Oração: Ternura e vigor

ORAÇÃO: TERNURA E VIGOR

Mestre, ensina-nos a orar! (Lc 11,1)

Contrariando as evidências da secularização tão patentes em nossos dias e nos acontecimentos mundiais, alguém afirmou que o século XXI seria um tempo de mística e de interiorização. Se formos olhar bem a fundo, é impossível negar uma ponderável dose de verdade nessa assertiva. Se de um lado nos assusta a era da tecnologia, da informática e do pragmatismo, de outro podemos constatar um ressurgimento do homem moderno para o humanismo. E isso se vê a partir dos jovens, que parecem descobrir os valores da espiritualidade, da religião e da oração, cuja ternura e vigor parece lhes dar coragem de se confessarem pessoas de fé.

No entanto, se de um lado constata-se a crescente busca das coisas de Deus por parte da humanidade, de outro, a pressa e o materialismo de muitos revela que a oração deixou de ser um hábito em suas vidas. Creio que cabem algumas perguntas: por que oramos tão pouco hoje em dia? Nossos pais rezavam mais. Pesquisando vamos encontrar algumas respostas, a maioria delas ligadas ao modelo atual de vida, ao pragmatismo, à auto-suficiência, à falta de fé, encoberta por horas diante do computador, da televisão e dos jornais. Há também uma questão ligada ao modelo de vida. Alguns segmentos da mídia e da sociedade dizem que as pessoas modernas, intelectuais ou técnicas não devem perder tempo com as coisas do espírito, pois a informática e as enciclopédias têm respostas mais bem elaboradas.

Com tudo isto, algumas pessoas vão abandonando o costume de orar, perdem referenciais de espiritualidade, esvaziam-se em uma aridez de sentimentos, embrutecendo-se, não-raro. Mesmo observando que em muitos casos o homem moderno volta-se para a mística e para as coisas da religião, ainda é possível notar que muitos parecem distantes dos valores da espiritualidade e da religião.

A oração, e isto poderemos ver no decorrer desta reflexão, se caracteriza como o estabelecimento de uma linha direta de comunicação com Deus. Trata-se daquele canal privilegiado para o ser humano falar com o Criador e – ao mesmo tempo, no silencio – escutá-lo. Trata-se da forma mais autêntica e disponível de comunhão com o Absoluto e com a interioridade. Orar nos coloca nas trilhas do mistério que, por sua vez, nos encaminham à alteridade. Quem ora se torna disponível ao outro.

A partir de nossa caminhada por esta reflexão veremos que a oração não é meta, mas simplesmente o caminho para se chegar a Deus. Não se pode transformar os meios em fim. Muitas vezes as pessoas chegam a confundir a oração com “Deus”. A oração se faz necessária para podermos dialogar com Ele e conhecê-lo melhor. É pelo caminho da oração que se vai chegando à nascente. A oração é o caminho; a meta é Deus. A Doutora da Igreja e Mestra da oração, Santa Teresa de Jesus († 1582), desde sua infância, e depois a partir do Carmelo de Ávila, estabeleceu formas distintas de se comunicar com Deus. Para tanto ela colocou um ideal diante de si: “Quero ver Deus!”. E será essa profunda convicção e desejo que vão orientar toda a sua vida. Ela a tudo renuncia, de tudo se despoja, tudo abandona. Nada que possa ser obstáculo ao seu encontro com Deus terá direito de estar presente em sua vida.

Historicamente podemos contemplar a oração do antigo povo de Israel, nossos antepassados na fé, um sistema de cunho religioso, histórico, mistagógico e antropológico. A essência da oração dos judeus sempre esteve na relação direta com os conhecimentos históricos, louvando Deus que os libertou do cativeiro do Egito. Eles oravam e fundamentavam sua espiritualidade a partir do que aconteceu, do que estava ocorrendo e para que acontecesse alguma coisa (libertação, salvação, bem-estar, proteção, prosperidade, etc.). O conteúdo da oração de Israel era calcado a partir de sua história.

Como gesto de comunhão, a oração tem uma linguagem especial, mística e encarnada, do espírito e da vida. Essa linguagem feita de imagens se adapta perfeitamente à comunicação do mistério. É a forma de comunicação preferida pelo hagiógrafo de Gn 1, o modo de expressão dos profetas e também de Jesus em suas parábolas. Essa linguagem des-vela a verdade, ao mesmo tempo em que re-vela por esse formidável dom de Deus, a fim de ser procurado e encontrado, sem esgotar nunca a riqueza que encerra.

