objetivos propostos.

2- PROJETO ESCOLA POLO BILÍNGUE: PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA, CULTURAL E LINGUÍSTICA

Reportemo-nos ao passado, mas não como que em busca de protagonistas ou antagonistas, e sim “para que se torne possível entender as motivações, os embates, as lutas, as conquistas, os discursos que delinearam o passado e que influenciaram a configuração do presente” (SÁ, 2006, p. 70).

Pois bem, na antiguidade os surdos, bem como quaisquer pessoas deficientes, geralmente eram atirados de penhascos. Nas sociedades judaica e cristã defendiam/defendem a idéia que os surdos são pessoas como outras quaisquer que “inclusive, segundo esta perspectiva, precisam de Deus, ou de Cristo” (SÁ, 2006, p. 70).

No renascimento era comum o uso de “anões, corcundas e deformados como espetáculo”. Com uma visão cientista, o Iluminismo defendeu a higienização da sociedade e isolou “’a anormalidade’ com o fim de reabilitar ou curar”. Somente a partir do século XVIII, mais precisamente em 1756, em Paris, a história moderna da educação dos surdos inicia, “quando um padre se interessa por um grupo de crianças surdas e passa a instruí-las em uma pequena escola que veio a crescer, recebeu apoio real e tornou-se uma instituição de fama internacional” (SÁ, 2006, p.71). Tal instituição funcionava em formato de asilo, o que, de certa forma, acabou tornando algo positivo para os surdos: “o desenvolvimento da cultura e da língua de sinais” (SÁ, 2006, p.75).

Segundo Sá (2006, p.76), nas tentativas educacionais era utilizado “variações ‘manualistas’ da língua oral, mas jamais utilizaram a autêntica língua de sinais das comunidades surdas com as quais trabalhavam”. Não tendo efeito esperado, os esforços manualistas foram substituídos pelo oralismo, isso já na metade do século XIX. Na prática anterior, tentaram isolar os surdos em asilos, mas como o resultado não foi o esperado culminou no ultimo, através do afamado Congresso de Milão, em 1880, que, na tentativa de produzir surdos aceitáveis, a estratégia foi isolar os surdos uns dos outros através da obrigatoriedade do uso da língua oral.

O período que sucede ao congresso durou quase um século até reverem a questão educacional do surdo, e observaram a necessidade de os mesmo serem agrupados em locais comuns usando preferencialmente a língua de sinais, entretanto este entendimento só ocorreu anos depois. A todo este desenrolar da história Skliar (2005, p.7) resume como sendo

[...] mais de cem anos de práticas enceguecidas pela tentativa de correção, normalização e pela violência institucional; instituições especiais que foram reguladas tanto pela caridade e pela beneficência, quanto pela cultura social vigente que requeria uma capacidade para controlar, separar e negar a existência da comunidade surda, da língua de sinais, das identidades surdas e das experiências visuais, que determinam o conjunto de diferenças dos surdos em relação a qualquer outro grupo de sujeitos.

Atualmente, no Brasil, há muitos “discursos e práticas alternativas” buscando a recolocação da discussão num contexto mais apropriado à situação sócio-histórico-cultural e lingüística do sujeito surdo. Uma vez que a pedagogia aplicada para os surdos, e que “ainda hoje se arrasta, não considerou sua diferença, sua língua, sua cultura e suas identidades, que por supervalorizar a voz, lhes negou a vez” (SÁ, 2006, p. 21).

Sá (2006, p. 17) afirma ainda que

[...] nas duas últimas décadas tem sido desenhados discursos e práticas que buscam uma recolocação da discussão em um contexto mais apropriado à situação cultural, linguística e identitária dos surdos. Há tentativas de tirar a discussão do estreito domínio da chamada educação especial para encontrar outras linhas de estudo no contexto maior da educação geral. Há tentativas de encarar o surdo como autor e ator de uma cultura minoritária, como usuário de uma língua natural, como grupo que demanda uma educação bilíngue e multicultural, como pessoas diferentes, normais e de identidades legítimas.

