Músicas Proféticas
Há profetas e exegetas. Estes interpretam profecias, relacionando-as a fatos póstumos àqueles. Isaac Newton, p. ex., ao assinalar o ano 2060 como marco provável do apocalipse, a partir de seus estudos do livro do profeta Daniel, agiu como exegeta. Há alguns dias, meti-me também num exercício de exegese com as letras do Engenheiros do Hawaii. Explico: agi como exegeta, só que o livro-texto usado foram as letras de Humberto Gessinger, em vez da Bíblia, associadas a fatos posteriores às mesmas.
Assim, separei a seguinte passagem de Terra de Gigantes: "A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes". Algum tempo atrás, todos nós vimos essa afirmação tornar-se realidade: uma famosa banda de rock nacional posou de garoto-propaganda de uma conhecida marca de refrigerantes. Coincidência ou predição? O leitor que o diga; mas, antes de emitir sua opinião, veja essa outra: na música Tribos e Tribunais, o binômio "presidente e operário" contido na letra não poderia passar despercebido de quem presenciou a subida à Presidência do operário Luís Inácio Lula da Silva.
Surpreso, leitor!? Pois em outra canção Gessinger previu... desculpe a palavra; melhor dizendo, Gessinger parece ter acenado sobre como seria a política do atual Governo. Sim, porque, na época da campanha eleitoral foi aquele fuzuê sobre como seria o governo Lula (primeiro mandato): rompimento de contrato com o FMI, apoio desmedido ao MST, reestatização das empresas privatizadas etc. Mas o que se vê hoje, com mais de quatro anos de governo Lula, é uma "esquerda light" (música Canibal Vegetariano Devora Planta Carnívora).
Escrever "músicas proféticas", porém, não é privilégio de Humberto Gessinger. O saudoso Maluco Beleza anteviu a era das privatizações com a música Aluga-se: “a solução pro nosso povo eu vou dar... a solução é alugar o Brasil... vamo dá lugar pros gringo entrar, pois esse imóvel tá pra alugar.”
Na música As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor (de 1974), ele diz: “Quando eu compus Ouro de Tolo/ Uns imbecis me chamaram de profeta do apocalipse/ Mas eles só vão entender o que eu falei/ No esperado dia do eclipse”. Segundo Sylvio Passos, citado por Luciane Alves (in Raul Seixas – o sonho da sociedade alternativa. São Paulo: Martin Claret. p. 135), Raul morreu (em 1989) na semana em que estava acontecendo um eclipse lunar que só acontece de 100 em 100 anos.
Por último, essa pérola do RPM (música Revoluções Por Minuto): “fulano se atirou da ponte aérea, não agüentou fila de espera”. A gente lembra logo do caos nos aeroportos, naquilo que se convencionou chamar apagão aéreo.
Talvez o leitor esteja a se questionar sobre a coincidência ou não nesses episódios. E talvez se lembre da conhecida (e batida) citação shakesperiana: "existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia". Mas um novo questionamento se faz necessário: onde termina o profeta e começa o exegeta? Ou: quantos profetas os exegetas forjaram? Não fossem os exegetas, existiriam profecias?