Na teologia hebraica, o ato de dialogar com Yahweh (ouvir a sua voz e responder a ele) constituía o centro da fé. Falar, escutar e obedecer levavam a um conjunto de atitudes que denotavam mudanças interiores com conseqüências exteriores. Para os povos antigos, Deus sempre foi aquele que é capaz de falar com as pessoas (as revelações), dispondo-se a escutá-las (a oração) ensejando uma transformação (a conversão).

A profissão de fé diária dos filhos de Abraão era aberta com o shemá, um convite à abertura, para que o povo escutasse a voz do Senhor: “Ouve (shemá Israel, Elohim Adonai Echad) ó Israel O Senhor Deus é Único.” (Dt 6,4). Isto era para eles uma norma de vida. O judaísmo, desde suas raízes, é essencialmente uma religião de fé, oração e obediência à davar (a Palavra de Deus).

Como sabemos, um dia os discípulos pediram a Jesus que os ensinasse a orar. Por que pediram isto? As escolas rabínicas por acaso não ensinavam as orações ao povo? Simplesmente porque Jesus orava diferente. A oração cristã era impregnada de amor, um pouco diferente da judaica, que era baseada no preceito e na obrigação. Em um determinado momento da caminhada os discípulos sentiram que o modelo tradicional de oração era insuficiente. Eles queriam aumentar a comunhão com Deus.

Na vida das pessoas que têm fé não é difícil encontrar vestígios da presença de Deus. Ele sempre se revela aos que nele crêem e o buscam de todo o coração. O cristão que leva a sério as palavras de Jesus, adora-o e interage com ele, e o ato de conhecer a Deus levará sua vida inteira à experiência do Absoluto, uma reflexão mística que dá seus primeiros passos através da oração. Há os que procuram Deus na meditação, na liturgia ou na leitura orante das Sagradas Escrituras. Essa busca também se caracteriza por uma forma de oração, uma vez que Deus pode ser encontrado aí.

Infelizmente, também se observa casos em que algumas pessoas, apesar de esforços e boa vontade, não conseguem se encontrar com Deus em nenhuma dessas atividades, só encontrando o Pai (Deus) distante ou a Mãe autoritária (a Igreja), mas não o Deus-amor, rico em misericórdia, ou a Igreja-comunidade. São os que não conseguem espiritualizar sua oração, apenas rezando por rezar, repetindo palavras sem interiorizar seu conteúdo.

Orar deve se converter em um hábito para o cristão, uma salutar ocasião para o encontro com Deus. Se orarmos cinco minutos por dia teremos feito, no fim de um ano, trinta horas de preces. É preciso revitalizar sempre essa sintonia. Sabendo que o mundo é uma correria desvairada e exige um ponderável comprometimento do nosso tempo, são necessários momentos de parada, de repouso, de retomada.

Dentro desse espírito, me vem à mente uma historinha que eu sempre uso para abrir os retiros espirituais que tenho pregado por esse Brasil afora. Um homem precisava abater um mato em sua propriedade. Para isto contratou dois lenhadores, indicando uma área de mato para cada um. Da casa ele podia escutar o ininterrupto cair do machado vindo do lado direito. Quando apurava o ouvido para o outro lado, notava que o segundo lenhador trabalhava um pouco e parava; outro pouco e estancava. No fim do dia, contrariando sua expectativa, viu que o lenhador que fazia paradas cortou o dobro de madeira que o outro. Indagado, o trabalhador disse que as pausas eram para descanso dele e para afiar o machado. Deste modo ele conseguia uma produtividade superior.

Assim deve ser a espiritualidade da nossa vida. São tantos os problemas e compromissos, decepções e contrariedades, que é preciso vez que outra dar uma parada para “afiar o machado” e repousar. A oração, a meditação e a contemplação são a melhor forma de entrarmos num descanso ativo, num repouso produtivo e na paz inquieta dos verdadeiros discípulos do Senhor.

Ciente das fraquezas e limitações do ser humano, e de certa incapacidade de comunhão, Jesus ensinou: “Peçam e receberão!” (cf. Lc 11,8). Nas páginas do Antigo Testamento vamos encontrar o rei Davi dizendo que “ninguém que esperou no Senhor foi confundido ou enganado” (Sl 2,1). Isso evidencia a confiança que devemos ter na eficácia da oração e na misericordiosa vontade que o Pai tem de nos atender.

Orei e foi-me dada a prudência. Supliquei e veio a mim o Espírito da Sabedoria (Sb 7,7).

