O TRATAMENTO CLINICO E CIRURGICO DAS EPILEPSIAS.
O Tratamento Clínico e Cirúrgico das Epilepsias
Paulo Roberto Silveira
Médico Aposentado da Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro
Medico Perito Legista. Neurologista Forense • Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto
Departamento Geral de Polícia Técnico-Científica
Secretaria de Estado de Segurança Pública • Estado do Rio de Janeiro
Advogado - Direito Médico
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O Tratamento das Epilepsias
“No que concerne à doença chamada de sagrada: Parece-me que de maneira alguma seja mais divina ou mais sagrada
do que outras doenças, mas sim que tenha uma causa natural, de qualquer origem, como ocorre em outras afecções”
(Hipócrates, médico grego nascido no ano 460 A.C.)
Introdução
A epilepsia é tão antiga como a própria humanidade, sendo uma entidade mórbida conhecida desde vários séculos antes de Cristo. Pela sua incidência, pelas suas manifestações, por vezes dramáticas, e pelas repercussões sociais que acarreta, vem atraindo a atenção de médicos e leigos há mais de 2000 anos.
O termo epilepsia significa ser atacado bruscamente, de surpresa. AVICENA foi o primeiro a utilizar tal denominação, no século XI.
A doença recebeu uma imensa variedade de nomes, durante o passar dos séculos. Na literatura médica, morbus sacer (doença sagrada) morbus demoniacus (doença demoníaca), morbus comicialis (doença comicial), morbus caducus (doença caduca), epilepsia e morbus insputatus, foram os mais usados. Esta última denominação advém do fato de que, entre certos povos, se costumava cuspir no doente em crises convulsiva. Os romanos tinham o hábito de interromper os seus comícios se algum espectador apresentasse uma crise epiléptica. Daí surgiu a denominação de morbus comicialis.
Algumas das denominações utilizadas dão-nos uma idéia a respeito do que se pensava fosse a etiologia da doença.
Na própria Bíblia, os epilépticos eram tratados por exorcismos com os quais os espíritos invasores deveriam ser expulsos do pobre enfermo com a finalidade de permitir a libertação do espírito maligno, enclausurado no cérebro do paciente, orifícios de trépano eram praticados com grande perícia.
Julgou-se, a princípio, que a moléstia dependesse de forças sobrenaturais, divinas ou demoníacas. HIPÓCRATES opôs-se vivamente a tais hipóteses e, quatro séculos antes de Cristo, elaborou teorias, mostrando as relações da epilepsia com alterações da fisiologia cerebral. GALENO, cerca de cinco século após HIPÓCRATES, também admitia a origem cerebral da epilepsia, mas dizia que outras partes do corpo também poderiam ter uma participação na causa da doença.
Os conhecimentos modernos sobre a epilepsia tiveram início com HUGHLINGS JACKSON e WILLIAM COWERS. O primeiro estabeleceu, em 1870, o conceito de foco irritativo cerebral. GOWERS classificou as epilepsias em dois grupos: as resultantes de lesões orgânicas cerebrais demonstráveis e aquelas em que não se evidenciavam tais lesões.
A eletroencefalografia, introduzida por BERGER na quarta década do nosso século, permitiu o registro de descargas epilépticas, contribuindo para a elucidação dos mecanismos fisiológicos das crises convulsivas
Antes do nosso século, os epilépticos receberam os tratamentos mais variados e mais estapafúrdios possíveis, chegando, por vezes se comparados com os meios atuais às raias do absurdo. A terapêutica anti-epiléptica só se tornou verdadeiramente eficaz nos últimos 50 anos, com o uso dos barbitúricos e, posteriormente, com os hidatoinatos.
Em virtude dos preconceitos tão profundamente arraigados durante séculos, a epilepsia continua sendo, ainda, nos tempos de hoje uma doença mística e maligna. Provavelmente no futuro com um maior esclarecimento popular, tais preconceitos se esmoreçam, e quando esse dia chegar, os epilépticos se sentirão mais a vontade, portadores que são de uma doença como outra qualquer e com a vantagem de tratamento fácil e viável economicamente.
