DIFICULDADE VIRA PROBLEMA QUANDO A REGISTRAMOS COMO TAL
"Não se deve dar ao homem o que ele pode conseguir com o fruto do seu trabalho, sob pena de roubar-lhe a dignidade". Não sei em que li tão bela frase, mas o seu significado impregnou-se em mim. Bom seria se fosse entendida e executada por boa parte da sociedade, principalmente aquela que detém o poder, dá as ordens, põe as cartas. Assim, abrir-se-iam várias frentes de trabalho específicas para a pessoa com deficiência, qualificando-a para tal.
Por outro lado, é preciso que sejamos ousados, destemidos, corajosos, para reconhecer os nossos potenciais e igualar-nos competitivamente no mercado de trabalho, de acordo com a nossa capacitação, ao invés de nos escudar sob a deficiência, arrancando sentimentos de compaixão e aumentando os problemas sociais, além de conferir a nós mesmos um estado de subserviência, dependência e humilhação.
Lembro-me de uma ocorrência policial, cuja reclamação era de que um homem passava o dia inteiro na porta de um bar, jogando cartas, bebendo e mexendo com as mulheres que por lá passavam. Intimado, admoestado e concitado a arranjar um emprego, o homem, para mostrar a sua deficiência, cruzava insistentemente as pernas, deixando à vista uma delas que era complementada por um pedaço de madeira. Como me mostrasse indiferente à sua exibição, ele usou da palavra sem perceber que eu ocupava uma cadeira de rodas, atrás da mesa.
_ A senhora não vê que sou inválido, como posso trabalhar?
Dei uma derivada na cadeira e mostrei-me por inteira, acentuando as advertências.
_ Por que sua deficiência física não o impede de fazer arruaças, dirigir palavras obscenas aos que passam para o trabalho? Aqui, ela não será fator impeditivo para que o senhor seja preso. Dou-lhe um mês para arranjar emprego. Doravante estará vigiado por nossos policiais. Se persistir fazendo arruaças, não se engane, mandarei prendê-lo! Sua deficiência é insignificante para tanta ociosidade!
O homem nada mais disse. Dias depois, lá retornou espontaneamente acompanhado de um senhor, dono de uma frutaria, que o havia empregado.
É uma questão de cultura popular. O próprio deficiente, por vezes, acha-se incapaz. Acomoda-se, esquivando-se de lutar pelo seu espaço, pela sua independência, com medo de ser rejeitado. A mídia também tem culpa nisso, pois se preocupa em mostrar quase sempre o coitadismo, a invalidez, a miséria, a lamúria, e nunca a superação de problemas. Como formadora de opiniões, deveria investir no ser humano, despertando sua capacidade, incentivando-o à luta, valorizando o trabalho executado com os órgãos e membros que restaram ilesos ou mesmo deficientes. Talvez não saiba da função tutelar do Estado, faltando aí, também, um pouco de sensibilidade.