A oração é inegavelmente a chave que abre as portas da espiritualidade. Se for verdade que espiritualidade não é só oração, igualmente é verdade que a relação com Deus tem nas preces e meditações uma ponderável pilastra. Por que se observa a existência de um chamado universal à oração? Porque primeiramente Deus, através da criação, chama do nada todos os seres e ainda porque, mesmo depois da queda, o homem continua a ser capaz de reconhecer o seu Criador, conservando o desejo daquele que o chamou à existência. Todas as religiões e, em especial, toda a história da salvação, testemunham este desejo de Deus por parte do homem, se bem que é sempre Deus que primeiro e incessantemente atrai cada uma das pessoas para o encontro misterioso da oração.

Certo dia os discípulos pediram ao Mestre que os ensinasse a orar. Não que o judaísmo não tivesse suas orações, mas pelo fato de Jesus os haver introduzido em uma outra esfera de espiritualidade, que estava a exigir um contato mais real e íntimo com Deus. Este pedido retrata um desejo, que também deve ser nosso, de cristãos interessados em fortalecer sua espiritualidade: desejo de crescimento, de aprofundamento, de comunicação com Deus. Orar é:

• conversar com Deus

• abrir o coração a ele, como se abre a um pai, à esposa, ao marido ou a um amigo do peito.

• entregar-se

• colocar-se na dependência e sob a vontade de Deus. “sem mim vocês nada podem fazer”(cf. Jo 15,5).

Com isto, podemos concluir que o fundamento da nossa oração é a relação amorosa que desenvolvemos com Deus. Oramos para

• agradecer,

• pedir

• louvar e glorificar

• colocar nas mãos de Deus a nossa angústia, dúvida ou dor

• Pedir (falo em seguida)

Na oração devemos falar, mas também calar e ouvir. É bom pedir:

bens materiais

• saúde,

• proteção

• bem-estar pessoal e familiar,

• harmonia

• capacidade de praticar a justiça

• prosperidade justa

bens espirituais

• perdão dos pecados

• dons (fé, esperança, amor),

• senso de comunidade

• luzes (discernimento)

• salvação.

É salutar a gente não ser repetitivo: o próprio Jesus alertou: “Não pensem vocês que a eficácia da oração está na repetição e multiplicação de palavras”

Mestre, ensina-nos a orar!

Jesus ensinou seus discípulos a orar, não só com a oração do Pai nosso, mas também com a sua própria oração. Assim, para além do conteúdo, ensina-nos as disposições requeridas para uma verdadeira oração: a pureza do coração que procura o Reino e perdoa aos inimigos; a confiança audaz e filial que se estende para além do que sentimos e compreendemos; a vigilância que protege o discípulo da tentação; a oração no Nome de Jesus, nosso Mediador junto do Pai.

As fontes da oração cristã estão nas Palavras de Deus, que nos dão a “sublime ciência de Cristo” (Fl 3,8); a Liturgia da Igreja que anuncia, atualiza e comunica o mistério da salvação; as virtudes teologais; as situações quotidianas, porque nelas podemos encontrar Deus. A fé vem do que se ouve; ela nasce pelo que entra nos nossos ouvidos; ela nasce da escuta (cf. Rm 16,7). Ouvir é a nossa resposta à iniciativa de Deus que bate à porta: é escutar seu chamado, abrir a porta, estar em condições de abrir e conversar com ele... Ouvir é tornar-se disponível. Dou abaixo a importância da oração em nossa vida cristã:

• VIDA

Saber viver é saber orar

(Santo Tomás de Aquino);

• SALVAÇÃO

Quem reza se salva; quem não reza, facilmente se perde

(Santo Afonso de Ligório);

• ALIMENTO

Somos pobres; a oração é o alimento de nossa alma (Santa Teresa);

• PROSPERIDADE

A oração é o caminho normal para se receber os dons de Deus

(São Gregório de Nazianzo);

• DESCANSO

Venham a mim vocês que estão sobrecarregados que eu os aliviarei (Mt 11)

• COMUNICAÇÃO

Sem a oração não existe comunicação com Deus

(São Bernardo)

• VITÓRIA

Sem oração não há vitória!

