0 QUE É O ESTADO DE MAL EPILÉPTICO? COMO TRATÁ-LO
0 QUE É O ESTADO DE MAL EPILÉPTICO? COMO TRATÁ-LO.
O termo status epilépticus é usado, quando as convulsões persistem ou se repetem de modo a constituir uma condição definida e estável por horas ou dias.
O conceito, não bem delimitado, de estado de mal epiléptico (EME), se refere a, duração das convulsões, aos distúrbios clínicos associados e ao prognóstico. Com relação à duração, as convulsões no EME se prolongam por 30 minutos pelo menos, podendo durar horas ou dias. Entretanto, nem toda crise que perdure 1/2 hora – ou mesmo mais implica em EME. Disfunções neurovegetativas sérias, associadas ao EME, conferem ao quadro clínico gravidade peculiar, sendo mais comuns no EME tipo grande mal.
O EME ocorre, em qualquer idade, quer em paciente com antecedentes neuropatológicos, quer como primeira manifestação de afecção encefálica, Pacientes com epilepsia adquirida estão mais sujeitos a esta complicação do que aqueles do grupo idiopático. Independentemente do agente desencadeante, as lesões localizadas nas áreas anteriores dos hemisférios cerebrais são mais propensas a se associarem com EME do que aquelas situadas posteriormente.
Abaixo alguns dos múltiplos fatores, possiveis causadores do EME.
I – Retirada abrupta de anticonvulsivante.
II – Afecções agudas:
a. Meningencefalites.
b. Hematoma subdural.
c. Empiema subdural.
d. Trauma craniano.
e. Vasculopatias (infarto, hemorragia).
f. Hipertensão intracraniana.
g.Distúbios metabólicos (anoxia, hipoglicemia, hipocalcemia, hipernatremia, hiponatremia, eclampsia).
h. Tóxicos.
i. Hipertermia (infecção extracraniana).
III – Afecções crônicas:
a. Epilepsia.
b. Pós-traumática.
c.Neurolues.
d. Neurocisticercose.
e. Doenças degenerativas.
f. Tumor intracraniano.
Dentre os vários fatores etiológicos do EME, alguns são mais comuns em determinados grupos etários. Assim, no recém-nascido, a anóxia, a hemorragia intracraniana e as infecções agudas são as causas mais importantes. Na criança maior, predominam as infecções agudas e a hipertermia. No adulto, sobressaem-se os traumatismos cranianos, neoplasias, lesões vasculares e agentes tóxicos. Outro fator importante, em qualquer grupo etário, é a suspensão abrupta de anticonvulsivantes. Há ainda um razoável número de casos, nos quais não se consegue reconhecer qualquer agente causal.
1. QUADRO CLÍNICO
De acordo com o tipo clínico das crises convulsivas, o EME pode ser classificado em: estado de mal, tipo grande mal tônico-clônico, estado de mal tônico, estado de mal clônico, estado de mal mioclônico, estado de mal de pequeno mal ou estado de ausência, hemiclônico, estado de mal focalou parciais.
• O EME tipo grande mal ou EME tônico-clônico
É o mais comumente encontrado em adultos. Constitui-se de crises generalizadas ou focais que se generalizam imediatamente e que duram de um a três minutos. Repetem-se de uma a cinco vezes por hora e o quadro todo persiste por várias horas ou dias. No período intercrítico, o paciente permanece em coma, de grau variável, porém progressivo e com hipertermia de difícil controle. Observando-se, habitualmente, taquicardia e elevação da pressão arterial. Pode haver arritmia respiratória, acúmulo de saliva na orofaringe e hipersecreção traqueo-brônquica que dificultam a ventilação. Ao exame neurológico, é freqüente a observação de hipertonia muscular, sinal de BABINSKI bilateral, midríase e, ocasionalmente, sinais deficitários focais. Os exames laboratoriais traduzem as graves anormalidades metabólicas que acompanham as convulsões. Assim, encontram-se alterados o sódio, potássio, uréia, glicose e pH sangüíneos. Do ponto de vista eletrencefalográfico, o EME tipo grande mal se traduz por série de eventos elétricos generalizados, de distribuição bilateral, síncrona e simétrica. Inicialmente, evidenciam-se depressão e uma aceleração progressiva do ritmo de base, seguidas durante a fase tônica, por rítmo de ondas negativas de freqüência aproximada de 10 ciclos e de amplitude progressivamente crescente (ritmo epiléptico recrutante). A seguir, durante a fase clônica, observa-se uma interrupção do ritmo recrutante por ondas lentas. Ao fim das descargas críticas, estabelece-se um verdadeiro silêncio elétrico.