Seguindo esta mesma perspectiva, no final de 2008 foi aceito, no Fórum Permanente de Educação Especial, no Centro Especializado de Educação Especial –Associação Pestalozzi– o projeto “Escola Polo Bilíngue: Direito à Igualdade” que defende uma inclusão diferente da que tem ocorrido. Uma vez que o que estamos acostumados a ver, na verdade, é apenas inserção no sentido de colocar, jogar, não o de compreender, envolver de igual forma, como seria a proposta da inclusão.

Neste projeto, o objetivo é de reestruturar a política de educação de surdos no nosso município, com o intuito de assegurar a especificidade de educação bicultural e bilíngue, sendo estas, pois, as principais e fundamentais diferenças quanto á inclusão de alunos com deficiência auditiva em detrimento a alunos com outros tipos de deficiência. Isto por considerar a língua um elemento de fundamental importância para a construção dos conhecimentos e desenvolvimento sócio-cognitivo.

Por isso, preocupados com a aquisição da LIBRAS, em tempos e formas adequadas, propomos uma educação bilíngue, desde a educação infantil. Propomos então escolas centralizadas, de fácil acesso, para proporcionar um ambiente lingüístico que possibilite a aquisição de conhecimentos científicos por meio da referida língua, com base nas mudanças propostas pela nova PNEES (2008).

A escola polo bilíngue não é escola especial. A escola polo bilíngue é uma escola inclusiva. A escola polo bilíngue é uma escola significativa, que reflete a situação sócio-cultural e linguística do sujeito surdo, diferente das escolas/salas especiais que somos acostumados a ver, que junta todos os deficientes auditivos para impor-lhes um aprendizado de uma língua não natural, na tentativa de normalizá-los (uma verdadeira opressão, não inclusão!) (SÁ, 2005, apud SKLIAR, 2005).

Um dos objetivos da escola polo é propiciar um ensino de qualidade, em salas mistas (alunos surdos e alunos não-surdos) de acordo com a idade/série, em um ambiente linguístico qualitativo, proporcionando a construção do conhecimento através da LIBRAS (língua tão natural quanto qualquer outra).

Para se efetivar os objetivos propostos no projeto, o acordo firmado entre a Secretaria Municipal de Educação -SEME, Superintendência Regional de Educação (SEDU – SER-LINHARES) e o Centro Especializado de Educação Especial –CEEES-PESTALOZZI, foi a espinha dorsal do mesmo. Assim sendo, a SEME assumiu as seguintes responsabilidades: Contratação de profissionais tradutores/intérpretes e professores/instrutores de LIBRAS (ouvintes e surdos respectivamente – pela primeira vez na história educacional da rede municipal de ensino de Linhares); Formação continuada, em parceria com o CEEES-PESTALOZZI, para os professores (curso básico de LIBRAS I e II); curso de LIBRAS para familiares de surdos (Aprendendo e Ensinando LIBRAS em Família); educação e transporte de alunos surdos, com acompanhantes, desde a educação infantil. A SER-Linhares, por sua vez, assumiu: a contratação de profissionais tradutores/intérpretes de LIBRAS, para atuarem nos ensinos fundamental II e Médio; ambas as redes assumiram disponibilizar vagas, tanto quantas necessárias, para matrículas de alunos surdos, sendo duas escolas, uma de cada rede. O CEEES-PESTALOZZI, disponibilizou o espaço físico e recursos necessários para a realização do contra-turno, bem como da formação continuada, que se estendeu também a outras especificidades. Tais ações são exigidas pelo Decreto 5.626/05 e orientadas pela PNEES de 2008.

2.1. FORMAÇÃO CONTINUADA: SUJEITO SURDO, SUJEITO SÓCIO-HISTÓRICO E LINGUÍSTICO

Saviani, em sua obra Escola e Democracia, em crítica à chamada “escola tradicional”, que tem acumulado críticas com o passar dos anos devido às suas práticas pedagógicas, afirma que a mesma tentava/tenta corrigir a marginalidade “identificada com a ignorância”. E, que a escola se organizava/organiza, “como uma agência centrada no professor” o qual transferia/transfere, de forma bancária, um acervo cultural aos alunos, que cabia/cabe “apenas assimilar os conhecimentos” (SAVIANI, 1997, p.79).

