DEUS EXISTE?
Os crentes dizem que a ciência jamais provará que Deus não existe. E eles estão certos. É extremamente difícil, se não impossível, provar uma negativa universal. Isso porque a ciência lida com evidências, mas se só tenho evidências do que existe como posso provar que algo não existe? A ausência de provas não é uma prova da ausência, como bem disse Carl Sagan. Posso provar, por exemplo, que não há um dragão de vinte metros no meu quarto, pois se sei que ele tem vinte metros e sei onde ele se encontra, a ausência de evidências prova que ele não está lá, mas como posso saber que ele não existe em nenhum lugar do universo, se não sou capaz de vasculhar-lo por inteiro e, mesmo que o fosse, não seria capaz de fazer isso imediatamente? O que diríamos de um ser bem mais complexo, como Deus, que está protegido por todos os lados pelos Advogados de Deus, armados com seu arsenal de hipóteses “ad hoc”? Deus não tem nenhuma propriedade empírica que possa ser observada (como os vinte metros do dragão hipotético) e parece que mesmo que ele exista, ainda assim seria impossível haver alguma evidência disso, já que além de invisível, também o dizem imaterial. Como os teístas podem acreditar em algo que não pode ser evidenciado? Ou, por outro lado, como os ateus podem não acreditar em algo que eles não podem provar que não existe?
De fato, muitos ateus admitem que não podem provar a inexistência de Deus. No entanto, sua descrença se baseia em três fatores. O primeiro fator é ter conhecimento da impossibilidade prática de se provar uma negativa universal. Assim como não podem provar que não existe, em nenhum ponto do tempo ou do espaço, o Deus judaico-cristão, também não podem provar, assim como os teístas, a inexistência de Rá, Odin, Zeus, Coelho da Páscoa, unicórnios, elfos, etc. Não é somente Javé que possui o privilégio de não ter sua inexistência comprovada. São infinitas as coisas que não podem ser provadas como inexistentes. Diante disso, os ateus recorrem ao segundo fator, o ônus da prova. Assim, como há um número infinito de coisas que não podem ser provadas como não-existentes, é conveniente acreditar somente naquilo que foi provado como existente, através das evidências. Ele não acredita em elfos (embora um ateu possa sim acreditar em elfos sem entrar em contradição, pois ateísmo só diz respeito à crença em deuses) não porque tenha certeza absoluta de que não existem, mas por não ter tido nenhuma prova da sua existência concreta. Desta forma, quem quiser que um ateu acredite em elfos, deverá prová-lo. Não se pode exigir que o ateu prove que não existem elfos, pois não se pode provar uma negativa universal, ou seja, a inexistência. Mas a existência pode ser provada, sendo assim o ônus da prova recai sobre quem a afirma. O mesmo ocorre com os deuses. Não é o ateu quem tem que provar que estes não existem, mas quem os afirma que devem provar que sim. Fosse de outra maneira, deveríamos acreditar em todas as infinitas coisas que não podemos provar como inexistentes.
Não obstante, a esta altura do debate, tanto o teísta quanto o ateus cairiam em uma fatal contradição: se Deus existir realmente, ele não pode ser evidenciado, uma vez que prescinde de qualidades empíricas. Seria absurdo um ateu querer evidência de algo deste gênero. Por outro lado, o teísta acredita cegamente em algo que jamais poderá ser provado. Diante disso, os ateus recorrem ao terceiro fator: o mundo não precisa de Deus. As descobertas das ciências nos últimos séculos dotaram o homem de uma enorme confiança em sua razão e seus métodos como formas eficazes de explicar o universo. Assim, a ciência consegue explicar inúmeros fenômenos sem precisar recorrer a nenhuma entidade de existência ambígua. Explicou o surgimento do homem, da vida e do universo, contrariando as explicações míticas da religião. Antes a religião era a resposta para as perguntas sem respostas, mas cada vez menos os homens tem precisado deste recurso e dado conta dos fenômenos apenas com entes naturais. Com efeito, não há mais espaço para Deus na vida de quem pensa cientificamente. Deus tem sido cada vez menos necessário para explicar a realidade e, para os ateus, é totalmente descartável. Os teístas alegam que a ciência não é capaz de explicar tudo, e sempre vêem seu Deus onde aparecem lacunas no conhecimento científico, assim como faziam os povos primitivos que sempre imputavam às forças divinas a causa de fenômenos que eles não compreendiam. Os ateus têm consciência de que há problemas nas ciências que ainda não foram resolvidos, mas eles não vêem nisso a influência de alguma força sobrenatural. Tem em mente que as ciências já passaram por várias dificuldades como estas e conseguiram resolvê-las sem apelar para deuses. O “Deus das lacunas” dos teístas é constantemente expulso do âmbito científico, mas logo os Advogados de Deus encontram um canto escuro para abrigá-lo novamente.
Estes são três fatores que os ateus praticam às vezes até inconscientemente para basear sua descrença. A enorme maioria pára por aí mesmo, sem tentar provar que não existe nenhum deus, mas sim que ninguém tem motivos bons o bastante para acreditar em algum. Isso acontece porque não estão muito interessados em justificar sua descrença para os outros nem para si mesmos, ou porque estão demasiadamente arraigados no pensamento científico. Como falei no primeiro parágrafo, a ciência não pode provar a absoluta inexistência de algo, mas não quer dizer que a inexistência seja totalmente incomprovável. A inexistência não pode ser comprovada pela ciência, porque esta se baseia em evidências, e como já foi dito, só há evidências do que existe, jamais do que não existe, mas pode ser comprovada pela Lógica. Não é baseado em evidências que eu sei que não existe nenhum triângulo de quatro lados, mas pela lógica. Esta figura é impossível por ser contraditória. Se for um triângulo, não pode ter quatro lados, mas somente três. Um triângulo de quatro lados é uma contradição lógica. Não posso também, pela lógica, provar a inexistência de qualquer coisa que não exista, mas somente aquelas em que há contradições lógicas. Assim, é mais provável que existam dragões que o Deus judaico-cristão, pois este encerra uma contradição lógica, enquanto aquele não, como mostrarei adiante.
