Se eu pudesse, com certeza iria a pés para qualquer lugar do mundo; nos lugares que posso, viajo de carro e para o restante, não tem jeito, tenho que ir de avião. Hoje por exemplo, estou aqui em Salvador após 2 horas voando num Boeing da GOL no vôo 1754. Sem maiores problemas, salvo alguns pequenos desníveis causados pelo deslocamento de ar, que na verdade, já é suficiente para me deixar no mínimo pensativo.
Belchior escreveu que “por medo de avião ele segurou pela primeira vez na mão de alguém”, deve ter sido uma loucura; imaginem o Belchior na década de 80 voando pelo céu do Brasil enfrentando turbulências e temporais nas aeronaves que faziam sucesso por aqui na VARIG, VASP, TRANSBRASIL, Nordeste e Rio Sul?
Brincadeiras a parte, tem gente que tem pânico de avião; outros sequer conseguem ver uma aeronave numa fotografia de revista que já lhe dá disenteria; outros têm medo; alguns (como eu) passaram a evitá-los e a maioria, Graças a Deus a maioria, não estão nem aí, entram, deitam e dormem feito urso hibernando.
Eu viajei o mundo de avião, nunca tive o menor problema sério que me fizesse repensar em voar, mas tem algumas histórias no mínimo engraçadas que merecem ser contadas, como da vez que saí de Salvador indo para Belo Horizonte num vôo direto da VASP que desceria na época no esquecido e quase desabitado Aeroporto Tancredo Neves (CONFINS), hoje com um dos grandes fluxos de pousos e decolagens no Brasil.
O vôo através de um MD 11, salvo maior juízo, deveria fazer o trajeto em 1 hora e 50 minutos SEM ESCALA. Por volta de 50 minutos após decolar do Aeroporto 2 de Julho em Salvador, eu que estava na altura das asas, numa janela, dormia e fui acordado pela aeromoça que me pedia para atar o cinto de segurança. De imediato eu pensei: - Puxa vida! Que vôo rápido! Quando olhei pela janela eu vi o mar. De imediato pensei que estivéssemos caindo, afinal de contas, de Salvador para Belo Horizonte, quando voamos, somente vemos o mar na saída e jamais no pouso. Não era a Lagoa da Pampulha, era o mar mesmo, com ondas, barquinhos e coqueirais na costa.
Descemos suavemente numa pista legal e quando paramos foi que fiquei sabendo que havíamos descido em Porto Seguro. A aeromoça simpática nos disse que houvera um problema com um KIT HIDRÁULICO, mas que não nos preocupássemos, pois eles tinham a peça em solo e dentro de no máximo 4 horas estaríamos decolando. Sai do avião enorme e fui ao saguão do aeroporto; cheguei no guichê de outra companhia e perguntei qual seria o horário do próximo vôo para BH; sabendo que o concorrente sairia antes, não pensei duas vezes e abandonei o vôo da VASP; não quis arriscar voar numa fortaleza daquele tamanho com “um probleminha num Kit Hidráulico”.
Depois deste probleminha, dois anos depois, mais uma vez no MD 11 da VASP, saindo de Fortaleza numa tarde “fria” de mais de 40 graus, o elefante voador achou de dar pane no ar condicionado em pleno vôo; ele ainda faria escalas em Natal e Recife SEM AR CONDICIONADO, mas chegou a Salvador sem maiores conseqüências.
Certo final de semana totalmente sombrio eu achei de aceitar um convite de uma amiga para ir a Aracaju numa promoção de pacote da TAM. Voaríamos nos temidos Focker 100 após os acidentes fatídicos em São Paulo. Na ida, tudo bem, mas na volta pegamos uma tempestade horrível saindo da capital sergipana. O Focker sacudia e batia mais do que coração de ladrão; tínhamos a sensação de estar caindo e do lado de fora só víamos nuvens negras, chuva e raios. Lembro de um passageiro bêbado que dizia que o avião ia cair e ria muito; lembro também de um sujeito de 2 metros e uns 150 kg que se levantou da poltrona, desatendendo os avisos de manter-se atado, foi em direção ao bêbado e disse: - Podemos até cair, mas antes eu te mato se você não calar a boca. O bêbado curou-se e foi caladinho até chegar em Salvador.