(São Boaventura);

• FORÇA

Ninguém é mais poderoso do que o homem que reza

(São João Crisóstomo);

• TEMPO

Quando tenho muita coisa para fazer, mais tempo eu consigo para a oração (M. Lutero)

O Catecismo da Igreja Católica (2643-44) discorrendo sobre a espiritualidade fala em “formas essenciais da oração cristã”, que são a bênção, a adoração, a oração de petição, a intercessão, a ação de graças e o louvor. A Eucaristia contém e exprime todas as formas de oração e de espiritualidade . A oração exige de nós

• Aproximação

• Entrega

• Humildade

• Comunhão

• Escuta

Ás vezes, em encontros, cursos e retiros, as pessoas têm me perguntado a diferença entre orantes e “rezadores”. A grande diferença está em querer trocar a qualidade pela quantidade. Quem são os “Orantes”?

• pessoas que fazem da oração sua própria identidade

• estilo de vida (espiritualidade)

• o caminho do bem-estar espiritual-físico,

• equilíbrio emocional.

Por que oramos?

• para não cairmos em tentação (Mt 26,41)

• não para que Deus conheça as nossas necessidades, mas para que nós fiquemos conhecendo a necessidade que temos de recorrer a ele, para receber, oportunamente, os recursos da salvação (Santo Tomás de Aquino).

Mestre, ensina-nos a orar!

Por que as famílias hoje oram menos? A que razões devemos atribuir essa retração? Os mesmos motivos que nos levam a orar menos são os mesmos que destroem as famílias

• MATERIALISMO

• CONSUMISMO

• PRESSA

• INDIFERENÇA

• AUTO-SUFICIÊNCIA

• TELEVISÃO

• FALTA DE SINTONIA ENTRE AS PESSOAS

Como orar?

• MENTALMENTE

• EM VOZ ALTA

• EM FAMÍLIA

• DE JOELHOS

• DE PÉ

• SENTADOS

• DEITADOS

Muitos, para motivar a espiritualidade falam em colocar-se em “espírito de oração”. O que significa esta chamada? Colocar-se em “espírito de oração” o crente precisa esvaziar-se de todas as idéias que o impedem de se concentrar no que vai ser orado. É preciso silêncio, concentração, atenção ao texto ou à meditação, esvaziamento, compatibilização do que é rezado com a nossa vida e, por último, um compromisso do temporal com o espiritual. E vice-versa.

Maria orava, guardando fatos e palavras em seu coração (Lc 2,51).

Nós, católicos, temos mais familiaridade com a oração do que com outras formas de contato com Deus. Estamos mais acostumados com a comunicação vocal e recitação das orações prontas (Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória, etc.) do que com a meditação e a contemplação, por exemplo. A meditação é um passo a frente. Na relação com Deus ela é mais próxima, mais sublime, eficaz e profunda. Vimos no capítulo anterior que, meditar é conversar com Deus a partir do texto da Escritura, responder às interpelações, criando uma atitude de adoração, louvor, agradecimento, perdão. É refletir, “ruminar”, aprofundar, repetir as palavras significativas, e assim aplicar a mensagem hoje. O guardar palavras em seu coração, é a forma de meditação que Maria escolheu para ligar-se a seu Deus. Há tempos li em um antigo acatisto grego um texto sobre a virgem Maria:

Sozinha, colocando-se entre Deus e a raça humana inteira, Maria fez de Deus um filho do homem e transformou os homens em filhos de Deus.

Nossa oração situa-se mais numa comunicação vocal com Deus. Na meditação estabelecemos uma forma de relação mais transcendental, mais próxima, mais sublime, eficaz e profunda. Meditar é falar com Deus e escutá-lo. Dentro da oração, de repente começo a meditar, a falar com Deus: “Senhor, não tinha percebido isso, não compreendo bem...” Assim, começa o diálogo com Deus. Meditação é a oração mais profunda, pois brota do mais íntimo do nosso ser. É o que o texto me faz dizer a Deus. A palavra nos vai esvaziando de nós mesmos e nos enchendo de Deus.

O que é meditar? Trata-se de entregar nossa vida nos braços de Deus. Ela exige uma disponibilidade sem reservas. Se estiver com pressa, com alguma preocupação ou o ambiente não for de absoluta calma, deixe para depois. O evangelho nos informa que muitas vezes Jesus se retirou para orar e meditar na interioridade com o Pai (cf. Mt 14,23; 26,36). No terreno conceitual, vamos encontrar algumas características da meditação cristã:

• é uma das formas de buscar a Deus (CIC 28);

• é uma reflexão espiritual profunda;

• é sobretudo uma busca. O Espírito trata de compreender o por quê e o como da vida cristã, para aderir e responder ao chamado do Senhor;

• a meditação não é uma outra forma de oração, mas o aprofundamento dela;

• meditar, então, é ir adiante: é procurar penetrar no mistério de Deus.