Deus não pode existir porque seu conceito é incompatível com o conceito de existência. O que é existir? A palavra “existir” provêm do latim “existere”, que é formada por mais duas outras palavras, “Ex” (que significa “fora” ou “saído”) e “sistere” (que significa “estar”, ou mais precisamente “permanecer”). Assim, conclui-se que “existir” é “estar, ou permanecer fora”. Mas fora de que? Do nosso intelecto, ou seja, aquilo que está só em nossa mente não tem existência concreta, somente abstrata. Portanto, é indevido dizer que algo “existe somente em nossa mente”, ou até mesmo falar em “existência abstrata”, pois existir quer dizer estar fora da mente. Melhor seria dizer que “está somente em nossa mente”¹. Ora o que está fora da mente está em algum lugar, uma vez que “fora” supõe localidade, logo é espacial. Donde posso concluir que tudo que existe tem espacialidade. Isso não se aplica a Deus, pois ele não está no espaço, é extra-espacial. Se existir é estar fora da mente, onde está Deus? Se ele existe, está fora da minha mente, mas ele não é um ser espacial, não está em nenhum lugar do espaço, logo não existe. O silogismo é simples:
Existir é estar fora da mente.
Ora, estar fora da mente é estar no espaço.
Logo, existir é estar no espaço.
Ora, Deus não está no espaço,
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Logo, Deus não existe.
Embora ninguém jamais tenha visto, é aceito que se um dragão existir, estará em algum lugar do espaço, portanto não há contradição na sua possível existência. Também não quer dizer que o que não pode ser visto não esteja no espaço. Embora não possamos ver um vírus a olho nu, ainda podemos detectar onde ele se encontra, é, portanto espacial. Deus não só é invisível, mas também não é espacial. Como foi dito anteriormente, existir é estar fora da mente, estando, portanto, no espaço. Assim, se Deus está fora do espaço, é indevido afirmar sua existência concreta, mas ainda não é possível dizer que ele não é real. Podemos nos perguntar: Pode haver alguma coisa fora do espaço? Perguntar se pode existir algo fora do espaço é insensato, já que existir é estar no espaço, mas não é insensato perguntar se há alguma coisa, no sentido de “ter”, ou “conter”, fora do espaço. Se a reposta for sim, então Deus é real, mas ele não existe, ele simplesmente É. O Ser, seria então a condição de entes que estão fora do espaço, mas que ainda são reais. No entanto, logo esta hipótese é malograda se pensarmos que algo que “está fora do espaço” ainda está no espaço, já que “fora” supõe lugar e lugar supõe “espacialidade”. Se Deus está fora do espaço, ainda está em um lugar, pois “fora” é um lugar. Mas se é assim, onde ele está? Como pode Deus ter criado tudo, inclusive o espaço, se ele já estava em um espaço? Podemos concluir que não há nada fora do espaço, pois fora também é um lugar e espaço, donde conclui-se que, se Deus é real, está no espaço. Mas não poderia ser Deus se estivesse no espaço, pois não teria criado o espaço que o compreende, portanto sua existência é contraditória.
Resumindo:
1. Existir é “estar fora da mente”.
2. Estar fora da mente/existir é estar no espaço.
3. Deus, se está no espaço, não é Deus, pois não teria criado o espaço que o contém.
4. Se estiver no espaço, pode ser detectado e pode ser conhecido.
5. Se não está no espaço, não existe, pois contraria a proposição 2.
6. Estar fora do espaço, ainda é estar no espaço, ou em outro espaço, o que implicaria as proposições 3 e 4.
7. A existência de Deus encerra uma dupla contradição, presentes nas proposições 2 e 3.
O argumento acima mostra que o conceito de Deus e o conceito de existência são contraditórios. Assim como não pode existir um triângulo de quatro lados, não pode existir algo que esteja fora do espaço e, se Deus está no espaço, já não seria Deus, pois não teria criado o espaço em que existe. Sendo mais fiel aos meus princípios e mais intelectualmente honesto, não podemos dizer se há alguma coisa fora de qualquer espaço, porque nossa mente só funciona com espacialidade. Assim, quando pensamos em algo fora do espaço, pensamos imediatamente num outro espaço. Se há alguma coisa a-espacial, não podemos sabê-lo, mas não temos motivos para acreditar que sim, se não for pela imposição arbitrária e indiscriminada, sem que nada sustente esta realidade. E pelo próprio caráter da imposição, não poderíamos discernir a realidade de uma coisa que alegadamente esteja fora do espaço em detrimento de outra. Para isso seria preciso uma exposição, não uma imposição. E a exposição de tal coisa é impossível e inútil.
[1] Nao é incorreto dizer que sentimentos, abstrações, relações e outras coisas do tipo existem, só é indevido. Uma vez que eles não estão fora de mim, não podem existir concretamente, mas por falta de um termo mais adequado é possível dizer que existem sentimentos como amor, ódio, alegria; abstrações como números e relações como grandeza, altura, força. No entanto, estas coisas só "exitem" em nós.