O termo epilepsias engloba todas as condições mórbidas crônicas, caracterizadas clinicamente por crises epilépticas recorrentes. A crise epiléptica é o resultado de uma descarga súbita, excessiva e anormal, que pode ocorrer em qualquer população neuronal do sistema nervoso central (SNC).
Na definição das epilepsias , os termos crônicas e recorrentes assumem a maior importância. Assim, afecções cerebrais transitórias, que determinem crises convulsivas isoladas, não se devem rotular como epilepsias. A distinção entre crises convulsivas isoladas, em pacientes não epilépticos, e epilepsia, é freqüentemente, imprecisa e difícil, depende da freqüência, do número e da duração das crises. A importância prática de tal distinção é tanto no que diz respeito às implicações sociais, como na orientação terapêutica.
I
CLASSIFICAÇÃO DAS EPILEPSIAS
Até o momento não se conseguiu estabelecer uma classificação prática e simples das epilepsias, ou seja, das várias doenças crônicas, cujo sintoma dominante, senão único, é representado por crises convulsivas recorrentes. Por outro lado, a classificação dos diferentes tipos de crises epilépticas é relativamente fácil.
As crises epilépticas são classificadas, do ponto de vista clínico e eletroencefalográfico em:
-Crises com perda inicial da consciência, alterações motoras generalizadas, bilaterais e simétricas e distúrbios vegetativos globais. As alterações eletroencefalográficas são difusas, bilaterais, síncronas e simétricas. A descargas neuronal responsável parece se originar em estruturas cerebrais profundas (centrecéfalo) e propaga-se, através das vias de projeção difusa, a todas as áreas corticais. Estas crises são classificadas como centrencefálicas, centrais, difusas ou generalizadas.
Dentre as crises epilépticas generalizadas distinguem-se um grupo convulsivante (tônico-clônicas ou crise grande mal, tônicas, clônicas, espasmos infantis e miôclonias bilaterais) e um grupo não convulsivante (ausências típicas ou crise tipo pequeno mal, ausências atípicas, crises atônicas e crises acinéticas).
-Crises em que o primeiro sintoma clínico indica ativação de sistemas anatômicos ou funcionais bem delimitados. As alterações eletroencefalográficas são restritas pelo menos no seu início, a uma região do encéfalo. São as crises focais ou parciais. Tais crises são classificadas segundo suas características clinicas em:
-Crises motoras (jacksonianas, versivas, mastigatórias).
-Crises sensitivas (sômato-sensitivas, visuais, auditivas, olfatórias, gustativas, vertiginosas).
-Crises vegetativas (gastrintestinais, cardiocirculatórias, respiratórias, sexuais).
-Crises psíquicas (ilusões, alucinações).
-Crises psicomotoras (automatismos)
A classificação das epilepsias baseia-se em critérios relativos às crises convulsivas, tais como freqüência, fatores precipitantes, quadro clínico, mecanismos fisiopatológicos, etiologia e idade do aparecimento dos ataques. Assim, um dado caso pode ser considerado sob diferentes aspectos e classificado em várias categorias.
Classificação das epilepsias de acordo com a freqüência e com os fatores desencadeantes das crises epilépticas
CRISES ISOLADAS - São, usualmente, generalizadas. Ocorrem em pacientes, de qualquer grupo etário, na vigência de processos que aumentam, transitoriamente, a excitabilidade cerebral ou diminuem o limiar convulsivo. Não constituem verdadeira epilepsia. Fatores diversos atuam como desencadeantes destas crises: hipertemia, reação a vacina, intoxicações exógenas ou endógenas, distúrbio circulatórios, processos inflamatórios.
CRISES RECORENTES (EPILEPSIAS) - A freqüência das crises e a sua evolução variam de paciente para paciente. Sendo assim, podem aparecer:
ESPONTÂNEAS - Quando não há fatores desencadeantes previsíveis.
Podem variar de algumas crises durante toda a vida, até centenas de crises por dia. Constituem a grande maioria.
CÍCLICAS - Quando as crises apresentam certa periodicidade.