Existem alguns fatores a serem observados por quem deseja entregar-se a uma boa meditação:

• local adequado;

• silêncio;

• tempo (sem pressa e sem olhar no relógio);

• posição confortável do corpo

→ que ajude na concentração;

→ que não canse;

→ que não gere distrações.

Os orientais, mestres de meditação recomendam que se adote uma posição deitada, com os pés elevados, para que haja um maior fluxo de sangue para a cabeça, irrigando o cérebro e energizando as idéias. Como “objetivos da meditação”, temos:

• acalmar a mente, entrando em contato consigo mesmo;

• estabelecer uma sintonia com Deus;

• diminuir a ansiedade, aumentando a sintonia;

• provocar um reabastecimento espiritual;

• esvaziar a mente, dando lugar a Deus.

Na oração do “Terço Bizantino”, por exemplo, clama-se o nome de Jesus por dez vezes, enriquecendo-se o louvor e a petição com intenções particulares, doxologias e ação-de-graças. A meditação serve para organizar nossa mente e nosso espírito. Através dela podemos encontrar nosso eu-interior. A partir dessa consciência maior de nós mesmos é possível mudar o rumo muitas vezes inadequado de nossas vidas, aprendendo a viver em paz e superando os sofrimentos naturais da existência humana.

Já disse Santa Teresa de Ávila, uma das maiores místicas católicas, que a mente humana é como uma carruagem puxada por inúmeros e fogosos corcéis. Cada um correndo para um lado. A meditação procura ordenar esses corcéis, levando-os a galopar harmoniosamente, em uma só direção. Nossa mente é povoada de pensamentos que em geral nos levam para o passado ou para o futuro. Dificilmente ficam alertas ao presente.

Às vezes, quando se fala sobre meditação a alguns auditórios, surge logo a questão: como meditar? Tem pessoas que entendem que rezar muito é fazer meditação. Outras julgam que ler a Bíblia resume o ato de meditar. Como estamos vendo neste tópico, refletir e meditar é bem mais que isto. Refletir é uma evolução do ato de pensar. Se essa reflexão tem um cunho místico, como um aprofundamento da oração, então ela se torna uma meditação. Nesse particular, a meditação pode ser feita de diversos modos:

• através da reflexão das Sagradas Escrituras (textos escolhidos, evangelhos, salmos, epístolas);

• diante do sacrário, em atitude de adoração;

• pela leitura ou oitiva de textos, homilias ou reflexões espirituais de Santos, Doutores, Mestres e Autores cristãos.

A meditação também pode ser feita pela contemplação dos “sinais dos tempos”, que nada mais são que a leitura do livro da vida: a natureza e os fatos do cotidiano. Em tudo há sinais capazes de inspirar a nossa meditação. A fruição dos valores do Reino exige constância, disponibilidade de espírito, vigilância e atitude cristã (essência da espiritualidade). Esse conjunto de bens espirituais traz alegria interior, confiança e ternura de coração. A maior parte (ou a totalidade) de nossos bens e alegrias não são nossos, mas vêm de Deus. Em São João da Cruz († 1591), o grande místico espanhol, encontramos uma preciosidade espiritual sobre a comunhão com Deus que resulta da oração e da meditação de quem crê:

Oh! Quão ditosa é a alma que sente sempre Deus descansando e repousando em seu seio! Deus está ali habitualmente, como se descansasse num abraço com a esposa, na substância de sua alma, e ela o sente muito bem e o goza constantemente. Ele a absorve profundamente no Espírito Santo, enamorando-se dela com perfeição e delicadeza divina (In: Chama de amor viva. Canção 4.15).

Em muitas oportunidades, sem saber a quem nem como recorrer, algumas pessoas vivem em fuga, uma verdadeira alienação, que as leva a pensar que suas devoções se tratam de uma sã espiritualidade. Nessa fuga (de Deus, de si mesmo e da alteridade) perdem a consciência de sua real identidade cristã, esquecendo-se do sentido e da finalidade de suas existências. Perdem-se em funções sociais, burocráticas e vazias (às vezes até dentro da Igreja) e deixam de ter consciência de si mesmas e de seu verdadeiro compromisso. Tais pessoas se deixam anestesiar, pelo fazer-por-fazer da liturgia, do “movimento eclesial”, do ministério, do “grupo de oração”. Essa aridez de quem não ora e não medita a Palavra, é responsável, muitas vezes, pelo esvaziamento da fé.