Outra vez, saindo de Houston em direção a El Paso no Texas, a bordo de um miserável DC 9 da Aeromexico, quando sobrevoávamos uma área desértica próxima do México, eu estava dormindo e sonhando com um acidente. Do lado de fora havia uma calmaria típica daquela região, mas como a zona era muito quente, as aeronaves tendem a fazer pequenos desníveis por causa dos ventos; num destes desníveis eu acordei aos gritos, pois imaginei que ele estava caindo; foi um dos maiores micos que eu já paguei em toda minha vida!
E agora, no ano passado, eu estava em Uberlândia voltando pra casa após duas semanas em Goiás a trabalho; meu vôo era as 19:00h e seria operado num ATR 42 da Trip Linhas Aéreas; quando cheguei no aeroporto soube que aquele avião estaria retido no Santos Dumont por problemas meteorológicos; a moça da Trip me disse que uma outra aeronave, maior, faria o mesmo percurso, mas faria uma breve escala em Uberaba; aceitar foi minha derrota!
Lá fui eu voar num ATR 72, de Uberlândia para Uberaba e de lá para Belo Horizonte para pousar na Pampulha; meu pai chegaria no dia seguinte para me visitar e eu estava todo entusiasmado. Entrei no ATR 72 e por dentro ele é quase a mesma disponibilidade que seu irmão o ATR 42, porém maior. Ligaram as hélices e subimos tão rápido quanto descemos em Uberaba, cerca de 15 minutos. Depois que decolamos de Uberaba, já depois de uns 200 km percorridos, parecia que havíamos entrado no inferno. Do lado de fora as luzes piscando das asas dava pra notar o quanto caia água, raios e como não dava pra enxergar nada logo depois do vidro da janela.
O ATR tremia, batia, descia e subia feito galinha quando é atingida na cabeça. O ATR possui compartimento de carga no mesmo nível que as poltronas dos passageiros; a divisão entre nós e os pilotos é justamente o compartimento de cargas. Dado momento a porta que impede a visão da cabine se abriu com os fortes solavancos e deu pra ver o co-piloto lendo um manual do avião; naquele momento eu disse pra mim mesmo que seria meu último dia.
Se aquele equipamento fosse um ônibus, com certeza estaríamos na BR-070 que liga Cáceres a San Inacio na Bolívia; batia muito e as malas já estavam caindo; notei uma comissária rezando um terço e nesta hora foi que muita gente chorou; era uma visão dantesca; uma senhora que estava ao meu lado, muito elegante por sinal, me pediu para segurá-la pelas mãos; grosseiramente eu lhe respondi que até segurava, mas se o ATR caísse aquilo não resolveria nada.
Entre o começo e o fim do desastre psicológico foram mais de 10 minutos; isso em aviação é como uma viagem de ônibus entre Crateús (RN) a São Paulo que dura uns cinco dias. Quando o ATR começou a cair de verdade eu resolvi segurar a mão da madame, mas logo notamos as luzes da Pampulha; estávamos sobrevoando Belo Horizonte. Aliviado eu falei com ela quando tocamos na posta do aeroporto: - Agora pode chover até granizo! A senhora muito educada, me disse: - Faz isso não moço! Eu comprei um carro após 10 anos de economias, ele está ali no estacionamento ao céu aberto e ainda não tem seguro!
Esta foi a viagem que me fez ficar com medo de avião; tudo antes desta última viagem relatada, jamais me fez repensar em entrar numa aeronave; eu já voei de avião grande, médio, pequeno e até ultraleve, mas foi uma das aeronaves mais seguras do mundo, a ATR, que me fez ficar com medo. Depois dela eu já voei algumas dezenas de vezes, sem nenhum problema, inclusive fazendo Belo Horizonte para Lisboa, num Airbus A 330 da TAP, mas confesso que não fui muito alegre.