Relacionam-se, em alguns casos, a fatores precipitantes conhecidos.
Há crises que só aparecem durante o sono, diurno ou noturno (epilepsia morféica ou hípnica). Outras estão relacionadas a fatores hormonais, como as crises do período pré-mestrual (epilepsia catamenial) e as crises da gravidez (epilepsia gravídica).
EVOCADAS- Constituem uma minoria. São desencadeadas por fatores sensoriais (estímulos visuais, acústicos, sômato-sensitivos, interoceptivos) e por fatores não sensoriais (hipertermia, hiperpnéia, exaustão física ou intelectual, ingestão de álcool, distúrbios metabólicos, emoções). As crises cíclicas, provocadas por estímulos sensoriais, são conhecidas como epilepsias reflexas.
CRISES PROLONGADAS E REPETIDAS - Representam o status epilepticus.
Classificação das epilepsias de acordo com o quadro clínico e a fisiopatologia das crises epilépicas
EPILEPSIAS GENERALIZADAS - Compreendem os casos em que há repetição crônica das crises convulsivas generalizadas. Formas puras de epilepsias generalizadas são raras. Freqüentemente há associação de mais de um tipo de crise que se alternam a intervalos variáveis.
EPILEPSIAS PARCIAIS - Caracterizam-se por crises focais recorrentes.
Classificação das epilepsias de acordo com a etiologia das crises epilépticas
As epilepsias são divididas, conforme a demonstração ou não do agente lesional cerebral, em orgânicas e não orgânicas (funcionais).
EPILEPSIAS FUNCIONAIS - Compreendem os casos em que não há lesão epileptógena orgânica demonstrável, resultando de distúrbios cerebrais transmitidos geneticamente ou adquiridos através de distúrbios metabólicos. As crises convulsivas das epilepsias funcionais geralmente são generalizadas.
Dentre os fatores metabólicos mais importantes, no desencadeamento de crises epilépticas, há: distúrbios do metabolismo da piridoxina, distúrbios hidroeletrolíticos (hipocalcemia, hiponatremia, intoxicação hídrica), distúrbios metabólicos da insuficiência renal e hepática, distúrbios do metabolismo dos hidratos de carbono (hipogricemia, galactosemia), toxemia da gravidez. Na maioria das vezes, mecanismos hereditários e metabólicos estão associados na determinação das crises epilépticas.
EPILEPSIAs ORGÂNICAS - As crises convulsivas são na maioria das vezes, parciais, com ou sem generalização secundária. As principais causas, responsáveis por tais crises epilépticas são:
1. No período pré-natal - doenças infecciosas e parasitárias maternas (sífilis, rubéola, toxoplasmose), doenças hemorrágicas, incompatibilidade sangüínea (fator Rh), exposição a irradiações, hipóxia intra-uterina.
2. Nos períodos natal e neonatal - Prematuridade, hipermaturidade, traumas de parto, icterícia neonatal, outras causas que determinam anóxia cerebral.
3. No período pós-natal - As lesões epileptógenas após o nascimento são divididas em:
- Congênitas: malformações vasculares (síndrome de Sturge-Weber), esclerose tuberosa de Bourneville, cranioestenose.
- Adquiridas: encefalites, meningites, encefalopatias, doenças parasitárias (cisticercose, hidatidose), traumas cranioencefálicos, afecções vasculares cerebrais, intoxicações (monóxido de carbono, chumbo, álcool), lesões expansivas cerebrais (neoplasias, abscessos), doenças degenerativas.
- As Epilepsias orgânicas e as metabólicas são conhecidas como epilepsias sintomáticas.
ANATOMIA PATALÓGICA - As epilepsias orgânicas podem ser causadas pelos mais variados agentes (infecções, tumores, traumas, alterações vasculares etc.) Nestes casos, evidentemente, os aspectos anatomopatológicos variam de acordo com o agente etiológico.
As assim chamadas epilepsias funcionais caracterizam-se de um ponto de vista anatomopatológico, pela ausência de lesões epileptógenas demostráveis. Nestes casos, quando se encontram alterações cerebrais, estas seriam, para alguns, conseqüência de distúrbios circulatórios ocorridos durante as crises convulsivas.