Por isso, se a alma deseja avançar na perfeição, deve considerar bem em que mãos se entrega, pois, conforme o mestre, assim será o discípulo; conforme o pai assim será o filho. Se o mestre espiritual não tem experiência de vida espiritual, é incapaz de nela conduzir as almas que Deus chama, e nem sequer as compreenderá (Santo Afonso de Ligório).

Para corrigir estas distorções, o Espírito Santo dá a certos fiéis graças atuais, dons como sabedoria, fé, discernimento, fortaleza e entendimento, todos ordenados ao bem-comum. Aqueles que recebem e frutificam esses dons colocam em prática os preceitos da oração cristã. Ao contrário, alguns “líderes religiosos” que ensinam quase tudo sobre a atividade orante e esquecem de unir a mística à prática, a ad-oração à solidariedade, prestam um serviço incompleto, pois lhes falta compatibilizar as luzes do céu com as dores da terra. E isto, não-raro, produz certa alienação, uma falsa sensação de dever-cumprido, uma ilusão de céu-na-terra. Aos interessados informa-se que existem vários modos de se meditar, a saber:

• a oração – se aprofundada – pode se transformar em meditação;

• a meditação bíblica;

• o Rosário: a meditação sobre os mistérios da salvação;

• a meditação contemplativa (diante do sacrário);

• a meditação estática (a contemplação).

Meditar o que se lê (Escrituras e escritos espirituais) conduz a uma vigorosa comparação: “Minha vida está de acordo com os textos que li? O que falta? Antes de meditar, o homem, como o cego da parábola, pede: “Senhor, eu quero enxergar!”. Depois, iluminado pelo Espírito ele pergunta: “Senhor, que devo fazer para obter o Reino?” ou “Que queres que eu faça?”.

Nós, ocidentais somos pouco afeitos à meditação. Muitos ignoram que meditar, além do contato com o Absoluto, traz uma ponderável paz de espírito e produz um esvaziamento das coisas ruins, exerce uma abertura diante de Deus, faz-nos refletir a vida e assumir novos propósitos. Hoje, as grandes empresas do Primeiro Mundo executam sessões de meditação com seus executivos, para organizar os pensamentos, estabelecer objetivos, rever os fracassos e consolidar processos de vida. Nesse esforço, os grandes místicos, especialistas em meditação comparam esta forma avançada de ler a Palavra em gesto de oração com o ato da alimentação:

1. Leve à boca

Comece a ler invocando as luzes do Espírito Santo; sinta seu perfume;

2. Mastigue

Tire um pensamento do texto e destaque um modelo (moral, de consolo, lição de vida, esperança);

3. Rumine

Torne a mastigar; repita várias vezes o mastigue do item anterior; com a fé aclare o texto que você leu;

4. Engula

Ao concluir a oração, esteja certo (dons da fé e da esperança) que Deus o ouviu e que você o escutou também;

5. Assimile

Adquira a certeza de que seu coração está em sintonia com Deus.

Para completar esse roteiro de meditação, use um canto adequado e finalize com uma grande ação-de-graças.

Por fim, no terreno prático, este autor toma a liberdade de colocar um modesto esquema, dividido em três estágios, na esperança de que o mesmo ajude os leitores a desenvolverem o exercício piedoso da meditação:

1º. Estágio

• oferecer-se, tornar-se disponível;

• colocar-se na presença de Deus;

• fazer uma “leitura espiritual” de algum trecho bíblico ou de algum autor cristão credenciado;

• agradecer a Deus por sua presença constante.

2º. Estágio

• orar ao Espírito pedindo os dons que propiciam o contato com o coração de Deus;

• refletir a “leitura espiritual”;

• meditar sobre a leitura: falar com Deus e escutá-lo.

3º. Estágio

• completar a reflexão;

• pedir (primeiro pelos outros e depois por nós mesmos);

• meditar sobre a generosidade, louvando-o;

• agradecer o atendimento de nossas preces.

Contemplarão Sua Face,

e o Nome do Altíssimo estará sobre suas frontes.

Apocalipse 22,4

Contemplação é o ato de mergulhar no mistério de Deus, ver a realidade com os olhos de Deus, saborear Deus. Observar e avaliar a vida, os fatos, os pobres, a situação do povo, com um novo olhar. As luzes do Espírito Santo ajudam o crente a contemplar as obras de Deus e a adorá-lo. A oração que parte do texto tende a tornar-se contemplação. Na contemplação não tem perguntas, nem respostas, mas um “ficar olhando para Deus”. É estar, tranqüilamente, na presença de Deus. Na eternidade será assim, por isso é bom começar já.