O temor de voar inutiliza a vida social, pessoal, profissional e ainda traz uma série de compulsões. Mas pode perfeitamente ser sobrepujado melhorando a qualidade de vida. Aversão de Voar é uma fobia característica que atinge mais de 40% de todos aqueles que precisam voar e que pode se revelar em diferentes níveis, do mais afável, nas pessoas que utilizam o transporte aéreo com receio, sendo última opção, ao mais extremado, nas pessoas que não o utilizam nunca por já se sentirem desesperadas ao se imaginarem entrando num avião.
Embora seja de informação comum que o avião é um dos meios de transporte mais seguros que existem, onde estatísticas mostram que para cada 1,4 milhões de passageiros de avião, um poderá morrer em acidente aéreo, enquanto mais de 300 poderão morrer indo para ou vindo do aeroporto, para quase metade da população brasileira voar é algo assustoso.
O sofrimento gerado pelo medo de voar é intenso e pode provocar uma cadeia de reações ruins – pensamento recursivo, crises emocionais e reações físicas (palpitações, sudorese, tremores, desconforto abdominal, falta de ar, náusea, desconforto no peito, vertigem, etc.).
Algumas pessoas acabam recusando empregos por temer viajar de avião, outras utilizam o efeito do álcool e ou tranqüilizantes para "enfrentar” a viagem. O medo de voar pode não estar relacionado a um único aspecto, pode incluir o medo de acidente, o de ficar fechado, o de altura, o da instabilidade e o da perda de controle.
Essa fobia, além de gerar constrangimentos às pessoas, pode prejudicar também sua vida social e profissional. Com o desenvolvimento das técnicas da Psicologia Comportamental e Cognitiva para o tratamento desse tipo de fobia e de outras correlatas, a cura do medo de voar passou a ser atingida com um alto índice de sucesso, acima dos 90%, sendo atualmente a melhor alternativa para quem pretende se livrar da aversão exagerada de voar.
Quem tem pânico de voar geralmente diz que isso ocorre pela síndrome de sabe que não podem descer quando se sentem ameaçados por qualquer natureza; outros encaram a piada atribuída ao “destino”, que afirma que quando é a vez de morrer do piloto, ele acaba levando todo mundo no mesmo dia, como se fosse uma realidade, algo tão reais que seus corações geram repulsas indiscutíveis.
A psicologia, psiquiatria e até os partidários da acupuntura e hipnose afirmam que conseguem curar e tratar o medo de voar; fato ou mito, o tema fica sendo postergado até que acontecimentos mais sérios ocorram, como este envolvendo um Airbus A 330 da Air France que vitimou 228 pessoas. Depois de notícias como esta, retornam os velhos temores e fantasmas de viajar de avião, mas como citei, muitos necessitam e eu sou um deles.
O Brasil não tem grandes históricos de acidentes aéreos; salvo os dos últimos anos e este mais recente, não tínhamos acidentes capazes de nos fazer tão temerosos; os que ocorrera no passado, muito embora tivessem sido tão divulgados pela mídia, a mídia não chegava a todos e nem todos podia sequer entrar num aeroporto; era caro e glamoroso e infelizmente, até a década de 80, menos de 10% dos brasileiros podiam voar com freqüência; hoje, não voa quem não quer.
Mais pessoas voando, mais pessoas sentindo os solavancos dos aviões e mais pessoas com o medo de voar, isso é natural, da mesma forma que mais pessoas vêem há todos instantes aviões sendo seqüestrados, caindo, pousando em rios, matando e mutilando pessoas e os poucos sobreviventes têm que carregar um peso enfadonho nas costas da consciência de que sobreviveram por pouco e que a morte por queda de aeronave poderá voltar a qualquer momento, basta que eles voltem a voar.
Em Lisboa eu vi numa praça próxima da Torre de Belém um avião monomotor que atravessou o Atlântico durante a guerra; era a primeira vez que uma caixa frágil de aço puro ousou a fazer aquilo; fiquei imaginando se fosse eu a estar naquilo; com certeza morreria antes de entrar.
Eu não sou o futurista e otimista que acredita que máquinas mais modernas diminuirão os acidentes; pouco vai mudar nos próximos 50 anos e enquanto isso; estou eu aqui, num quarto de hotel, sabendo que na próxima semana, após ter resolvido todos os problemas profissionais, voltarei a entrar num avião de volta pra casa; com medo ou sem medo, nada que um bom calmante 30 minutos antes da decolagem não me faça apagar e só ser acordado pela aeromoça em meu destino final.