Nos casos em que as convulsões ocorrem muito tempo após uma agressão ao encéfalo, encontram-se lesões cicatriciais. Verificam-se com maior freqüência, no hipocampo (esclerose do corno de AMON) e no córtex cerebral.
Nesta, podem surgir células anormais na sua camada tangencial (células neuroblastiformes e células de Cajal-Retzius) ou pode ocorrer a chamada gliose de Chaslin. Em outras eventualidades, encontra-se um dano córtico-cerebral severo (em um lobo, em um ou em ambos hemisférios). Estruturas subcorticais também podem ser acometidas, como, por exemplo, o tálamo, o corpo estriado e o cerebelo.
Classificação das epilepsias de acordo com a idade de aparecimento das crises epilépticas
EPILEPSIAS DO RECÉM-NASCIDO - O Cérebro do neonato é muito excitável, porém incapaz de descarregar de modo uniforme e global. Nesta fase da vida, a epilepsia se traduz por crises convulsivas parciais, com descargas neuronais que variam de região para região, de um ou de ambos os hemisférios cerebrais (crises errativas do recém-nascido).
EPILEPSIAS DA INFÂNCIA - No segundo ou terceiro ano de vida, o cérebro é muito excitável. Progressivamente, torna-se capaz de descarregar de modo difuso. Predominam as crises convulsivas generalizadas ou hemigeneralizadas.
A partir do terceiro ano de vida há acentuada redução da predisposição do aparecimento de crises convulsivas. A tendência do cérebro, em descarregar difusamente determina o maior número de crises generalizadas nesta faixa etária.
EPILEPSIAS DO ADOLESCENTE, DO ADULTO, E DO VELHO - A partir da puberdade, há maior redução da predisposição à epilepsia. Crises de origem funcional são raras. Cedem lugar a crises de origem orgânica, geralmente parciais.
CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS CRISES EPILÉPTICAS:
GENERALIZADAS
(centrencefálicas, centrais, difusas)
Convulsivas tônico-clônicas (grande-mal)
clônicas
espasmos-infantis
mioclônicas bilaterais
Não convulsivas ausências típicas (pequeno-mal)
Ausências atípicas
Atônicas
Acinéticas
FOCAIS
(parciais)
Motoras JACKSONIANAS
Versivas
mastigatórias
Sensitivas sômato-sensitivas
Visuais
Auditivas
Olfatórias
gustativas
vertiginosas
Vegetativas gastrintestinais
cardiocirculatórias
respiratórias
Sexuais
Psíquicas ilusões, alucinações
Psicomotoras automatismo
OUTRAS CLASSIFICAÇÕES:
DE ACORDO COM A FREQÜÊNCIA E COM OS FATORES DESENCADEANTES DAS CRISES EPILÉPTICAS - crises isoladas, crises recorrentes (epilepsias) {espontânea, cíclicas, evocadas}, crises prolongadas e repetidas (Status epilepticus)
DE ACORDO COM O QUADRO CLÍNICO E A FISIOPATOLOGIA DAS CRISES EPILÉPTICAS - epilepsias generalizadas, epilepsias parciais
DE ACORDO COM A ETIOLOGIA DAS CRISES EPILÉPTICAS - epilepsias funcionais (não orgânica) epilepsias orgânicas.
DE ACORDO COM A IDADE DE APARECIMENTO DAS CRISES EPILÉPTICAS - epilepsias do período neonatal, epilepsias da primeira infância, epilepsias da segunda infância, epilepsias da adolescência, da idade adulta e da senilidade.
II
TRATAMENTO CLÍNICO DAS EPILEPSIAS
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
O tratamento médico das epilepsias visa não somente ao controle das crises, mas também à criação de condições para que o paciente leve uma vida tão normal quanto possível. Para que tais objetivos sejam atingidos, os seguintes pontos devem ser levados em consideração:
-Utilização de drogas anticonvulsivantes de forma adequada - É o principal item no tratamento do paciente epiléptico.