• O EME tônico
Encontrado em crianças e em pacientes com encefalopatias crônicas, e caracterizado por crises tônicas axiais, axorizomélicas ou globais, Ocorrem na freqiiência de 4 a 20 crises par hora. Por vezes, se contrações tônicas são pouco evidentes, porém acompanhadas de disfunção cárdio-respiratória grave, que pode levar o óbito.
O aspecto eletrencefalográfico deste EME é variável, podendo ocorrer uma dessincronização que persiste durante todo o espasmo ou, ainda, se traduzir por um ritmo rápido de freqüência aproximada de 20 ciclos e, finalmente, manifestar-se por um ritmo epiléptico recrutante de 10 ciclos, idêntico ao observado na fase tônica da crise GM. Os dois últimos tipos são comumente seguidos, ao fim do espasmo,por ondas lentas pós-criticas.
• O EME clônico
Também próprio de criança, e freqüentemente desencadeado por hipertermia. É caracterizado por abalos musculares bilaterais, assimétricos, coma e, ainda, por distúrbios neurovegetativos discretos. O prognóstico e relativamente bom.
• O estado mioclônico
Mais raro, é encontrado em crianças com formas variadas de epilepsia, em casos de encefalopatias progressivas ou associado a hipóxia grave (parada cardíaca). Caracteriza-se por contrações musculares bruscas (mioclônicas) isoladas ou em sucessão e sem ritmo. A consciência está alterada, na dependência da doença básica.
• O estado de mal de pequeno mal ou estado de ausência
É de diagnóstico difícil e denominado clinicamente por distúrbios da consciência. Pode ocorrer desde ligeira obnubilação, que pouco modifica o comportamentonto habitual do paciente, até coma superficial. Se não houver conhecimento prévio da condição epiléptica (PM), o diagnóstico de EME pode não ser suspeitado. Acompanhando a alteração de consciência, podem ocorrer mioclônias focais ou difusas e, eventualmente, outros tipos de convulsões, como crises tônicas axiais ou crises tipo G.M. O estado de ausência pode durar desde horas até semanas e o diagnóstico é confirmado pelo eletrencefalograma. Neste, evidencia-se uma atividade epiléptica contínua, bilateral, síncrona e simétrica. Tal atividade é representada por complexos ponta-ondas lentas e freqüência de 1 a 3 ciclos, contínuos ou fragmentados em surtos. Entre os surtos de complexos ponta-ondas, o ritmo de base pode ser normal ou lento, formado por ondas delta ou teta.
• O estado de mal hemiclônico
Bastante comum, é observado, em geral, em crianças, sendo menos comum em adultos. As crises iniciam-se em um segmento e rápidamente se tornam dimidiadas. A consciência, na maioria das vezes, não é comprometida. Hemiparesia ou hemiplegia, com sinal de BABISKI, é praticamente constante, podendo tornar-se seqüela permanente. Freqüentemente, observam-se descargas de ondas lentas de 2 a 3 ciclos bilaterais e síncronas, mais amplas no hemicrânio oposto às convulsões, onde são mescladas por ritmo recrutante de freqüência aproximada de 10 ciclos. De tempos em tempos, esta descarga crítica se interrompe, evidenciando silêncio elétrico nas projeções do hemicrânio.