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
www.irregular.com.br
Fotos: Antonio Carlos Castejón e J Silveira Júnior – Flickr Yahoo
Belchior escreveu que “por medo de avião ele segurou pela primeira vez na mão de alguém”, deve ter sido uma loucura; imaginem o Belchior na década de 80 voando pelo céu do Brasil enfrentando turbulências e temporais nas aeronaves que faziam sucesso por aqui na VARIG, VASP, TRANSBRASIL, Nordeste e Rio Sul?
Brincadeiras a parte, tem gente que tem pânico de avião; outros sequer conseguem ver uma aeronave numa fotografia de revista que já lhe dá disenteria; outros têm medo; alguns (como eu) passaram a evitá-los e a maioria, Graças a Deus a maioria, não estão nem aí, entram, deitam e dormem feito urso hibernando.
Eu viajei o mundo de avião, nunca tive o menor problema sério que me fizesse repensar em voar, mas tem algumas histórias no mínimo engraçadas que merecem ser contadas, como da vez que saí de Salvador indo para Belo Horizonte num vôo direto da VASP que desceria na época no esquecido e quase desabitado Aeroporto Tancredo Neves (CONFINS), hoje com um dos grandes fluxos de pousos e decolagens no Brasil.
O vôo através de um MD 11, salvo maior juízo, deveria fazer o trajeto em 1 hora e 50 minutos SEM ESCALA. Por volta de 50 minutos após decolar do Aeroporto 2 de Julho em Salvador, eu que estava na altura das asas, numa janela, dormia e fui acordado pela aeromoça que me pedia para atar o cinto de segurança. De imediato eu pensei: - Puxa vida! Que vôo rápido! Quando olhei pela janela eu vi o mar. De imediato pensei que estivéssemos caindo, afinal de contas, de Salvador para Belo Horizonte, quando voamos, somente vemos o mar na saída e jamais no pouso. Não era a Lagoa da Pampulha, era o mar mesmo, com ondas, barquinhos e coqueirais na costa.
Descemos suavemente numa pista legal e quando paramos foi que fiquei sabendo que havíamos descido em Porto Seguro. A aeromoça simpática nos disse que houvera um problema com um KIT HIDRÁULICO, mas que não nos preocupássemos, pois eles tinham a peça em solo e dentro de no máximo 4 horas estaríamos decolando. Sai do avião enorme e fui ao saguão do aeroporto; cheguei no guichê de outra companhia e perguntei qual seria o horário do próximo vôo para BH; sabendo que o concorrente sairia antes, não pensei duas vezes e abandonei o vôo da VASP; não quis arriscar voar numa fortaleza daquele tamanho com “um probleminha num Kit Hidráulico”.
Depois deste probleminha, dois anos depois, mais uma vez no MD 11 da VASP, saindo de Fortaleza numa tarde “fria” de mais de 40 graus, o elefante voador achou de dar pane no ar condicionado em pleno vôo; ele ainda faria escalas em Natal e Recife SEM AR CONDICIONADO, mas chegou a Salvador sem maiores conseqüências.
Certo final de semana totalmente sombrio eu achei de aceitar um convite de uma amiga para ir a Aracaju numa promoção de pacote da TAM. Voaríamos nos temidos Focker 100 após os acidentes fatídicos em São Paulo. Na ida, tudo bem, mas na volta pegamos uma tempestade horrível saindo da capital sergipana. O Focker sacudia e batia mais do que coração de ladrão; tínhamos a sensação de estar caindo e do lado de fora só víamos nuvens negras, chuva e raios. Lembro de um passageiro bêbado que dizia que o avião ia cair e ria muito; lembro também de um sujeito de 2 metros e uns 150 kg que se levantou da poltrona, desatendendo os avisos de manter-se atado, foi em direção ao bêbado e disse: - Podemos até cair, mas antes eu te mato se você não calar a boca. O bêbado curou-se e foi caladinho até chegar em Salvador.