O autor discorre ainda sobre um movimento que passa a encarar a marginalidade não mais sob o prisma da ignorância, mas da rejeição. Desta forma “os marginalizados são os ‘anormais’, isto é, os desajustados e desadaptados de todos os matizes”. Nesta ótica a pedagogia inicia a temporada de caça aos anormais, mune-se de “testes de inteligências, de personalidades etc., que começam a se multiplicar”. E ainda hoje existe um ranço dessa parte da História.

Ele fala também sobre a pedagogia tecnicista, que, nesta corrente, o marginalizado é visto não mais como o ignorante ou o rejeitado, mas como o incompetente, “isto é, o ineficiente e improdutivo”. Sendo assim,

“do ponto de vista pedagógico conclui-se que, se para a pedagogia tradicional a questão central é aprender e para a pedagogia nova aprender a aprender, para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer” (SAVIANI, 1997, p. 25-26).

Saviani (1997, p. 73) e Machado (2008, p. 76) concordam que nas pedagogias passadas/presente ausenta-se as considerações quanto à historicidade do aluno (sendo surdo ou não). O primeiro afirma que “faltam-lhes a consciência dos condicionantes histórico-sociais da educação”. O segundo afirma que “não são considerados, nas práticas escolares, os sujeitos reais com suas histórias, seus valores, crenças, ritmos, comportamentos, origem social e econômica, experiência e vivência”. Isto é, negam-lhes a idiossincrasia num discurso hegemônico e homogeneizador.

Saviani (1997, p. 74) salienta que a pedagogia deve/deveria centrar-se, “pois, na igualdade essencial entre os homens. Entende, porém, a igualdade em termos reais e não apenas formais”. E que a transposição da igualdade formal, aquela garantida pela constituição de 1988 e por diversas leis, para a igualdade real implica passar pela igualdade de acesso ao saber. Assim sendo, a mesma precisa ser através de “uma pedagogia articulada com os interesses populares” empenhada no bom funcionamento da escola que favorecerá o diálogo entre os pares e com o professor, sem desprezar “o diálogo com a cultura acumulada historicamente”. E, ainda, respeitarão “os interesses dos alunos, ritmos de aprendizagem e desenvolvimento psicológico” sem, no entanto, perder o foco “a sistematização lógica do conhecimento”.

E, ao se falar em formação de professores para aturem na educação dos surdos, é comum encontrarmos materiais que focalizem a surdez, anatomia e funcionamento do sistema auditivo, dispositivos de amplificação sonora, implante coclear, etc.. O que reforça a idéia de que para a efetiva inclusão do surdo este tenha que aprender a Língua Portuguesa, porém com metodologias destinadas aos ouvintes (não-surdos), não considerando a questão sócio-linguística do mesmo. Afirmo, com Sá (2005, apud SKLIAR, 2005, p. 188), que “impor um tipo de escola, [...] ou impor um tipo de aprendizado de uma língua não-natural, são uma mesma forma de opressão, não de inclusão”.

O ponto diferencial destas formações à que o projeto propõe é exatamente a de desfocarmos do sujeito biológico, com suas percas auditivas medidas por decibéis, para o sujeito cultural, com sua história, língua e cultura. Uma vez que visamos uma pedagogia que, além do processo ensino-aprendizagem com vista à prática social, que respeite o sujeito sócio-histórico, inserimos a preocupação inerente a questão lingüística e cultural dos alunos. Uma vez que, como afirma Quadros (2008, apud MACHADO, 2008, p. 14), a pedagogia praticada esquece “que os surdos são surdos, tornando-os invisíveis”, pois desconsidera a questão lingüística e a importância dos pares surdos.

Ancorados no projeto Escola Polo Bilíngue, atualmente está em curso cinco turmas de formação continuada, sendo quatro para professores, dessas, duas são do Curso Básico I e duas do Básico II, com duração de 120h (cento e vinte horas) cada, e um para os familiares, intitulado “Aprendendo e Ensinando LIBRAS em Família”, com carga horária de 80h (oitenta horas), todos presenciais.

