INFORTUNISTICA
15 INFORTUNÍSTICA
15.1 Infortunística, conceito e importância de seu estudo. Valor econômico da saúde _ Infortunística é a parte da Medicina Legal que estuda os acidentes do trabalho. BORRI define-a como “o conjunto de conhecimentos que cuida do estudo teórico e prático, médico e jurídico, dos acidentes do trabalho e doenças profissionais, suas conseqüências e meios de preveni-los e repará-los”.
A importância da matéria decorre de seu próprio enunciado. Procurando evitar os acidentes do trabalho, idenizando-os quando não tenham sido evitados, e reparando-os sempre que possível, a lei resguarda no trabalho o bem supremo da vida: a saúde – condição de maior eficiência produtiva do homem.
Modernamente, a saúde passou a ter valor mais positivo, mais estável, menos extra-humano: valor econômico.
O homem é um animal que trabalha, que produz. Seu trabalho vale dinheiro. Quanto mais saúde tiver, tanto mais produzirá. Forte, resistente, bem alimentado, seu valor econômico, decorrente de sua capacidade de trabalhar e produzir, será grande. Fraco subnutrido, com resistência mínima, será sua capacidade produtora. Doente, inválido, não terá valor, será peso morto na economia geral.
A legislação social em vários países, como entre nós, dá à saúde determinado valor em dinheiro. O empregado que a perde, em conseqüência do trabalho, terá direito a uma indenização, variável em função da incapacidade resultante.
15.2 Doutrina do risco profissional – É a teoria mais aceita para justificar ou explicar a razão de ser das indenizações nos casos de acidentes de trabalho.
O trabalho não é isento de perigo. Riscos diversos lhe são inerentes. O maquinismo industrial, cada vez mais numeroso e complicado, ao passo que aumenta a produção, faz o trabalhador correr riscos também crescentes. É justo que o padrão, que recolhe os lucros da atividade fabril, indenize o trabalhador acidentado, embora nenhuma culpa tenha tido no evento. A doutrina do risco profissional não indaga das causas do acidente considerando-o até certo ponto inevitável e entendendo que o empregado não pode ficar desamparado em emergência tão cruel. A conseqüência do acidente deve pesar sobre o trabalho, sendo a indenização dada ao empregado levada à conta de despesas gerais da empresa.
O risco profissional é, pois, o risco inerente a determinada profissão. O acidente é um dano, causado as empregado, pela indústria a que serve.
A doutrina do risco profissional escreve ARAÚJO CASTRO na sua excelência obra sobre Acidentes do Trabalho: “constitui uma exceção, ou, antes, uma derrogação ao direito comum. Estabelece uma transação entre o padrão e o operário. A fim de que não haja um pesado encargo para o padrão e possa este garantir à vítima do acidente uma indenização, tornou-se mister adotar essa transação, na qual o operário ganha e perde ao mesmo tempo; ganha, porque obtém a indenização nos casos em que, na ausência de culpa do patrão, a nada teria direito; perde, porque consegue menos do que alcançaria se ficasse provada aquela culpa”.
Pelo direito comum, a reparação, uma vez resultante o acidente de culpa, está em relação direta com o prejuízo; pela teoria do risco profissional, a indenização é transacional, não representa o pagamento total do dano sofrido, valendo apenas como garantia fixa para todos os acidentes da mesma espécie.
15.3 Conceito de acidente do trabalho – Considera-se acidente do trabalho todo aquele que se verifique pelo exercício do trabalho ou em conseqüência dele, provocando, direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional, ou doença, que determine a morte a perda total ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, ou que de qualquer maneira reduz a capacidade de ganho do empregado.
Como doença, para os efeitos da lei, entende-se, além das chamadas doenças profissionais – inerentes ou peculiares a determinados ramos de atividade – as resultantes das condições especiais ou excepcionais em que o trabalho for realizado.
Considera caracterizado o acidente, ainda quando não seja ele a causa única e exclusiva da morte ou da perda redução da capacidade do empregado, bastante que entre o evento e a morte ou incapacidade haja uma relação de causa efeito.
Não se consideram agravações ou complicações de um acidente do trabalho, que haja determinado lesões, então já consideradas, quaisquer outras lesões corporais ou doenças, que as primeira se associem ou se superponham, em virtude de um novo acidente.