Outra vez, saindo de Houston em direção a El Paso no Texas, a bordo de um miserável DC 9 da Aeromexico, quando sobrevoávamos uma área desértica próxima do México, eu estava dormindo e sonhando com um acidente. Do lado de fora havia uma calmaria típica daquela região, mas como a zona era muito quente, as aeronaves tendem a fazer pequenos desníveis por causa dos ventos; num destes desníveis eu acordei aos gritos, pois imaginei que ele estava caindo; foi um dos maiores micos que eu já paguei em toda minha vida!
E agora, no ano passado, eu estava em Uberlândia voltando pra casa após duas semanas em Goiás a trabalho; meu vôo era as 19:00h e seria operado num ATR 42 da Trip Linhas Aéreas; quando cheguei no aeroporto soube que aquele avião estaria retido no Santos Dumont por problemas meteorológicos; a moça da Trip me disse que uma outra aeronave, maior, faria o mesmo percurso, mas faria uma breve escala em Uberaba; aceitar foi minha derrota!
Lá fui eu voar num ATR 72, de Uberlândia para Uberaba e de lá para Belo Horizonte para pousar na Pampulha; meu pai chegaria no dia seguinte para me visitar e eu estava todo entusiasmado. Entrei no ATR 72 e por dentro ele é quase a mesma disponibilidade que seu irmão o ATR 42, porém maior. Ligaram as hélices e subimos tão rápido quanto descemos em Uberaba, cerca de 15 minutos. Depois que decolamos de Uberaba, já depois de uns 200 km percorridos, parecia que havíamos entrado no inferno. Do lado de fora as luzes piscando das asas dava pra notar o quanto caia água, raios e como não dava pra enxergar nada logo depois do vidro da janela.
O ATR tremia, batia, descia e subia feito galinha quando é atingida na cabeça. O ATR possui compartimento de carga no mesmo nível que as poltronas dos passageiros; a divisão entre nós e os pilotos é justamente o compartimento de cargas. Dado momento a porta que impede a visão da cabine se abriu com os fortes solavancos e deu pra ver o co-piloto lendo um manual do avião; naquele momento eu disse pra mim mesmo que seria meu último dia.
Se aquele equipamento fosse um ônibus, com certeza estaríamos na BR-070 que liga Cáceres a San Inacio na Bolívia; batia muito e as malas já estavam caindo; notei uma comissária rezando um terço e nesta hora foi que muita gente chorou; era uma visão dantesca; uma senhora que estava ao meu lado, muito elegante por sinal, me pediu para segurá-la pelas mãos; grosseiramente eu lhe respondi que até segurava, mas se o ATR caísse aquilo não resolveria nada.
Entre o começo e o fim do desastre psicológico foram mais de 10 minutos; isso em aviação é como uma viagem de ônibus entre Crateús (RN) a São Paulo que dura uns cinco dias. Quando o ATR começou a cair de verdade eu resolvi segurar a mão da madame, mas logo notamos as luzes da Pampulha; estávamos sobrevoando Belo Horizonte. Aliviado eu falei com ela quando tocamos na posta do aeroporto: - Agora pode chover até granizo! A senhora muito educada, me disse: - Faz isso não moço! Eu comprei um carro após 10 anos de economias, ele está ali no estacionamento ao céu aberto e ainda não tem seguro!
Esta foi a viagem que me fez ficar com medo de avião; tudo antes desta última viagem relatada, jamais me fez repensar em entrar numa aeronave; eu já voei de avião grande, médio, pequeno e até ultraleve, mas foi uma das aeronaves mais seguras do mundo, a ATR, que me fez ficar com medo. Depois dela eu já voei algumas dezenas de vezes, sem nenhum problema, inclusive fazendo Belo Horizonte para Lisboa, num Airbus A 330 da TAP, mas confesso que não fui muito alegre.
O temor de voar inutiliza a vida social, pessoal, profissional e ainda traz uma série de compulsões. Mas pode perfeitamente ser sobrepujado melhorando a qualidade de vida. Aversão de Voar é uma fobia característica que atinge mais de 40% de todos aqueles que precisam voar e que pode se revelar em diferentes níveis, do mais afável, nas pessoas que utilizam o transporte aéreo com receio, sendo última opção, ao mais extremado, nas pessoas que não o utilizam nunca por já se sentirem desesperadas ao se imaginarem entrando num avião.