O verbete contemplação pode ser decomposto em com-templ-ação, o que nos dá uma idéia de estarmos em um templo (a presença do Senhor) prontos para nos colocar em atividade em prol de sua causa. No latim, o verbo contemplare indicava a ação de “olhar para um templo”, ou “admirar uma coisa sagrada”. Nesse aspecto, os gregos usam a expressão theoria (o verbo é theorêo, ) para caracterizar a contemplação, como o ato puro de “ver a Deus”.

No ato de contemplar, nosso coração volta-se integralmente para Deus, enviando a ele nossos clamores. É sabido que Deus se move pelo clamor de seus servos. Ele enxerga a angústia, mas quer que o fiel peça (na fé) a graça desejada. Quando se apresenta a Moisés, no episódio da “sarça ardente”, o Senhor diz:

Eu vi o sofrimento do meu povo, escutei seus clamores e resolvi descer para libertá-lo (cf. Ex 3,7-10)

Na complexidade da oração que se transforma em contemplação, o clamor se torna uma atitude inerente àquele que tem fé e deposita no Senhor todas as suas esperanças. Não é possível compreender a contemplação sem o clamor ao Deus da vida. No passado, diante dos perigos da morte e das tentações, o salmista pediu que Deus o ouvisse, e que seus clamores chegassem a ele:

Et clamor meus ad te veniat (Sl 17,1).

A contemplação ajuda a compreender os critérios de Deus, seus desígnios amorosos no trato com os homens. Na contemplação a gente vai pensar como Deus pensa; vai interpretar tudo segundo o seu pensamento. A contemplação produz frutos: paz, alegria, serenidade, consolação, alegria interior, gosto pelas coisas de Deus; gosto de Deus por ele ser nosso Pai, discernimento, capacidade interior de perceber onde age o Espírito de Deus e onde atua o espírito do mal.

O ato de contemplar a face de Deus é visto como a mais alta expressão da espiritualidade humana. Ela surge como a própria vida do espírito, plenamente despertada, ativa e consciente. Trata-se daquele temor espontâneo, reverencial e respeitoso diante do Sagrado. É um ato de gratidão a Deus por tantos dons, a partir da vida. Agradecemos pelo universo e pelo convívio com as outras pessoas, enaltecendo a vida, o amor e a esperança.

Existe a história daquele camponês francês que ficava horas e horas sentado na igreja. Quando o cura d’Ars perguntou-lhe o que fazia, ele respondeu que olhava para Deus e Deus olhava para ele, e isto era o bastante. Este camponês entendeu que o verdadeiro encontro com Deus está no olhar, no contemplar. Quando duas pessoas se amam, este amor se manifesta essencialmente através do olhar. O ato de contemplar também há de constituir a perfeição e o acabamento da nossa vida. A teologia nos diz que a vida eterna não é mais um ouvir a palavra, mas um contemplar.

Na contemplação o crente esvazia-se de seus pensamentos fúteis, preocupações e paixões, tornando-se um-com-Deus. Quem adquire essa característica da mística não vai ver Deus como algo intangível, mas como o Absoluto, pois verá Deus em tudo. Nosso contemplar aqui é uma antecipação da perfeição, um pré-sentir a eterna contemplação de Deus. Só na eternidade haveremos de contemplar a Deus como ele verdadeiramente é.

O ato de contemplar a face de Deus está ligado à visão de uma luz interior. Deus brilha na alma humana como um espelho. Nesta atitude de oração o ser humano reconhece “como sua atitude é semelhante a uma safira que brilha, clara e luminosa, no céu”.

Contemplar a face de Deus, seja em uma atitude mística ou em uma visão de adoração real diante de Jesus Sacramentado, nos leva a mergulhar no mistério divino infinito. No decorrer da história o conceito de vida contemplativa foi freqüentemente associado, e com certa razão, ao de vida de oração. Embora, até por uma questão de carisma, a contemplação seja uma característica mais dos religiosos, monges e recoletos, ela também é desenvolvida, em muitos casos, por leigos, pais e mães de família, e também jovens. É indispensável que se adote a contemplação como um plus à nossa oração.

