A SAÚDE PÚBLICA

A SAÚDE PÚBLICA

Paulo Roberto Silveira

Médico Aposentado da Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro

Medico Perito Legista. Neurologista Forense • Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto

Departamento Geral de Polícia Técnico-Científica

Secretaria de Estado de Segurança Pública • Estado do Rio de Janeiro

Advogado - Direito Médico

“Na Saúde, o Corpo é Silêncio”

Alexis Carrell

1. Considerações Gerais

O setor saúde possivelmente é o que mais evidencia a crise estrutural e conjuntural que vive o País, expressa em sua população sofrida, envelhecida prematuramente, desdentada, desnutrida e faminta, que busca nas unidades assistências a última e única possibilidade de socorro.

O modelo econômico hegemônico nas últimas décadas, faz com que o setor de saúde sofra transformações qualitativas que criem condições de realização máxima de capital. Assim, o aumento da dependência em relação às multinacionais de equipamentos e medicamentos, aliados à uma estratégia de privatização crescente da assistência à saúde, faz com que o setor público progressivamente a assistência médica.

Ao mesmo tempo, a nível das próprias unidades da rede pública, torna-se mais comum a compra de serviços de limpeza, manutenção, vigilância e alimentação, que tradicionalmente eram realizados pelo setor público, encarecendo ainda mais a assistência prestada e obstaculizando os mecanismos de controle administrativo.

A compra de serviços médicos ao setor privado agrava a crônica desorganização do sistema, acentuando as distorções, com a ruptura entre as práticas preventivas e curativas. Com o tipo de assalariamento que estabelece, o sistema de saúde torna-se mais desigual e irracional, com as ações de promoção, manutenção e recuperação da saúde desintegradas artificialmente entre as instituições ditas de "Saúde Pública" (Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais) e a Previdência Social, através do Sistema Único de Saúde. Numa ótica imediatista, atendo-se aos problemas conjunturais da cidade do Rio de Janeiro, verificamos que os indicadores sócio-econômicos, apresentam o mesmo perfil de distribuição de renda observados no resto do país, com 60% da população economicamente ativa ganhando de um a dois salários mínimos.

Agravando essa situação, os fluxos migratórios dos empregos e sem terra, que multiplicaram nas favelas, trazem repercussões graves sobre a estrutura de serviços já deficientária das áreas urbanas.

A necessidade da saúde da população, se esbarram em situações que vão desde a inexistência ou ociosidade dos serviços, passando pelos vergonhosos e escandalosos casos de fraudes, trazendo à famigerada indústria da doença em torno de US$ 1,6 bilhão? Por situações como estas, pelo menos 35 milhões de brasileiros, já abandonaram o Sistema de Previdenciário de Saúde, se refugiando nos planos privados, de assistência, nos quais o médico também continua a ser explorado.

2. Organização de Saúde Pública no Brasil

Em 1808, com a vinda de D. João VI, se verificou o começo de uma efetiva organização de saúde pública no Brasil. Destacaram-se, como primeiras providências concretas em tal sentido, a criação, nesse ano, dos cargos de Provedor-Mor de Saúde da Corte do Estado do Brasil, e das Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, a aprovação, em 1810 da primeira lei visando a impedir a entrada de doenças pelos portos do Brasil e a fundação, no Rio de Janeiro, em 1812, de um laboratório clínico-prático.

Difícil se tornava, no entanto, a implantação e o controle das legislações sanitárias, num regime de administração centralizada, idêntico ao que vigorava em Portugal, um dos países mais adiantados da época. No Brasil, ao contrário, havia uma vasta extensão territorial praticamente inexplorada, grande dificuldade de comunicação entre as províncias. O estado da saúde da população, além disso, era deprimente.

Atendendo ao reclamo da classe médica, ocorreu, em 1828, a descentralização do sistema. Foi baixado um decreto extingüindo o cago de Provedor-Mor. Às Câmaras Municipais foi atribuído o encargo de, através de "Posturas Municipais", fixar as normas sanitárias e fiscalizar o comércio de drogas e o exercício da profissão médico-cirúrgica.

A nova organização do sistema, contudo, não obteve o sucesso esperado. As posturas, que proliferaram até 1832, eram citadas sem se levar em consideração a possibilidade de seu cumprimento, tornando-se impraticáveis. Nova campanha no sentido de restabelecer a autoridade central culminou com a criação, em 1850, da "Junta Central de Higiene Pública", facilitada pelo reaparecimento da febre amarela no País. A execução das normas fixadas pela Junta Central ficou afeta às juntas municipais, por ela coordenadas.

