Cantar do Minotauro, a canção de Wagner Ribeiro.
Cantar do Minotauro é a obra poética de Wagner Ribeiro, publicada neste ano de 2009, dedicada à memória de Aluysio Sampaio, Bonifácio Fortes e Mário Cabral, homens que “amaram a justiça e repudiaram a opressão”. O canto está dividido em três corredores: Invocação, O Dédalo e A Luz.
Parece a organização do trabalho de Wagner querer sugerir, pela ausência do índice e do prefácio, a solidão do monstro cujos limites são as paredes de sua prisão. O leitor também se sente aprisionado, impulsionado, empurrado para o interior do labirinto da construção textual do poeta emaranhado na inspirada reflexão sobre as lições da mitologia. Sem perceber o que lhe acontece, o leitor persegue os fios de versos querendo encontrar a luz. Eis a perenidade do mito.
Os versos do Canto do Minotauro são oceanos em calmaria e beleza sonora da grandiosidade do mistério das águas poéticas. Não ousarei invocar as “musas deslembradas”, não tentarei colocar nesta página informações sobre a cultura helenística. Anoto as impressões mais puras trazidas pela canção wagneriana na qual se pode “ouvir a voz dos miseráveis.”
Wagner seduz o leitor com a melodia dos seus versos, colunas da construção de uma ponte que une dois países: Autor e Leitor. Claro que o poeta teve atendida a sua Invocação. Vestiu a pele, a carne e a alma dolorida do Minotauro e fala de “verdades soterradas”. Para alcançar o engenho de retomar a voz dos vencidos, adornou o pensamento e ofereceu “asas e músicas às palavras.”
As palavras voam, cantam e perfilam a horrenda e, ao mesmo tempo, doce feição do monstro revelador da verdade, a de que o poder altera o comportamento humano, assim como a opressão desse príncipe castigado e revivido no estro wagneriano.
O príncipe avistado em seu mais terrível manto é o oprimido eterno. Quem, Wagner, cantará a canção do oprimido jamais príncipe? Quem será o oprimido cantor entre os oprimidos? Terá esse cantor acesso às Musas? De que rei ou deus é filho o possível cantor dos miseráveis?
O sentido do Belo, característico da cultura grega (vivemos e pensamos no contexto dessa herança, sabedores ou não da história de Helena) desemboca em rasgos de consciência nos versos: “Fora muito esperar que tão disforme/corpo mostrasse da alma as sutilezas./Tudo o que existe é arena de contrários,/e eles mais forte em mim se digladiam.” A contenda entre opressores e oprimidos desencadeia a guerra.
Só aos reis é dado perdoar. E um poderoso oprimido é aquele que revela a cena da qual foi ator e na qual viu que “Muitos atos crueis ou desonestos/são ordenados e cumpridos em/meio às mais ruidosas gargalhadas/ou gozo nos sorrisos desenhado.”
Pois é, poeta, “como são inúteis os meus braços para abraçar”. Simples mortais, nosso habitat é a “estranha construção” encomendada pelo rei. Não cremos mais na possibilidade de voar à luz de um sol democrático. E sabe por quê? Porque o rei se esmera na modernização do labirinto.
O Minotauro delira, pois, o certo é que “Pouco tempo me resta antes que a morte/revele-me os mistérios do existir/e o que está posto muito além, na outra/margem do rio onde o barqueiro assiste”
Cada ser mortal é habitante brutalizado desta “caverna úmida”, “Pobre herói, cujo feito se sepulta/ (com pejo de mostrar-se) na masmorra/para viver à custa de silêncios”, enquanto “a nau de negras velas conduz o herói que ensandeceu.”
O Minotauro tem consciência de que “reis odeiam reis, pois sonham todos/reunir os tronos num assento só.” Sem a Luz, os pequenos heróis da guerra do cotidiano, ouvem apenas as “gargalhadas divinas, em constantes libações.”
Esta é a minha tênue marca deixada no labirinto e a minha voz nos “interstícios destes altos muros”, pois que em mim “A sombra é densa e Minos ainda vive.”