• Os estados de mal focais ou parciais
Incluem aqueles com crises focais localizadas em um segmento ou em todo um hemicorpo. Estas crises podem generalizar-se secundariamente. Outro tipo de EME parcial é o da epilepsia temporal, caracterizado por distúrbios do comportamento que podem persistir por vários dias. Assim, períodos de confusão mental, mutismo com estado catatônico, automatismos associados a convulsões focais ou generalizadas caracterizam este tipo de EME.
Os achados eletrecefalográficos são variáveis, no curso do EME parcial. Assim, evidenciam-se descargas tipo tônico-clônicas, representadas por ondas lentas. Tal descarga pode se localizar em dada região, comprometer progressivamente um hemisfério ou se generalizar. Outro tipo é o “traçado anárquico”, com descargas focais, iniciando-se em regiões variadas, de um ou ambos hemisférios cerebrais. Finalmente, encontram-se traçados não modificados, no curso do EME parcial, onde se evidenciam, apenas artefatos musculares devido às convulsões.
2. FISIOPATOGENIA
Os mecanismos fisiopatogênicos do EME não estão ainda totalmente esclarecidos. Admite-se que certas estruturas do sistema nervoso central, como a formação reticular, núcleos da base, cerebelo e núcleos vestibulares tenham efeito inibidor e sejam responsaveis pelo término das crises convulsivas. No EME, o elemento fisiopatogênico essencial parece consistir na insuficiência destes mecanismos inibitórios.
3. PATOLOGIA
A importância do EME reside no fato de que, por si mesmo, determina lesões encefálicas graves, além de distúrbios clínicos importantes, capazes de provocar o óbito.
Observam-se, no início das convulsões, hipertensão arterial, aumento da pressão venosa encefálica e acidose metabólica e respiratória. Quando a crise ultrapassa 25 minutos de duração, a pressão arterial volta a limites normais ou inferiores a estes e surgem hipertermia, hiperpotassemia e hipoglicemia. Os animais morrem devido a falência cardiocirculatória, secundária a distúrbios eletrolíticos e variações ao pH. A esta condição, correspondem lesões anatômicas do sistema nervoso central que variam de intensidade, mas guardam padrões definidos de tipo e de localização, Os neurônios sofrem a chamada “alteração celular isquêmica” e tais alterações se locanizam no neocórtex, cerebelo e hipocampo. As alterações neuronais parecen depender da hipertermia, hipotensão arterial, hipoglicemia e acidose além da própria atividade epiléptica. Estes achados experimentais. coincidem corn os encontrados no homem. Em pacientes com EME, submetidos a exames anátomo-patológicos, observam-se alterações neuronais isquêmicas (necrose celular) no córtex cerebral e, especialmente, no corno de Ammon, uncus e núcleo amigdalóide. Observam-se ainda, lesões hipóxicas, no tálamo, cerebelo, putâmen e núcleo caudado. Edema cerebral é freqüentemente observado. As alterações celulares são irreversíveis, ocorrendo, ao fim de crises convulsivas freqüentes e demoradas, destruição celular que leva deficiência funcional (motora e mental) correspondente. Dai a importância de se controlar, o mais rapidamente possível, as crises convulsivas e com muito maior razão do EME. Estudos tomográficos, realizados em pacientes com EME, sem antecedentes neuropatológicos, evidenciam intensa dilatação dos ventrículos cerebrais. Esta hidrocefalia corresponde a atrofia cerebral e se manifesta, clinicamente, por sinais de defict mental e/ou motor.
Além da atrofia cerebral, e dos distúrbios neurológicos subseqüentes, o EME é importante causa de morte. A mortalidade vem diminuindo, à medida que se dispõe de melhores e mais ativos anticonvulsivantes e se dispensam cuidados mais adequados e precoce ao doente.
4. TRATAMENTO
O tratamento do EME visa ao controle das crises convulsivas, das graves alterações gerais e do agente determinante. Em face da gravidade presente ou potencial, a maioria dos pacientes requer hospitalização e cuidados intensivos.