Ainda como atos do Império, cumpre ressaltar a fundação do Hospício D. Pedro II, em 1852, que passou, em 1890, a denominar-se Hospício Nacional de Alienados, e a do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854. Em 1881, a Junta Central de Higiene Pública, com sede no Rio de Janeiro; e finalmente, em 1886, foi criada a "Inspetoria Geral de Saúde dos Portos", visando a intesificar o bloqueio à entrada de doenças pelos portos do Brasil, antes a cargo dos Serviços de Saúde dos Portos.

Com a Proclamação da República, em 1889, foi estabelecida a autonomia dos Estados e considerados os Municípios como a célula fundamental da organização política do País. A descentralização administrativa alcançou também a área de saúde, quando em 1891, a Constituição propiciou transferência para os municípios das responsabilidades sanitárias e o desligamento da administração federal das Inspetorias de Higiene.

Em 1899, foi fundado o Instituto Benjamim Constant e, nesse mesmo ano, devido o surto de peste bulbônica, criavam-se o Instituto Butantã, em São Paulo, e o Instituto Soroterápico Municipal, no Rio de Janeiro. Em 1907, o Instituto Soroterápico deu origem ao Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos que, em 1908, foi alterado para Instituto Oswaldo Cruz.

Reestruturando a Diretoria-Geral de Saúde Pública, criada em fins do século XIX, Oswaldo Cruz transferiu novamente para o âmbito federal a administração de serviços de higiene, implantado naquela diretoria, uma Seção Demográfica, um Laboratório Bacteriológico, em Departamento de Engenharia Sanitária, uma Inspetoria de Isolamento e Desinfecção, e outros órgãos. Em 1904 fez com que se tornasse obrigatória em toda a república, a vacinação e a revacinação contra a varíola e fosse regulado o serviço de profilaxia de febre amarela. Toda a ação sanitária desenvolvida nas três primeiras décadas do período republicano foi quase que exclusivamente voltada para o campo da medicina preventiva.

As Caixas de Assistência e Previdência começaram a ser fundadas, por volta de 1923, que passaram a incluir entre os seus encargos, a prestação de assistência médica a seus segurados. Portanto a partir de 1923, notou-se uma divisão no desenvolvimento das atividades sanitárias no Brasil. No domínio da medicina preventiva foi mantida a ação da União na preservação da saúde coletiva. No domínio da medicina curativa, a assistência médico e hospitalar para os portadores de doenças não edêmicas, voltada para a preservação da saúde individual, ficou sendo da responsabilidade dos Estados, Municípios e os órgãos de Previdência.

Quanto em 1930 foi criada uma Secretaria de Estado denominada de Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública e outra denominada Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, as Caixas de Assistência e os Institutos de Aposentadorias e Pensões ficaram administrativamente vinculados ao Ministério do Trabalho, levando consigo o encargo da assistência médica e hospitalar aos trabalhadores.

Entre 1937 e 1941 foram descentralizados por oito regiões sanitárias, nas quais ficaram distribuídos Estados e Territórios; destaque especial às doenças transmissíveis, aos problemas de nutrição, à administração sanitária e enfermagem; criação de órgãos executivos de ação direta contra as endemias mais importantes.

O aumento de Imigração na época da II Grande guerra, obrigou à intensificação da defesa sanitária no Pais, havendo sido aprovado em 1942, o Regimento para o Serviço de Saúde dos Portos, órgão do Departamento Nacional de Saúde. Foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Foi criado em 1950, o plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). No plano da Saúde o Plano SALTE institucionalizou as campanhas contra a malária, a tuberculose, a peste, a lepra, a febre amarela, o câncer e outras doenças; intensificou a assistência alimentar e educação sanitária, a assistência médico-hospitalar e à maternidade e à infância, além de criar o programa de Higiene e Segurança do Trabalho.

Buscando dar maior autonomia e ampliação aos trabalhos relativos aos problemas de saúde, intensificados com a institucionalização do plano SALTE, foi, em 1953 criado o Ministério da Educação e Cultura e o Ministério da Saúde.

A experiência demonstra que dos casos que ocorrem num sistema de cuidados médicos primários, sessenta e oito por cento deles são de doenças frequentes, banais, autocuráveis, a exigir cuidados mínimos ou simples aplicação de rotinas pré-estabelecidas. As doenças graves matadoras representam cerca de seis por cento da morbilidade total. As doenças crônicas de longa duração e causadoras de incapacidade permanente, representam os restantes vinte e seis porcento.

