LER A VIDA, INTERPRETAR A NÓS MESMOS

A vida é cheia de significado assim como o é a literatura.

A definição de Erza Pound para literatura é a que mais me agrada, quando ele diz que literatura é linguagem carregada de significado e significado em seu mais alto grau.

A bíblia diz que a criação é a caligrafia de Deus e que nós somos cartas escritas por Ele. Davi, rei e poeta judeu diz que os céus proclamam a glória de Deus : “ ... uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, não há palavra, e deles não se ouve nenhum som, no entanto por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras até aos confins do mundo.” ( Salmo 19:2-4)

Eu gosto desta infinita obra que é a vida, e fico fascinada, à procura do seu autor.

Eu gostaria que meus alunos fossem capazes de ler a vida em suas entrelinhas e extrair dela muito mais do que vêem. Na morte encontrar a vida, do caos aparente extrair sentidos lógicos . Eu desejo que meus alunos sejam ‘ poeira à procura do ar respirável da vida. “ Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, lhe soprou nas narinas fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente.’

( Gênesis 2:7) Creio que a criação é um belo poema e uma metáfora perfeita, assim como o é o homem.

Na alma e história humanas repousam todas as figuras de linguagem possíveis, nesta obra prima divina que é a nossa existência: somos paradoxo, antítese, contradição, metonímia, somos às vezes linguagem clara e explícita sem maiores rigores literários. Se olharmos ao nosso redor vemos todo tipo de pessoas, umas obras mais complexas, outras expressão de simplicidade e rudeza. Ainda assim, todas são sopro divino.

Quando choramos criamos tragédias que nos fazem refletir sobre nossa real fragilidade diante do inevitável: rimos da nossa própria desventura ou alegria diante do grande espetáculo da vida, através das nossas comédias. A procura pela justiça nos faz criar intrigantes histórias policiais, a nos levar a buscar o culpado, que a todo custo deve ser encontrado e sobre o qual a justiça deve ser exercida. Quando nos apaixonamos amor e idílio fluem em romances, poemas e canções apaixonadas.

Não gostaria que meus alunos se tornassem cínicos existencialistas nem frágeis sonhadores. Gostaria de encontrá-los valentes para o desafio de viver/ler esta grandiosa obra divina, que ora parece ficção científica tão imprevisíveis são os acontecimentos, ora um filme de terror protagonizado por mentes doentias e corações corrompidos, mas sempre instigante e cheia de fascínio nos impulsionando ao próximo capítulo.

Para mim, literatura é extrair significado do que está ao nosso redor, do que está abaixo e acima. Deste modo, é um exercício de humildade. Poeira procurando por seu sopro de vida que jaz lá dentro de si mesma. Neste momento então, percebemos o quão pequenos somos diante da imensidão da vida. No entanto, ao fazermos assim, nos tornamos grandes, damos sentido à vida, produzindo arte que vem do imprevisível , do pequeno e do grandioso, do normal ou do anormal, poemas que falam coisas onde parecia não haver voz alguma. O olhar do artista empresta à sua obra o seu valor.

Assim é o escritor, ele dá voz a mudos, vista a cegos , ou os cria... dependendo do olhar da criatura.

Para mim, literatura é a procura pela vida oculta na morte que nos rodeia, como intrusa. Vida que floresce no equilíbrio e na beleza, independente do sentimento latente no peito do escritor: dor , alegria , tristeza ou êxtase. É neste território onde fundamenta-se o nosso ser: criar, pensar, transformar, produzir – o verbo da vida em ação. A vida é pois palavras em movimento “ No princípio era o Verbo...A vida estava nele...” ( João 1:1, 4)

Por isso, a vida tem um propósito. Há um dever de casa a ser feito, este é o nosso destino – ler esta fina obra divina que somos nós mesmos. O propósito da nossa espécie é procurar por nós mesmos e encontramo-nos tão somente nele. “ Pois nele vivemos e nos movemos, e existimos... ‘ ( Atos 17:28)

Ou então produzir, a partir da angústia de não haver encontrado um criador, obras que exaltem a existência apenas e coloquem a morte como ponto final na existência.

Tudo depende do leitor...