-Manutenção do equilíbrio orgânico do paciente - Medidas de ordem geral devem ser tomadas visando manter a higidez física do paciente. Assim, qualquer desequilíbrio endócrino ou metabólico deve ser detectado e corrigido, processos infecciosos devem ser diagnosticados e tratados convenientemente, bebidas alcoólicas são proscritas, repouso adequado e atividade física regular são aconselhados.
-Manutenção do equilíbrio psíquico do paciente - O paciente e seus familiares devem ser esclarecidos, da melhor forma possível, a respeito da doença, utilizando-se, para isso, uma linguagem que seja perfeitamente acessível como:
-O que é a doença e, para tanto, as expressões “disritmia cerebral” ou “alteração da atividade elétrica do cérebro” podem ser usadas.
-Trata-se de uma doença adquirida ( o que é válido para a maioria dos casos) e que, portanto, não implica em estigma para a família nem em prejuízo para os filhos do paciente.
-Não é uma doença degenerativa e, se devidamente tratada, não tende a levar o paciente à deterioração mental.
-Seu tratamento, embora prolongado, é bastante satisfatório para grande maioria dos casos.
O paciente deve ser encarado no sentido de levar uma vida tão normal quanto possível. Entretanto, o exercício de atividades, que possam oferecer riscos quer para si, quer para outros (guiar carro ou esportes como natação equitação etc.), deve ser judiciosamente considerado. Medidas especiais tais como psicoterapia e orientação profissional serão tomadas perante os casos em que os distúrbios intercríticos ou a freqüência das crises interfiram nas atividades habituais do paciente.
2. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
- NORMAS GERAIS
O tratamento clínico da epilepsia visa fundamentalmente ao controle das crises, ou seja, evitar o aparecimento das mesmas, utilizando para tanto drogas específicas em quantidade suficiente para prevenir as crises sem que, no entanto, ocorram efeitos colaterais mais indesejáveis que a própria doença.
Uma vez instituído o tratamento, ele deve ser mantido ininterruptamente até que os controles clínico e eletroecenfalográfico favoráveis permitam considerar a possibilidade da redução ou mesmo da retirada da droga. O tratamento deve ser iniciado com as drogas de eleição para o tipo da crise. Na medida da resposta clínica e eletroencefalográfica, será modificado, se necessário, até se obter a resposta ideal. Caso se evidencia a necessidade da mudança de drogas, elas devem ser substituídas paulatinamente. A administração de qualquer substância só será interrompida de imediato e substituída por outra, se eclodirem reações colaterais sérias. Outro fator que o médico deve ter sempre em mente é que a interrupção do tratamento por qualquer motivo, poderá favorecer e muito o aparecimento das crises, chegando mesmo, em alguns casos, a levar o paciente até o estado de mal.
- DROGAS ANTICONVULSIVANTES
CARBAMAZEPINA
A carbamazepina é eficaz na profilaxia de crises parciais simples ou complexas, e crises tônico-clônico generalizadas. Junto com a definilhidantoína, constitui-se na droga de primeira escolha para as crises parciais, sendo geralmente a melhor tolerada. A carbamazepina parece agir bloqueando canais de sódio, a nível pré e pós-sináptico: a nível pós-sináptico, esse bloqueio limita a tendência a potenciais de ação sustentados, repetitivos, de alta freqüência. A nível pré-sináptico, o bloqueio de canais de sódio reduz a entrada de cálcio nos terminais, com isto reduzindo a liberação de neurotransmissores. Em função da tendência à neurotoxicidade, o tratamento com carbamazepina deve ser iniciado em doses baixas, com aumentos de 100 a 200 mg a cada 2 a 4 dias. A maior parte dos pacientes usa entre 800 a 1600 mg/dia de carbamazepina, mas isto é extremamente variável. Com a meia-vida da carbamazepina é da ordem de 12 horas, em geral a dose total diária é dividida em três a quatro tomadas. A preparação com liberação controlada da droga, é absorvida de forma mais homogênea e tem uma meia-vida maior, próximo a 