A formação “Básico I” tem como objetivo conhecer a identidade cultural, historicidade e fundamentos da educação de surdos, introdução à linguística da LIBRAS, compreender e desenvolver diálogos, formais e informais, em LIBRAS, bem como sua gramática. Na formação “Básico II”, o objetivo é aprofundar nos conhecimentos da LIBRAS e ainda refletir sobre a inclusão dos alunos surdos numa perspectiva ética, sobre os mitos que permeiam a educação dos surdos, quanto à leitura e escrita da língua portuguesa, dentre outras reflexões da questão sócio-culturais e linguística dos sujeitos surdos. Desta forma desfocaliza-se do modelo educacional anterior, centrado, à priori, no professor-ouvinte, pois através do curso o professor desenvolve competência e habilidades linguística que contribui para as adequações didáticas observando as especificidades de seu aluno.

Na formação “Aprendendo e Ensinando LIBRAS em Família”, além do trabalho semelhante ao da formação “Básico I”, objetiva-se também reflexões sobre a vida diária e o desenvolvimento da criança surda.

2.2. ESCOLA POLO BILÍNGUE: O ROMPER DO “MURO DE BERLIM” LINGUÍSTICO

Conforme a história nos conta, o aluno surdo, através do etnocentrismo ouvintista, era “obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte” (SKLIAR, 2005, p. 15). Então, na tentativa de transcender dessa perspectiva ao ensino qualitativo que visa ir ao encontro da proposta de Saviani (1997, p. 74) de promover uma educação pautada na igualdade real, igualdade de acesso ao saber, propomos, e está em andamento, através da Escola Polo Bilíngue, um ambiente linguístico que proporciona o diálogo entre os pares e com o professor. Ambiente este que respeita os interesses, ritmos de aprendizagem e desenvolvimento psicológico do aluno, levando em conta toda a sistematização lógica do conhecimento, através de profissionais intérpretes que viabilizam o mesmo, que é historicamente construído, através da Língua de Sinais.

Atualmente o projeto, além da formação continuada, atende aproximadamente 30 alunos surdos nas escolas Polos, sendo a EMEF Presidente Castelo Branco, da rede municipal, que atende o Ensino Fundamental I, e outra da rede estadual de ensino, que, por sua vez, atende os Ensinos fundamental II e Médio, a EEEFM Bartouvino Costa. Na turma do 2° ano (equivalente à 1ª série) do ensino fundamental, contamos com a presença de três profissionais: o professor regente, que participa da formação continuada, profissional tradutor/intérprete e instrutor de LIBRAS (surdo), sendo o ultimo o referencial linguístico para os alunos. O mesmo ocorre também, mas sem a presença do professor regente ouvinte (não-surdo), pois o professor regente é um surdo, no contra-turno, que atende todas as crianças desde a educação infantil, com oficinas, ensino da Língua Portuguesa como segunda língua (L2), aulas de informática, além da aquisição da LIBRAS, dentre outras atividades.

Nas demais turmas (4° e 5° ano, ensino fundamental I) o atendimento é feito por professores regentes (ouvintes), e intérpretes de LIBRAS. Preferimos chamá-los de professores bilíngues, pois o posicionamento do mesmo, na sala de aula, assemelha-se ao do professor, sendo a sua função conduzir o aluno ao encontro dos conhecimentos científicos, e vice-versa, num ir e vir que se finda com a aquisição, não só assimilação, por parte dos alunos surdos. Nos Ensinos Fundamental II e Médio as aulas são ministradas por professores ouvintes em suas respectivas áreas de conhecimento com a presença de intérpretes de LIBRAS.

Neste curto espaço de tempo (aproximadamente três meses) encontramos situações de descasos, além das inclusões que ocorriam de forma inadequada, como alunos surdos e alunos com múltipla deficiência inseridos numa mesma sala, na 6ª série do ensino fundamental, por exemplo, que não tinha nem professor de apoio nem intérprete de LIBRAS, conforme prevê as legislações vigentes. E ainda uma aluna, em particular, transferida de uma escola regular de surdos do Estado de São Paulo para o município de Linhares, em 2007, aprovada para cursar a 5ª série do ensino fundamental, todavia foi matriculada na 3ª série (4° ano) do ensino fundamental. E, como se não bastasse, reprovaram-na, em 2008, na 4ª série (5° ano), mesmo portando documentos oficiais comprobatórios de suas competências acadêmicas (Histórico Escolar) de 2007. Providenciamos a reparação tão logo constatada tal irregularidade. Além de outras situações de descaso, as quais culpabiliza-se a falta de conhecimento, por parte do docente, e descaso, por parte da rede de educação, de gestões anteriores.