Incluem-se entre as lesões corporais, perturbações funcionais, ou doenças por que responde o empregador, todas as sofridas pelo empregado no local e durante o trabalho, em conseqüência de:
a) Ato de sabotagem ou de terrorismo praticado por terceiro, inclusive companheiro de trabalho;
b) Ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada com o trabalho;
c) Ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro, inclusive companheiro de trabalho;
d) Ato de pessoa privada do uso da razão;
e) Desabamento, inundação ou incêndio;
f) Outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior.
São igualmente considerados como produzidos pelo exercício do trabalho ou em conseqüência dele, embora ocorridos fora do local e do horário do trabalho, os acidentes sofridos pelo empregado:
a) Na execução de ordem ou realização de serviço sob a autoridade do empregador;
b) Na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) Em viagem a serviço da empresa, seja qual for o meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do empregado;
d) No percurso da residência para o trabalho ou deste para aquele.
No período de tempo destinado às refeições, ao descanso ou à satisfação de outras necessidades fisiológica, no local ou durante o trabalho, é o empregado considerado como a serviço do empregador.
Equiparam-se ao acidente de trabalho a doença profissional ou do trabalho, assim entendida a inerente ou peculiar a determinado ramo de atividade e constante de relação organizada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social e o acidente que ligado ao trabalho, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte, ou a perda, ou a redução de capacidade para o trabalho.
15.4 Conseqüências do Acidente - Várias são as conseqüências que podem resultar de um acidente do trabalho:
a) Morte;
b) Incapacidade total e permanente;
c) Incapacidade parcial e permanente;
d) Incapacidade temporária;
Por incapacidade total e permanente entende-se a invalidez incurável para o trabalho. Dão lugar a capacidade total e permanente:
a) A perda anatômica ou a impotência funcional, em suas partes essenciais, de mais de um membro, conceituando-se como partes essenciais a mão e o pé;
b) A cegueira total;
c) A perda da visão de um olho e a redução simultânea de mais de metade da visão do outro;
d) As lesões orgânicas ou perturbações funcionais graves e permanentes de qualquer órgão vital, ou quaisquer estados patológicos reputados incuráveis, que determinem idêntica incapacidade para o trabalho.
Por incapacidade parcial e permanente entende-se a redução por toda a vida, da capacidade de trabalho.
15.5 Indenização – As indenizações, que a lei prefere denominar benefícios, variam conforme a espécie de incapacidade, e então reguladas pelo art. 5° e seus parágrafos da Lei 6,367, de 19 de outubro de 1976.
Os empregadores são obrigados a segurar seus empregados contra acidentes do trabalho, a fim de que os protejam contra possíveis insolvências.
As tabelas de incapacidades parciais prevêem numerosas eventualidades práticas, mas não todas; quando haja dúvida, dever-se à ouvir o Ministério da Previdência e Assistência Social.
As tabelas, amplamente divulgadas, trazem todas as indicações de seu manuseio e são fáceis de utilizar.
15.6 Prevenção de Acidentes e Higiene do Trabalho – A sabedoria popular há muito que assevera que é melhor prevenir do que remediar. Realmente, mais vale evitar o acidente do que remediá-lo, quando possível, ou indenizar o acidentado. Daí o cuidado que a Lei de Acidentes do Trabalho dispensou à prevenção de acidentes e à higiene do trabalho.
Adota, para atingir essa finalidade, várias providências de incontestável alcance pragmático. Todo empregador é obrigado a proporcionar a seus empregados a máxima segurança e higiene no trabalho, zelando pelo cumprimento dos dispositivos legais a respeito, protegendo-os especialmente contra as imprudências que possam resultar do exercício habitual da profissão. Considera como parte integrante da Lei de Acidente do Trabalho as disposições referente à Higiene e Segurança do Trabalho da Consolidação das Leis do Trabalho, sujeitos os empregadores às penalidades fixadas na Consolidação, independente da indenização legal.
Os empregadores expedirão instruções especiais aos seus empregados, a título de “ordens de serviço”, que estes estarão obrigados a cumprir rigorosamente, para a fiel observância das disposições legais referentes à prevenção contra acidentes do trabalho.
A recusa por parte do empregado em se submeter às instruções supra-referidas, constitui insubordinação para os efeitos da legislação em vigor.