Nos santos e nos grandes místicos da Igreja temos as lições para a nossa espiritualidade. Orar, para Santo Antônio de Pádua († 1231), por exemplo, era contemplar a Deus, penetrando no mistério do Verbo encarnado e revelado, até onde fosse possível. Para os mestres franciscanos (e capuchinhos) não cessa de orar e contemplar quem não cessa de se colocar a serviço do outro, de sua própria salvação e de Deus. Agir bem, como sinal de comunhão com Deus, é a forma mais vigorosa de orar. A melhor oração é amar. Enfim, contemplação

• É uma intuição que, em seu nível inferior, transcende os sentidos. No nível superior transcende o próprio intelecto;

• Caracteriza-se por uma espécie de luz-nas-trevas, de conhecimento no desconhecimento;

• É uma obra de amor, e o contemplativo prova que ama, deixando todas as coisas, para mergulhar no vazio, no desprendimento e na noite. O fator decisivo da contemplação é a compreensão da imprevisível ação de Deus;

Esse conhecimento de Deus, no desconhecimento, não é intelectual, nem mesmo no sentido estrito, afetivo. Trata-se de um trabalho de união interior e de uma absoluta adesão ao amor divino. Nesse incrível contato com Deus, que se processa na obscuridade apenas iluminada pela fé e pelo amor, ocorre uma afinidade amorosa de ambas as partes. Do lado humano, ocorre o desapego das coisas materiais e sensíveis. Trata-se de um esforço generoso de renúncia ascética de si mesmo. É Jesus e o Espírito que dão ternura e vigor para a vida contemplativa.

Para desenvolver uma “leitura orante” da Bíblia é preciso ler a Escritura em espírito de oração, pois a Palavra de Deus é luz para meu caminho (Sl 118,105) A leitura orante da Bíblia, portanto, torna-se um meio, um instrumento para aprofundar o que Deus quer da minha vida dia após dia, é um exercício que me ajuda, aos poucos, a interiorizar as mesmas atitudes e comportamentos que foram do próprio Jesus, que obedeceu ao Pai até o último momento da sua existência. Em outra oportunidade, dependendo de nossa disponibilidade, vou falar especificamente em “Leitura orante da Bíblia”.

O texto a se refletir ou meditar pode ser o Evangelho ou a leitura do dia, ou qualquer leitura da Bíblia que relate uma vocação, um chamado a partir de Abraão, os profetas, até chegar ao Novo Testamento, com a vocação de Maria, os apóstolos etc.

Em encontros, retiros e “oficinas de oração” já me perguntaram como é possível, sendo nós tão pecadores, nos aproximarmos do Pai, orando a ele? Podemos ousar somente porque Jesus, nosso Redentor, nos apresenta diante do Rosto do Pai, e o seu Espírito faz de nós filhos adotivos dele. Podemos assim orar o Pai Nosso com uma confiança simples e filial, com uma alegre segurança e uma audácia humilde, com a certeza de sermos amados e atendidos.

Uma vez que o Espírito Santo é o Mestre interior da oração cristã e “nós não sabemos o que devemos pedir” (cf. Rm 8,26), a Igreja exorta-nos a invocá-lo e a implorar sua presença em todas as ocasiões: “Vinde Espírito Santo!”. Para completar, temos algumas dicas finais:

• Orem sem cessar (1Ts 5,17)

• Se alguém dentre vocês sofre um contratempo, recorra à oração (Tg 5,13)

• Como são preciosas as vossas orações diante dos olhos de Deus (Santo Afonso)

• Quem não pede não recebe (Santa Teresa de Jesus)

• Peçam e receberão (Jesus Cristo)

Sobre oração, como sintonia perfeita com Deus, há um pedido de São João Maria Vianney, patrono dos presbíteros e de todos orantes que sintetiza o desejo de comunhão da alma humana:

Eu vos amo Senhor, e a única graça que vos peço é a de vos amar eternamente. Meu Deus, se a minha língua não pode repetir, a todo o momento, que vos amo, quero que o meu coração o repita tantas vezes quantas eu respiro.

A finalidade desta reflexão é ajudar os ouvintes e leitores cristãos a se colocarem em marcha na direção do Reino, da casa do Pai, animados pelos sacramentos, confortados pela Igreja, iluminados pelo Espírito Santo e ajudados pela oração que, como veremos, tem ternura e também muito vigor. O passo seguinte será desenvolver uma forma adequada para uma “leitura orante” da Bíblia.

O autor é teólogo leigo, biblista e doutor em Teologia Moral.

Este texto faz parte de um retiro que Mesquita pregou a um grupo de religiosas em março de 2009, no interior do Rio Grande do Sul