O TRONCO, A CHIBATA E A FORQUILHA

Frequentes notícias nos informam sobre a libertação de cidadãos brasileiros submetidos a condições semelhantes ao clássico trabalho escravo. Algumas estatísticas afirmam que no Brasil ainda existem cerca de 25.000 trabalhadores escravizados nos cafundós deste imenso país. Nestas referências ao trabalho escravo toma-se como parâmetro a escravidão abolida pela “lei áurea”, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888. Penso que nossas análises do trabalho escravo de hoje devem ampliar-se, incluindo um novo tipo de escravidão, que não encontramos apenas nas fazendas amazônicas, ou nos canaviais. É a escravidão velada imposta a profissionais, subjugados pela necessidade de sobrevivência, submetendo-se a condições de trabalho sem liberdade e a salários que não lhes permitem uma vida digna. E tais trabalhadores cruzam conosco, e convivem conosco, todos os dias. E estes trabalhadores não são apenas os trabalhadores desqualificados e analfabetos, abundantes em nosso país. Mas, muitíssimas vezes, estes novos escravos são profissionais que ralam ou ralaram durante anos em nossas universidades. Entre eles encontramos trabalhadores estagiários, terceirizados, temporários, profissionais da educação com licenciaturas, que correm por diversos colégios e faculdades, gastando sola de sapato, para darem suas aulas, sem acesso a um tratamento de saúde adequado, a uma habitação digna e com segurança, a um transporte respeitoso, a uma alimentação saudável e confiável. Trabalhadores, muitas vezes, desrespeitados em seu ambiente de trabalho. E em tais condições de trabalho desumano, que não atende as condições mínimas de um trabalho gratificante, que dê a estes trabalhadores uma vida digna com liberdade, permitindo-lhes uma sustentabilidade sem constrangimentos, as empresas argumentam com a Lei e métodos administrativos. E aí aparece a figura do setor de Recursos Humanos da empresa. E neste setor de Recursos Humanos encontramos o/a responsável pela contratação e pelo acompanhamento dos trabalhadores. Se a empresa tem o cuidado pelo bem-estar de seus trabalhadores, os Recursos Humanos se tornam mediadores de um ambiente de trabalho saudável, de amor à vida e de alegria, e de respeito pela pessoa do trabalhador (isto é difícil existir em nossas empresas frias do sistema capitalista!). Por isto, o que vemos, predominantemente, nas empresas nas quais trabalhamos é uma enorme falta de sensibilidade para com o mundo de vida do trabalhador. E aquilo que se chama “recursos humanos” não passa da “feitoria” do tempo da escravidão. E o/a gerente dos “Recursos Humanos” ocupa o lugar do Feitor no regime escravocrata. É ele/a que lembra ao trabalhador (escravo!), de acordo com a Lei, a possibilidade do tronco, da chibata e da forquilha. Não é o tronco físico, a exemplo daquele tronco original que ainda encontramos na praça da igreja em Alcântara, no Maranhão, nem a chibata com tiras de couro cru, nem as forquilhas, das quais existem abundantes exemplares nos museus do Brasil. Mas, em vez de teorizar, melhor explico com um exemplo o que entendo como tronco, chibata e forquilha no ambiente de trabalho dos nossos dias. O caso: aqui no Recife existe um educandário, um colégio de grande porte, em que, muitas vezes, se vê funcionários, mesmo de nível superior, saindo do gabinete de Recursos Humanos chorando. Talvez a Direção desta Instituição nem saiba isto, e os funcionários não tenham coragem de denunciar este fato. Pois a gerente de Recursos humanos, que assume uma postura de todo-poderosa, freqüentes vezes, chama funcionários para lhes lembrar o seu “ lugar na senzala”. Lhes lembra o poder de demiti-los a qualquer hora; os humilha; apenas ouve a versão de um lado; intromete-se na vida particular das pessoas; quando um funcionário fica doente, telefona ao médico que o atendeu para saber detalhes da doença que gerou o atestado para a dispensa do trabalho ( o impressionante é que existam médicos, sem ética profissional, que detalham a doença destes funcionários). E estes detalhes são tornados públicos pelo “Recursos Humanos” no ambiente de trabalho. É o “tronco” e a “chibata” psicológica da humilhação em praça pública; é o amedrontamento da “forquilha” pela ameaça da perda de emprego; do conformismo sofrido em seu “lugar na senzala”. E se este trabalhador/escravo demonstra uma consciência crítica, a humilhação se torna mais refinada, e o “feitor”, em seu ar de superioridade, dá até sinais de orgasmo de satisfação por ter lembrado ao funcionário de que, certamente, se for demitido, o dinheiro de seu salário fará falta em sua casa.

Para finalizar, relatei apenas um exemplo onde se usa os instrumentos da escravidão de uma forma nova. Mas isto acontece em grande parte do mundo do trabalho em nosso país, em que o “tronco” representa a humilhação de um trabalho que não permite uma sobrevivência digna ao trabalhador; a “chibata”, o sofrimento em não ser compensado dignamente com um salário justo; e a “forquilha”, a ameaça constante de desemprego. Penso que, especialmente, instituições educativas, deveriam ser críticas, e evitar que seus funcionários sejam constrangidos e humilhados como nos tempos clássicos da escravidão. Fujamos desta escravidão aviltante praticada pelo capitalismo selvagem!