18-24 horas, o que teoricamente permite a fragmentação da dose diária em duas tomada. Mais do que qualquer outra drogas antiepilépticas, a carbamazepina tem a potencialidade de auto-indução do sistema enzimático responsável por seu metabolismo. Com isto, mesmo quando usada em monoterapia, a meia-vida diminui após as primeiras semanas de tratamento, e isto deve ser levado em conta na eventual recorrência das crises. A interação com outras drogas epilépticas é bastante complexa. Entretanto, é fundamental não esquecer que a politerapia com a defenilhidantoína, fenobarbital ou primidona frequentemente reduz os níveis séricos da carbamazepina. Não raro, um controle insatisfatório das crises com a terapêutica combinada é revertido com o uso de carbamazepina em monoterapia, e em doses adequadas. Infrequentemente, a interação pode ocorrer a direção oposta, com a elevação dos níveis séricos de carbamazepina. Obervamos que, frequentemente, as doses de carbamazepina estão abaixo das necessárias para o controle das crises. A maior parte dos pacientes adultos tolera doses entre 1400 mg e 1800 mg/dia, desde que os incremetos da dosagem sejam suaves (de 100 em 100 mg, a cada 3-4 dias) e os intervalos da dose sejam bem planejados.
Os principais efeitos colaterais dose-dependentes a carbamazepina são: diplopia, visão borrada, sonolência, cefaléia, náuseas e epigastralgia. Para-efeitos indossincráticos graves são raros, e principalmente relacionados à suspensão de função de medula óssea. Comparado com fenobarbital, primidona e difenil hidantoína a carbamazepina tem relativamente menos para-efeitos, o que a faz uma das drogas antiepilépticas mais utilizadas. Apesar disto, 5 a 10% dos pacientes apresentam um rash cutâneo, que pode cessar apenas com a suspensão da medicação. Algumas vezes, entretanto, esse rash é dose-dependente, desaparecendo com a redução da dosagem total diária. Contrariamente aos barbitúricos e benzodiazepínicos, a carbamazepina não causa dependência física. Assim, a suspensão do fármaco pode ser feita de forma rápida, sem que se corra o risco de uma exacerbação de crises somente pela retirada.
FENITOÍNA
A fenitoína é uma drogra antiepiléptica bastante eficaz, e não há diferenças estatisticamente significativas entre a ela e a carbamazepina na prevenção de crises parciais e crises tônico-clônico generalizadas. Entretanto a fenitoína está associada a um ampla aspecto de efeitos adversos, especialmente alterações cosméticas (hiperplasia gengival, hirsutismo, distorções na estética facial), que ocorrem em 20 a 25% dos pacientes, e psico-sociais (agressão, desação, alteração de memória). Assim tem sido considerada como droga de segunda escolha, especialmente em mulheres jovens. Uma particularidade farmacocinética da fenitoína é o fenômeno conhecido como cinética de ordem zero: na medida em que a concentração sérica aumenta, a capacidade do sistema enzimático hepático responsável pela metabolização da droga torna-se saturada. Desta forma, pequenos incrementos na dosagem podem levar a grandes elevações dos níveis séricos, produzindo, assim, efeitos colaterais indesejáveis.
À medida que aumentam os níveis plasmáticos de fenitoína, efeitos colaterais relacionados a neurotoxidade passam a ocorrer. Os principais são: sonolência, disartria, ataxia, tremor e nistagmo. A dosagem média diária de fenitoína é de 300 mg. Como a meia-vida da fenitoína é de aproximadamente 24 horas, a dose total diária poderia ser ingerida em uma única tomada. Entretanto, alguns aspectos práticos ligados à adaptação do esquema terapêutico às necessidades individuais de cada paciente epiléptico fazem com que, seguidamente, a dose total diária tenha de ser dividida em duas a três tomadas. Um aspecto fundamental, entretanto, é que elevações na dosagem total diária de fenitoína devem respeitar as características da cinética de ordem zero, e ser feitos adicionando-se quantidades pequenas, como 25 ou 50 mg, para evitar um aumento brusco dos níveis séricos, com o aparecimento de neurotoxidade.