Dos vários medicamentos propostos, para sustar as convulsões, preferem-se aqueles de efeito rápido e potente e, ainda, que provoquem a mínima depressão da consciência e dos centros vitais (circulatório e respiratório). A via de administração usual é a venosa, pois permite a obtenção de níveis terapêuticos, em tempo hábil.
A administração endovenosa, de qualquer anticonvulsivante, é obrigatoriamente lenta, já que, com maior ou menor intensidade, provoca depressão de centros vitais. É importante lembrar da possibilidade de somação de efeitos depressores, quando da associação de dois ou mais anticonvulsivantes por via parenteral. Isto deve também ser levado em conta, em relação a medicamentos que o paciente tenha recebido em tentativas terapêuticas prévias.
As doses devem ser suficientes, desde que pequenas quantidades não controlam as crises, mas provocam os vários efeitos colaterais. Estes se acumulam com as sucessivas tentativas terapêuticas somando-se ao já grave quadro clínico, podem levar ao óbito.
Como nem sempre se consegue sustar as crises de modo imediato, mas apenas reduzi-las em duração e freqüêcia, é necessário manter em nível útil a medicação empregada. Esta medida é também indicada para evitar recidivas que aparecem com a interrupção precoce do tratamento.
Entre os vários medicamentos em uso no tratamento do EME temos o diazepam, o clonazepam e a difenil-hidantoína sódica.
O diazepam é encontrado em ampolas de 2 ml com 10 mg de substância ativa. É aplicado endovenosamente na quantidade de 5 mg por minuto, em doses variáveis de caso para caso até controlar a crise (até 30 a 40 mg para adulto). A dose de manutenção, administrada por via venosa ou intramuscular, é de 10 mg cada duas ou três horas. 0 diazepam é eliminado em algumas horas do organismo. Pode também ser usado em perfusão venosa contínua, na dose de até 100 mg nas 24 horas.
Outro benzodiazepínico, o RO-4023 (Clonazepam), ainda não disponível no mercado, tem-se revelado mais ativo no combate ao EME.
A difenil-hidantoína sódica apresentada em ampolas de 5ml com 250 mg de substância ativa (1 ml-50 mg), oferece bons resultados, quando utilizada em doses adequadas. Em adultos, emprega-se a dose de 0,5 a 1,0 g por via endovenosa, na velocidade de 1 ml por minuto, associando-se, simultaneamente, a aplicação por via intramuscular do 0,5 g, Esta última é repetida cada 12 horas a fim de manter níveis sangüíneos adequados.
Nos casos graves e rebeldes de EME, emprega-se barbitúrico de ação rápida, por via venosa, mantendo-se o paciente sob respiração controlada.
Qualquer que seja o esquema terapêutico empregado, na vigência da administração do medicamento, deve-se controlar atentamente a respiração, a pressão arterial e a freqüência cardíaca.
Uma vez controladas as convulsões, substitui-se paulatinamente a medicação parenteral pela habitualmente usada em epilepsia, por via oral.
Ao lado dos anticonvulsivantes e por vezes de maior importância, são as medidas dirigidas as várias alterações paralelas que, progressivamente, aparecem e agravam o quadro. Assim, o edema cerebral bastante freqüente, requer o uso de drogas de ação antiedema (manitol, dexametasona, duréticos). Por outro lado, a desidratação e acidose obrigam a terapêutica correta que deve ser judiciosa, para não agravar o edema através da hiper-hidratação e evitar a alcalose que facilita a manutenção das convulsões.
A respiração, comprometida de vários modos (depressão de centro respiratórios, acúmulo de secreções tráqueo-bronquicas), necessita cuidados constantes.
A hipertermia, de difícil controle, pode exigir o uso de esponja gelada ou medidas similares.
Cuidados gerais relativos à pressão arterial, prevenção de escaras, função renal, alimentação e detecção de infecções, são outros itens da maior importância no tratamento dO EME.
Nos casos de EME em que não há comprometimento do estado geral, a terapêutica se limita ao uso de anticonvulsivantes. Assim, no estado de ausência, a administração de diazepam, intravenosamente, determina quase que de imediato a normalização clínica e eletrencefalográfica.