COTAS: TREMENDO EQUÍVOCO
Há alguns anos está-se discutindo sobre cotas para ingresso nas Universidades brasileiras. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não exige mais o clássico vestibular para acesso ao Ensino Superior, apenas fala em processo seletivo. Esta seleção depende de cada Instituição superior, desde que tenha o aval do MEC. Como se trata de aprendizagem, é de se supor que o processo seletivo deva ocorrer com base em níveis de conhecimentos, ou em capacidade de aprendizagem. Por isto, algumas Universidades e Faculdades na seleção de seus estudantes já tomam em consideração os resultados do ENEM, ou simplesmente o resultado dos estudantes no grau médio. Isto é perfeitamente aceitável. Inclusive, porque existem países, e países altamente desenvolvidos, que admitem seus estudantes ao Ensino Superior apenas considerando rendimento no nível médio.
No Brasil, estranhamente, se começou a falar, nos últimos anos, em estabelecer cotas raciais e/ou sociais para o acesso ao ensino superior. Argumenta-se que são necessárias ações afirmativas em
relação aos afro-descendentes, aos índios, aos cidadãos de baixa renda, aos egressos de escolas públicas. Argumenta-se também que nos Estados Unidos as ações afirmativas, neste sentido, melhoraram a proporção de negros nas Universidades, o que era uma exigência da democracia. Vou fazer algumas considerações sobre esta onda pró-cotas.
Primeiramente quanto aos Estados Unidos. A situação nos Estados Unidos era muito diversa da existente no Brasil. Lá se constatou que os cidadãos negros não tinham o mesmo acesso aos bens sociais e culturais como os brancos. Por exemplo, médicos, dentistas brancos não atendiam suficientemente as comunidades negras; havia insuficiência de professores para escolas nos bairros negros; os brancos não se misturavam com os negros; faltavam advogados para as populações negras... E isto foi considerado incompatível com a democracia americana. Por isto, ações afirmativas para que mais negros se tornassem médicos, dentistas, professores e advogados, e fossem atender as comunidades negras na mesma proporção em que eram atendidos os cidadãos brancos era uma exigência indispensável da democracia.
No Brasil é diferente. Num debate sobre cotas, perguntei aos representantes afros se, caso entrassem na Universidade por cotas, depois de formados, estavam dispostos a voltar para suas comunidades de predominância negra, a fim de atenderem melhor esta população. A resposta foi unânime: não. Pois se considerariam cidadãos livres, numa sociedade democrática, com liberdade de trabalharem onde julgassem mais proveitoso. Portanto, o argumento dos Estados Unidos para ações afirmativas não tem sentido no Brasil. Inclusive, porque aqui não temos o apartheid, com bairros, favelas, submundos exclusivamente com populações de afro-descendentes ou de indígenas. A nossa população é mista. No Sul do Brasil, por exemplo, as favelas são predominantemente de populações brancas. Mas, e os nossos agumentos em favor de cotas?
Sim, o Brasil tem uma dívida enorme em relação aos afro-descendentes, aos remanescentes indígenas e em relação aos cidadãos de baixa renda. Mas esta dívida não se remediará com cotas. Pois afro-descendentes, descendentes indígenas e cidadãos de baixa renda, uma vez formados, não necessariamente voltarão para suas comunidades. Nem se poderá exigir isto deles, pois em nossa democracia capitalista o cidadão é livre, e é estimulado a assumir a profissão lá onde ele vai ter maior proveito econômico. E isto não acontecerá no meio da miséria ou da pobreza. Portanto, desde já, pode-se dizer que o Brasil não melhorará suas condições simplesmente porque alguns cidadãos foram privilegiados com cotas para o acesso às Universidades. E por que este privilégio de "cotados"? Por serem negros, índios, pobres? Ora, ora, na civilização ocidental iluminista, cristã e democrática as pessoas, há séculos, não devem mais ser classificadas e valoradas por critérios raciais, étnicos e sociais. Ninguém entre nós é pária (dalith!) por nascimento, todos somos iguais perante a Lei. Todos os homens são igualmente dignos. Não há "raça" menos inteligente do que outra... Se as escolas públicas não prestam, se existe miséria, se populações inteiras, seja desta ou daquela origem, não têm acesso a um ensino de qualidade, isto não depende de sua cor ou de sua etnia. É uma questão de política, de corrupção da verdadeira política, de leis injustas. E a função de políticos justos, honestos e dignos seria discutir e remediar as causas de tais situações, e não criarem discriminações raciais, étnicas e sociais numa sociedade democrática, onde todos são iguais por lei, e têm o direito a um ensino de qualidade, seja em escolas públicas ou particulares. E isto é uma questão política, com princípios democráticos do século XXI. Por isto, estabelecer cotas definitivas de qualquer ordem, no meu entender, é um tremendo equívoco, e democrticamente inconstitucional. Se muito, pode-se admitir um sistema temporário de cotas, jamais perene e impositivo.
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