Do início das ações, advindas do projeto, até a presente data, os alunos tem se desenvolvido sócio-cognitivamente em velocidade vertiginosa. Crianças que ainda não tinham língua definida romperam o “muro de Berlin” da incomunicabilidade e mergulharam em um mundo que o situa como integrante e, ainda, levando-o ao encontro de si, do “eu-surdo”, do ser identitário.

Elencamos ainda que, mesmo não estando previsto no projeto, entretanto é um fato considerado enriquecedor para nós, profissionais envolvidos nestas mudanças político-pedagógicas, o atendimento de uma pessoa com surdocegueira, que tem demonstrado interesse em se aprofundar nos conhecimentos e contato com a comunidade surda, fazendo-a voltar ao ambiente escolar após aproximadamente quatro décadas. Tudo isso nos tem proposto desafios e satisfação, por saber que o projeto tem ido além de nossas expectativas e previsões, estando ainda em uma “incubadora” probatória.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo iniciou-se com o objetivo de narrar o movimento político-pedagógico e linguístico que ocorre no município de Linhares, Estado do Espírito Santo, desde o inicio do corrente ano letivo, bem como as fundamentações teóricas e legais, numa perspectiva sócio-histórica e linguística, que estruturaram o projeto “Escola polo Bilíngue: Direito à Igualdade”, que se originou na inquietação dos profissionais idealizadores e articuladores do mesmo, por constatar, em 2006, o descaso em que era tratada a questão da educação dos surdos no município em questão. Descrevendo-o numa perspectiva sócio-histórica, cultural e linguística, na tentativa de compreendê-lo como parte do processo que envolve embates, lutas e conquistas; as diferentes formas em que tratavam os surdos, bem como as demais pessoas com deficiência, no contexto sócio-pedagógico, nos diferentes períodos históricos. Propondo, então, através do projeto supracitado, uma quebra destes paradigmas, compreendendo o surdo como sujeito cultural, possuidor de uma língua natural produzida e recebida por canais diferentes (espaço-visual), a LIBRAS, em detrimento da língua de uso majoritário (oral-auditiva), a Língua Portuguesa, ambas no Brasil. Sendo a primeira eleita como segunda língua oficial do país, que constitui a base para o desenvolvimento sócio-cognitivo do sujeito surdo, o que a segunda não o é, sendo já comprovado pelo processo histórico. Esclareceu-se também que a escola polo não segrega e nem possui formato de escola especial (de acordo com o exposto, pautada na tentativa de correção, normalização do sujeito), ao contrário, uma escola significativa, que reflete a situação sócio-cultural, histórica e linguística do mesmo. Descreveu-se também o acordo firmado entre as Secretarias de Educação, Municipal e Estadual, e o Centro Especializado de Educação Especial (associação Pestalozzi) sendo o mesmo de fundamental importância para a realização das ações propostas no projeto. Tratou também, através das lentes teóricas de Dermeval Saviani, a questão da pedagogia que nega a idiossincrasia do aluno, encaminhado para a formação continuada dos professores e sobre a perspectiva em que a mesma era/é pensada, propondo um novo olhar, o qual não visa o sujeito biológico, mas o sujeito cultural, com sua história, língua e cultura. Defendendo, assim, uma educação que transcende o etnocentrismo ouvintista, a questão da educação especial, para a bilíngue e multicultural; que os discursos sobre a inclusão dos surdos envolvem a aceitação da diferença cultural e linguística, sem, com isso, negar a presença da deficiência sensorial da audição, todavia tendo como foco não a deficiência e como superá-la, mas como se dá a estruturação do conhecimento e do desenvolvimento sócio-cognitivo, e em que base estes são construídos. Apresentou-se também, as demais ações emergidas a partir do projeto “Escola Polo Bilíngue: Direito à Igualdade”, além da formação continuada, detalhando o formato e composição dos docentes nas salas de aulas mistas (surdos e não-surdos), destacando ainda alguns descasos encontrados quanto à inclusão/inserção de alunos surdos. Contou-se também o retorno, após várias décadas, de uma surdocega ao ambiente escolar, o que tem acumulado contentamento e desafios, visto que o tal acontecimento não estava previsto no projeto que fora apresentado. Destacamos que as conquistas das quais nos orgulhamos, por sermos articuladores, não seria possível sem o apoio daqueles que acreditaram e aceitaram o desafio de fazer valer a inclusão, no que se refere às pessoas surdas. Apoiando-nos nesta caminhada, que oportunamente agradecemos: Ana Maria Paraíso Dalvi, Secretária Municipal de Educação, Cácia Scuassante Bolzan, Diretora do Centro Especializado de Educação Especial (associação Pestalozzi), Marcela Rubia Tozato, Coordenadora Municipal de Educação Especial, Geovanete Lopes de Freitas, Técnico Responsável pela Educação Especial (SRE-Linhares), Rita de Cássia Bonela dos Santos, Coordenador Pedagógico (SRE-Linhares), Zilda Maria Fantin Moreira, Superintendente Regional de Educação (SRE-Linhares), Juliana Carara Grazziotti Furtado e Giovanna de Jesus Gomes Drumont, Diretora e Pedagoga, respectivamente, da EMEF Presidente Castelo Branco, Polo Bilíngue de Ensino Fundamental I e, Nancy Costa Penha, Diretora da EEEFM Bartouvino Costa, escola Polo Bilíngue dos Ensinos Fundamental II e Médio, que com certeza fazem/farão parte da história da quebra de paradigma na educação de surdos no município de Linhares. Finalizamos, porém sem concluir, afirmando que se torna impossível falar em LIBRAS sem falar em inclusão de surdos, por razões sócio-históricas já comentadas, e ainda sugerimos que sejam feitas muitas outras pesquisas neste campo, neste novo contexto educacional. Não pretendemos, em nenhum momento, apresentar um projeto pronto e acabado, apenas apresentar um “recém-nascido”.