Embora seja de informação comum que o avião é um dos meios de transporte mais seguros que existem, onde estatísticas mostram que para cada 1,4 milhões de passageiros de avião, um poderá morrer em acidente aéreo, enquanto mais de 300 poderão morrer indo para ou vindo do aeroporto, para quase metade da população brasileira voar é algo assustoso.
O sofrimento gerado pelo medo de voar é intenso e pode provocar uma cadeia de reações ruins – pensamento recursivo, crises emocionais e reações físicas (palpitações, sudorese, tremores, desconforto abdominal, falta de ar, náusea, desconforto no peito, vertigem, etc.).
Algumas pessoas acabam recusando empregos por temer viajar de avião, outras utilizam o efeito do álcool e ou tranqüilizantes para "enfrentar” a viagem. O medo de voar pode não estar relacionado a um único aspecto, pode incluir o medo de acidente, o de ficar fechado, o de altura, o da instabilidade e o da perda de controle.
Essa fobia, além de gerar constrangimentos às pessoas, pode prejudicar também sua vida social e profissional. Com o desenvolvimento das técnicas da Psicologia Comportamental e Cognitiva para o tratamento desse tipo de fobia e de outras correlatas, a cura do medo de voar passou a ser atingida com um alto índice de sucesso, acima dos 90%, sendo atualmente a melhor alternativa para quem pretende se livrar da aversão exagerada de voar.
Quem tem pânico de voar geralmente diz que isso ocorre pela síndrome de sabe que não podem descer quando se sentem ameaçados por qualquer natureza; outros encaram a piada atribuída ao “destino”, que afirma que quando é a vez de morrer do piloto, ele acaba levando todo mundo no mesmo dia, como se fosse uma realidade, algo tão reais que seus corações geram repulsas indiscutíveis.
A psicologia, psiquiatria e até os partidários da acupuntura e hipnose afirmam que conseguem curar e tratar o medo de voar; fato ou mito, o tema fica sendo postergado até que acontecimentos mais sérios ocorram, como este envolvendo um Airbus A 330 da Air France que vitimou 228 pessoas. Depois de notícias como esta, retornam os velhos temores e fantasmas de viajar de avião, mas como citei, muitos necessitam e eu sou um deles.
O Brasil não tem grandes históricos de acidentes aéreos; salvo os dos últimos anos e este mais recente, não tínhamos acidentes capazes de nos fazer tão temerosos; os que ocorrera no passado, muito embora tivessem sido tão divulgados pela mídia, a mídia não chegava a todos e nem todos podia sequer entrar num aeroporto; era caro e glamoroso e infelizmente, até a década de 80, menos de 10% dos brasileiros podiam voar com freqüência; hoje, não voa quem não quer.
Mais pessoas voando, mais pessoas sentindo os solavancos dos aviões e mais pessoas com o medo de voar, isso é natural, da mesma forma que mais pessoas vêem há todos instantes aviões sendo seqüestrados, caindo, pousando em rios, matando e mutilando pessoas e os poucos sobreviventes têm que carregar um peso enfadonho nas costas da consciência de que sobreviveram por pouco e que a morte por queda de aeronave poderá voltar a qualquer momento, basta que eles voltem a voar.
Em Lisboa eu vi numa praça próxima da Torre de Belém um avião monomotor que atravessou o Atlântico durante a guerra; era a primeira vez que uma caixa frágil de aço puro ousou a fazer aquilo; fiquei imaginando se fosse eu a estar naquilo; com certeza morreria antes de entrar.
Eu não sou o futurista e otimista que acredita que máquinas mais modernas diminuirão os acidentes; pouco vai mudar nos próximos 50 anos e enquanto isso; estou eu aqui, num quarto de hotel, sabendo que na próxima semana, após ter resolvido todos os problemas profissionais, voltarei a entrar num avião de volta pra casa; com medo ou sem medo, nada que um bom calmante 30 minutos antes da decolagem não me faça apagar e só ser acordado pela aeromoça em meu destino final.
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
www.irregular.com.br
Fotos: Antonio Carlos Castejón e J Silveira Júnior – Flickr Yahoo