O empregador não poderá justificar a inobservância dos preceitos de prevenção de acidentes e higiene do trabalho, com a recusa do empregado em aos mesmos se sujeitar. A lei estabelece sanção para o caso de resultar algum acidente de transgressão, por parte do empregador, dos preceitos relativos à prevenção de acidentes e à higiene do trabalho. Considera também transgressão dos preceitos de prevenção de acidentes e higiene do trabalho, sujeitos igualmente a sanção:
a) O emprego de máquinas ou instrumentos em mau estado de conservação;
b) A execução de obras ou trabalhos com pessoal e material deficientes.
As indenizações e diárias pagas atingem a somas avultadas.
Acentue-se ainda, como faz MILTON PEREIRA (“O problema da prevenção dos acidentes do trabalho”), que “moral e socialmente, o problema é também digno de maior atenção, pois são muitos milhões de operários que ficam inutilizados ou que se mantêm enfermos. É, pois, lógico que o estudo de tudo quanto tente diminuir, já que eliminar os acidentes é impossível, por tanto prevenir, seja considerado de máximo interesse pelos médios, psicólogos e engenheiros, com o fim de organizar a prevenção dos acidentes e ver se alcançam a possibilidade de poder determinar a predisposição ao acidente”.
15.7 Readaptação Profissional e Reaproveitamento do empregado acidentado – A lei de Acidente do Trabalho obriga o empregador, além das indenizações a que está sujeito, em todos os casos e desde o momento do acidente, a prestar ao acidentado a devida assistência médica, farmacêutica, hospitalar e odontológica.
Cuida também a lei da readaptação profissional, devida a todo mutilado do trabalho, visando restituir-lhe, no todo ou em parte, a capacidade na primitiva profissão ou em outra compatível com suas novas condições físicas.
A readaptação profissional dos mutilados do trabalho será realizada através de serviço de readaptação profissional, e efetuar-se à não só mediante a prática da fisioterapia, da cirurgia ortopédica e reparadora, mas ainda do ensino conveniente em escolas profissionais especiais. Os readaptados serão admitidos em funções que possam exercer com eficiência.
A readaptação profissional obtida pelo acidentado em nenhum caso será motivo de revisão do acordo ou sentença que houver fixado a indenização pelo acidente do trabalho.
O mutilado que, no período de readaptação, perceber remuneração pelos serviços executados nas escolas profissionais especiais, não terá suspenso o pagamento da aposentadoria concedida por instituição de previdência social, em cujo gozo se achar.
O alcance da readaptação, do ponto de vista humano, social e econômico, é intenso. “Cumpre, mais do que a qualquer outro, dar ao mutilado do trabalho os meios para, pelo trabalho, obter o necessário para o seu sustento. Cumpre restituir-lhe o valor como unidade econômica, habilitando-o a produzir e a consumir. Cumpre desviá-lo da inatividade e do ócio, geradores da instabilidade e do vício (JOEL RUTHENIO DE PAIVA, “Acidentes de Trabalho”).
15.8 Perícia médica – A perícia médica tem relevo marcante em matéria de acidente do trabalho. A opinião do perito será, quase sempre, o dado fundamental para a solução do caso.
A verificação de qualquer de qualquer de qualquer incapacidade, para efeito de lei, deverá ser procedida por médico possuidor de coluna especializada em medicina do trabalho. Evidentemente, os professores de Medicina Legal se acham aì compreendidos, ou como legistas oficiais, ou como especialistas em infortunística, assunto pertinente à cadeira.
Em juízo a perícia será feita por perito nomeado pelo Juiz, que deverá arbitrar-lhes a respectiva remuneração.
Sempre que possível, os exames periciais, que forem ordenados pelo Juiz, deverão ser realizados na sede do respectivo Juízo.
Quando a morte resultar de um acidente do trabalho ou for ao mesmo atribuída, dever-se à proceder à necropsia, que poderá ser ordenada pela autoridade judiciária ou policial, por sua própria iniciativa, a pedido de qualquer das partes, ou do médico assistente da vítima.
A autoridade que ordenar a necropsia nomeará o perito que deverá realizá-la e arbitrar-lhe à os honorários, salvo quando a perícia deva ser efetuada em instituto ou Serviço Médico-Legal oficial.
