A imagem do indivíduo descontituída corrosivamente, na visão de artistas goianos da nova geração.
A imagem do indivíduo descontituída corrosivamente, na visão de artistas goianos da nova geração.
(Goiânia, GYN, Solá, Pitágoras, Sandro Gomide, artes plásticas, pintura, nova geração, artigo)
Dizem que os artistas são dotados de uma antena que os torna capazes de captar e antecipar os sinais de mudança no mundos dos homens. Nem sempre, mas em alguns casos, isso de fato corresponde à realidade.
Pego um jornal* de Goiânia e, leio uma reportagem sobre a presença de vários artistas goianos numa exposição de artes plásticas em Portugal, num evento do mundo lusófono, que envolve também, a música literatura. Foram convidados , de Goiás, Pitágoras, Marcelo Solá, Pablo de la Cruz, Sandro Gomide e, Camila Valle. Desse grupo, só pude conferir de perto o trabalho do dois primeiros - que orgulho, ver essa meninada mandando ver aqui e, lá fora, honrando a trilha deixada por Siron Franco e, tantos, tantos outros.
A reportagem está ilustrada por fotos dos quadros de Pitágoras, Solá e Gomide. Nos quadros do primeiro e do último, os artistas exploraram a imagem do indivíduo contemporâneo (no caso do segundo, a própria fotografia), o que configura uma prática dentro de uma constante da arte contemporânea.
Mas, o que interessa nessas pinturas é que a imagem do indivíduo está sempre em cheque, sob o efeito cruel de pinceladas cruas ou duras, em movimentos de borrões, de rabiscos, de corrosão por aditivo químico e, lançamento de camadas posteriores, também borradas, sobre a imagem desenhada e, pré-existente (no caso de Solá, embora ele explore com muito bom humor estruturas, objetos e maquinarias, a técnica, no geral é a mesma).
As imagens parecem todas parecem infantilizadas, destituídas de capacidade de real movimento humano (senão, mímica de indicação de movimentos próprios de fantoches) e, reduzidas ao mundo das duas dimensões, pois os pintores, usando de uma retratação de natureza também infantil, deliberadamente, omitem a imagem de fundo, ou apresentam esta imagem, que servia para contextualizar a personagem ou figura, fundida com a própria imagem do indivíduo, numa meio atmosfera perturbadora. Essa omissão da imagem de fundo, do contexto, nas imagens publicadas, de nada servem para valorizar ou ressaltar qualidades, na imagem desse indivíduo. Bem ao contrário, colocam-no numa situação delicada, indicando suas fraquezas, impotências e, desimportância.
Muito além das imagens de pintores do início do século passado, que procuravam interpretar a faceta do homem moderno, flagrado depois da longa vertigem em relação ao progresso do pensamento filosófico e, da ciência, num período em que se prenunciam e ocorrem duas devastadoras guerras, onde todos os pilares de uma civilização inteira é abalado e, cujo resultado ao fim, resulta na visão gelada de um mundo sombrio e, dividido - onde Picasso, por exemplo, visualizando esse homem, o retrata em várias dimensões diferentes num mesmo retrato, cujo resultado não é nada confortador - muito pelo contrário.
Tal exploração alcançou a todas as escolas artísticas, como é o caso do surrealismo, cuja lembrança nos trás imediatamente imagens pintadas por Margrite - onde o rosto do indivíduo e oculto por objetos fálicos ou arquétipos e, Dali, mostrando corpos que são resultado de justaposição de objetos ou imagens ou dorsos e torsos de imagens clássicas das quais se abrem gavetas aparentemente vazias, Climt, tentando devolver ao retrato do homem e dos relacionamentos humanos uma atmosfera onírica perdida (do que resulta uma imagem de sonho aparentemente tranqüila, mas que agita nossa mente) e, em fase mais recente, o desconforto das imagens bestiais de Francis Bacon e, entre nós, a exploração dos estereótipos da imagem do homem e, seus papéis, colocada em cheque com ferina ironia, por Siron Franco).
Os artistas goianos em questão, se situam deliberadamente dentro de um concerto do mundo atual, comentando sobre a imagem do indivíduo, do homem dos dias de hoje, cuja personalidade se encontra vazada da ausência de motivação real, de valores - e, capacidade de valoração, de vazios e, portanto destituída de contornos exatos, de configuração firme ou exata.
Me parece ser um retrato de um momento de ruptura, que indica exatamente o momento em que o resultado de uma série de mudanças se avolumam, onde o homem ganha um novo contorno ou status, diante da sua continuidade dentro de uma encruzilhada de natureza ética ou moral, diante de um tempo cuja medida ou contagem é cada vez mais detalhada, e, que no entanto, vem e depois, foge e foge, para cada indivíduo, em particular.
A imagem do orgulhoso homem moderno - cheia de elipses e contradições, está sendo publicamente apagada pelos artistas plásticos de hoje. Ao que tudo indica, eles se despedem dela sem saudades, ainda que não consigam ou não se ocupem ainda de apontar, objetivamente, a imagem do homem que lhe virá suceder.
*Jornal da Semana nº 42, caderno "fim de semana" Gyn, tarde de 27/03/2009.