Ao meu redor... só incoerências
Chego à janela e observo tudo ao meu redor.
Um homem na rua vira uma massa de concreto alheio ao frio da manhã. Enquanto o dono da obra o trata com indiferença, austeridade e desprezo, sem se dar conta que depende daquele homem para construir sua casa, para ele morar com sua jovem esposa.
Uma jovem passa apressada ao som do toc toc do seu sapato, se não a visse saindo de casa, certamente acharia que ela estaria chegando de uma noitada, tamanha era a quantidade de maquiagem no rosto. Seus dezoito anos se transformaram em trinta rapidamente.
Pássaros tentam entoar uma canção alegra, mas os gritos de estudantes pedindo melhorias no ensino os emudecem.
Ao longe ouço o barulho de uma ambulância, mais um acaba de falecer, talvez sem os cuidados, pode ter procurado ajuda e esbarrado em mais uma greve, falta de vagas ou até negligência.
Uma criança brinca na rua sem temer o futuro, se é que o futuro dela não chegue com mais uma bala perdida.
Fecho a janela na busca incessante de me proteger, mas a violência está em todos os lados, na mentira das novelas, nos absurdos da rádio, ou nas ondas da Internet.
O livro é meu consolo, lá posso ler o que eu quero refletir, viajar, sem riscos e sem pesadelos reais. São livros de autores de outras épocas, épocas de clamaria, épocas de cultura valorizada, na qual se aprendia por prazer e não por cumprimento à ordem social.
A noite cai e ao olhar da janela nada mudou, tudo se reafirmou, um carro parado à paira do caminho com um homem baleado, policiais tentam impedir a aproximação de curiosos que questionam se foi assalto, ou puramente execução. Já não importa mais, foi-se mais uma vida.
No outro canto da cidade uma jovem é violentada por vizinhos e namorado, ou seria mais uma a mentir para se proteger das ameaças e tiranias dos pais, que teimam em fingir com falsos moralismos. E nada acontece com quem compartilha desta mentira de estupro, afinal o dinheiro paga e apaga tudo.
Onde está o pai que deixa uma criança de 13 anos ir a festas sozinha, que nem mesmo ele sabe onde é ou quem vai. A mesma criança que não gosta de ser chamada de tal, e sim pré-adolescente, que não quer responsabilidades em casa, quiçá com estudos, que troca os livros por uma badalação, acaba na Internet flagrada em cenas de drogadição e estupro.
O pai indignado pede providências à polícia, e esta nada pode cobrar desse pai, enquanto isso os pais de acusados de estupro, jovens e menores, falam que seus filhos tem mais que sair e se divertirem, os demais que segurem suas cabras em casa, pois o bode dele está solto.
Em um canto da delegacia uma mãe chora, chora o sumiço do seu filho depois que foi abordado por policias, por ele ser negro e humilde o fato não ganha notoriedade nos grandes noticiários.
São apenas cenas da vida, cenas do cotidiano: crimes, preconceito, falsos julgamentos, hipocrisia e realidade.
Mas já é hora de dormir, e quem sabe sonhar com um futuro mais cultural e menos criminal. Talvez nesse futuro as páginas dos livros não tenham mais opção a não ser a realidade de hoje, se ainda insistirem que o maior problema do país são as leis.