4. REFERENCIAS

BRASIL. Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> ultimo acesso em: 15/11/08.

______. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. (Equipe da Secretaria de Educação Especial/MEC, Claudia Pereira Dutra ... et al.). 2008.

MACHADO, Paulo Cesar. A Política Educacional de Integração/Inclusão: Um Olhar Sobre o Egresso Surdo. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

SÁ, Nidia Regina Limeira de. Discurso Surdo: A Escuta dos Sinais. In SKLIAR, Carlos (org.). A SURDEZ: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2005, 3. ed.

______. Cultura, poder e educação de surdos. – São Paulo: Paulina, 2006. – (coleção pedagogia e educação).

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: Teoria da Educação, Curvatura da Vara, onze teses sobre Educação e Política. 31. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1997.

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¹ Professor e Intérprete de LIBRAS – PROLIBRAS – MEC/UFSC; Graduando: em LETRAS-LIBRAS – UFSC/UFES; em LETRAS: Língua Portuguesa e suas respectivas Literaturas – UNOPAR; em PEDAGOGIA - FACELI; Vice-presidente da Associação de Profissionais Tradutores/Intérpretes de LIBRAS do Espírito Santo – APILES; Coordenador municipal da Educação de Surdos e dos Cursos de Formação Continuada (Curso Básico de LIBRAS I E II) no município de Linhares; e-mail: ad1000sondias@yahoo.com.br.

² Pós-graduada em Educação Especial Inclusiva; graduada em Pedagogia: Supervisão Escolar, ambas pela UNILINHARES; Graduanda em LETRAS-LIBRAS – UFSC/UFES; professora bilíngue e Tradutora/Intérprete de LIBRAS – PROLIBRAS – MEC/UFSC; e-mail: katiuscia_olmo@hotmail.com.