Para cada área de saúde existem um ou mais tipos de ações básicas de saúde:

a) Saúde de Criança - tratamento das diarréias,

b) Saúde da Mulher - acompanhamento dos períodos de gestação e climatério.

c) Saúde do Adulto - tratamento e prevenção de doenças endêmicas locais e luta contra elas.

d) Oftalmologia - tratamentos das doenças inflamatórias dos olhos, conjuntivite.

e) Doenças Sexualmente Transmissíveis - tratamento e prevenção da Sífilis, Conorréia, AIDS, etc.

f) Dermatologia - orientação para ratamento de pedículos (piolhos) e dermatoses fúngicas (frieiras).

g) Doenças Infecciosas - atenção a casos de hepatite, dengue, cólera, meningites, etc.

h) Oncologia - prevenção a câncer do colo do útero (controle e coleta de Papanicolau) e prevenção do câncer de mama (orientação para auto-exame de mama).

i) Saúde Mental - prevenção e tratamento das doenças mentais.

j) Ortopedia - atenção para casos de lombalgia no adulto e pés tortos congênitos, e traumatismo comuns.

k) Higiene - abastecimento de água potável e serviços de saneamento básico, confecção de fossas etc.

l) Neurologia - Prevenção e Tratamento da Epilepsia

m) Nutrição - promoção do abastecimento e nutrição essenciais.

n) Educação - educação sobre os principais problemas de saúde.

São apenas alguns casos de exemplos, de ações básicas de saúde. São áreas e algumas doenças cujo tratamento ou prevenção são feitos por enfermeiras ou auxiliares, após o diagnóstico do médico. Cabe, também, às próprias equipes das unidades, definir esquemas próprios de trabalho, levando em conta as peculiaridades e necessidades da população alvo a ser atendida.

Este processo motivo grande polêmica porque implica em mudança de esratégia que resulta em optar por tecnologias simples e baratas, ao invés de sofisticadas tecnologias importadas, o que significa incomodar o mercado dessas tecnologias; leva o sistema formador de recursos a sentir uma defasagem com a realidade onde vão atuar os profissionais que preparam e mobilizam a comunidade para sua condição. O processo proposto convoca a comunidade a participar de algo que ela possa acreditar e, dependendo do modo como for conduzido, pode ter efeitos biopsicossociais grandemente positivos, mostrando ao indivíduo que ele pode participar do bem-estar e dele deve ser um fiscal e construtor responsável num verdadeiro mutirão comunitário cujo objectivo final será o atendimento do tão almejado BEM COMUM.

Ao Ministério da Saúde foram atribuídas as funções de competência a União, no campo da saúde, estituídas pela Constituição de 1946, estabelecendo planos nacionais de saúde, regulamentar a atividade médica e paramédica, exercer a ação preventiva em geral, o controle dos medicamentos e alimentos e a vigilância sanitária de fronteiras e portos e, finalmente, realizar pesquisas médicos-sanitárias em todo o território nacional.

A maior parte das funções de saúde individual a cargo da União, compreendendo a assistência médica e hospitalar, ficou na área do Ministério do Trabalho e Previdência Social, ficando quase que somente as funções de saúde coletiva, combate às endemias, profilaxia de moléstias infecto-contagiosas, à cargo do Ministério da Saúde. O endino médico conservou-se sob coordenação do Ministério da Educação e Cultura, executando-se as atividades da Escola Nacional de Saúde Pública que, fundada em 1959 pelo Instituto Oswando Cruz ficou vinculada ao Ministério da Saúde.

3. Ações Básicas de Saúde

Os serviços de Atenção Primária a Saúde, de Ações Básicas de Saúde, de medicina simplificada, considerando os objetivos do BEM COMUM, são imprescindíveis no mecanismos sociais de bem-estar. É o ponto mais periférico do Sistema, absorvendo com tecnologia simples de baixo custo as camadas da população que na ausência do serviço ou eficácia deste, deriva para medidas simples de cuidar a saúde, de modo alternativo, empírico, doméstico. Resultou de dificuldades geográficas, demográficas, de meios de transporte e comunicação e da carência de recursos como respostas criativas do homem às dificuldades próprias, tendo curso a sua existência há longa data.

4. Considerações Finais

A saúde pública foi e sempre será reconhecida como função do Estado de Direito, originado das Revoluções Burguesas. Era preciso equilibrar, ainda que se reconhecesse a precariedade da conquista, a liberdade individual e a igualdade social. Admite-se, portanto, a legitimidade da ação estatal para proteger a sociedade mesmo quando sua atuação restringe o direito individual. É o poder de política do Estado que, na versão liberal, é a faculdade de impor limites e restrições aos direitos individuais, com a finalidade de salvaguardar a segurança, a saúde e a moralidade pública contra os ataques e perigos que poderiam ofendê-las.

A organização do proletariado revelou a insuficiência da atuação limitadora do Estado exigindo-lhe participação ativa na vida social. A saúde não seria direito de todos sem a prestação de serviços públicos, oferecidos diretamente a quem deles necessitasse. Configura-se, então, nova função estatal: a obrigação de cuidar daqueles que não são capazes de fazê-lo por si próprios, fundada , conforme tradicional, no poder de política especial, enquanto parens patriae, do Estado.

PAULO ROBERTO SILVEIRA
Enviado por PAULO ROBERTO SILVEIRA em 27/05/2009
Código do texto: T1618167
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