A autoridade que ordenar a necropsia providenciará sempre para que o perito incumbido de realizá-la seja conveniente informado sobre a natureza do acidente tido como responsável pela morte do empregado, sobre as circunstâncias em que verificou; sobre a natureza do tratamento a que teria a vítima sido submetida; e sobre a causa mortis indicada pelo seu médico assistente. Para isso, todo pedido de necropsia feito às autoridades judiciárias ou policiais, por quaisquer interessados, deverá ser sempre acompanhado de esclarecimentos sobre os referidos fatos.
A remuneração dos peritos, nos casos de acidentes do trabalho, será feita de acordo com o disposto no regimento de custas.
Salvo quando procedido com finalidade especial, determinada pela autoridade competente, todo laudo de perícia médica realizada no vivo, com fundamento num acidente do trabalho, deverá conter:
a) Os dados relativos à identificação do examinado (nome, cor, sexo, idade, nacionalidade, estado civil e residência);
b) O histórico da lesão ou doença, com informações sobre a sua evolução, extensão e gravidade.
c) A descrição dos antecedentes pessoais, mórbidos ou não, que se possam relacionar com a incapacidade atribuída ao acidente;
d) Conclusões sobre a existência ou não de relação de causalidade entre as alterações mórbidas verificadas e o fato alegado decorrente do exercício do trabalho;
e) A avaliação da incapacidade por acaso resultante do acidente, com a determinação da época provável da cura ou da consolidação das lesões, ou, no caso de prognóstico letal, de tempo de vida provável acidentado;
f) Informações sobre a natureza e duração dos cuidados médicos ainda necessários ao acidentado; sobre a natureza do aparelho de prótese para ele indicado ou sobre os característicos e eficiência do aparelho já usado.
Nas perícias no morto, orientar-se à sempre o perito no sentido de bem esclarecer a relação de causa e efeito entre o acidente e a morte.
JOEL RUTHENIO DE PAIVA, no seu excelente trabalho sobre Acidentes do Trabalho, escrevendo a respeito a respeito, diz “Também é formoso reconhecer que já não basta ser médico para estar apto a resolver todas as questões médicas relacionadas com o trabalho. A solução dos problemas criados pela evolução da vida econômica e social fez erigir uma verdadeira ciência nova – a Medicina do Trabalho – que é preciso estudar para conhecer. Ele envolve questões de ordem jurídica e social inteiramente estranhas, em geral, aos médicos terapeutas.
Mais do que de qualquer outro, deve ser exibido do médico a quem vai caber a tarefa de opinar sobre o caráter de acidente do trabalho, de uma lesão ou doença, sobre a incapacidade delas resultante – o médico perito – o conhecimento seguro de todas aquelas questões.
Mais do que qualquer outro, deve ser exigido o conhecimento da Medicina Legal, de que a Medicina do Trabalho constituiu uma parte”.
Ponto importante na perícia de acidente do trabalho é o referente à verificação da consolidação, isto é, do momento em que finda a capacidade temporária ou em que essa incapacidade se transforma em permanente.
O perito, nesse dia, ou confirma o diagnóstico anterior ou retifica-o, conforme a incapacidade tenha sido mesmo temporária ou se tenha transformado em permanente.
Nas perícias de acidente do trabalho, a simulação pura é rara. O exagero, relativamente comum. O acidente exagera as conseqüências do acidente, de que foi vítima, para obter indenização maior. Todavia, o perito não deve admitir, a priori, a simulação; deve descobri-la, quando realmente exista.
É preciso também distinguir o exagerador consciente, quiçá instruído, do exagerador mórbido, portador de constituição histeróide.
Os autores costumam chamar a atenção para uma neurose traumática ou sinistrose oriunda, é certo, de traumatismos, mas com sintomas acentuados, “criados”, em vista de lucro. É a indenizofilia de AFRÂNIO PEIXIOTO, a Renterneurose dos alemães, a névrose de l`assurance de SECRETAN.
Ao fazer o prognóstico das lesões, o perito deverá ser muito cauteloso em Medicina não há doenças; há doentes, que reagem desigualmente às mesmas causas ou aos mesmos fatores mórbidos. Uma incapacidade, que se nos afigura temporária, pode evolver de maneira imprevista e tornar-se permanente. Daí o prudente aviso de subordinar as primeiras impressões a um salvo complicações.’