A fenitoína é um potente redutor enzimático, e tende a reduzir os níveis séricos de outras drogas antiepilépticas, além de anticoagulantes e anticoncepcionais orais. Como tem um metabolismo hepático saturável, seus níveis séricos são elevados pelo uso concomitante de um sem-número de inibidores enzimáticos, como álcool, cimetidina, imipramina, isoniazida, salicilatos e fenotiazínicos, entre outros.
VALPROATO DE SÓDIO
A introdução do valproato de sódio constitui-se em um dos grandes avanços na história recente da terapêutica antiepiléptica, na medida em que esta droga age na prevenção de crises tônico-clônico generalizadas, crises de ausência e crises mioclônicas. Assim, é a droga de escolha no manejo das síndromes epilépticas generalizadas primárias, as quais comumente apresentam estes três tipos de crises, em proporções variáveis. O valproato de sódio baseia sua ação antiepiléptica tanto interferindo com a condutância ao sódio (de forma similar à carbamazepina ), quanto aumentando a inibição neural mediada pelo ácido-gama-aminobutírico. Sua indicação como monoterapia para crises parciais é discutível, apesar de alguns estudos controlados terem demonstrado uma eficácia similar à carbamazepina. Os efeitos colaterais comuns são: tremor, aumento de peso, perda de cabelo e edema de tornozelo. É importante ressaltar que o valpoato de sódio praticamente não leva a distúrbio cognitivos, naqueles pacientes que toleram bem o fármaco. Existe um risco de hepatotoxicidade severa, mas este parece limitado a crianças com menos de 3 anos de idade, em geral com retardo mental e outras desordens metabólicas coexistentes.
O valproato de sódio não leva a indução enzimática, e sua associação em politerapia eleva os níveis de outras drogas antiepilépticas. Deve-se evitar a desfavorável interação farmacodinâmica entre o valproato de sódio de 1000 a 3000 mg/dia em crianças maiores e adultos. Como visto para outros fármacos, a introdução deve ser lenta, com elevação progressiva da dosagem. Por ter uma meia-vida entre 12 e 18 horas, o valproato de sódio idealmente deve ser administrado em três ou quatro tomadas diárias.
CLOBAZAN
O clobazan é um benzodiazepínico cuja estrutura química diferenciada reduz a incidência de sedação e possivelmente de tolerância ao efeito antiepiléptico, tão comumente observadas com o emprego de outros benzodiazepínicos. Apesar de ser uma droga relativamente antiga, sua aplicação como fármaco antiepiléptico tem uma história recente. O clobazan geralmente não é empregado como monoterapia, não se constituindo na droga de escolha para o controle de nenhum tipo de crise epiléptica. Entretanto, tem sido considerado como um excelente adjuvante ao tratamento com outras drogas epilépticas, especialmente a carbamazepina e o valproato de sódio. Por não ter efeito indutor enzimático significativo, esta associação constitui o que denominamos “politerapia racional”. Neste ínterim, o clobazan pode ser extremamente útil no controle dos mais diversos tipos de crises, porém particularmente crises parciais seguidamente empregados no tratamento de epilepsias generalizadas, tanto em crise tônico-clônico generalizadas, tônicos ou atônicas axiais. Assim é seguidamente empregado no tratamento de epilepsia generalizadas secundárias, como a síndrome de LENNOX, ou nas epilepsias parciais refratárias à monoterapia com a carbamazepina ou fenitoína. Além disto, pode ser usada de forma intermitente nas exacerbações de crises relacionadas ao período mestrual, ou a situações particularmente estressantes da vida diária. O item tolerância do efeito antiepiléptico é bastante discutido na literatura, sua incidência variando de muito a pouco frequente. A dose diária varia de 10 a 60 mg, divididas em duas a três tomadas. Apesar de comumente não produzir sedação excessiva, muitos pacientes referem irritabilidade e fadiga excessiva. Alguns passam a ter um comportamento agressivo.
CLONAZEPAN
O clonazepan é outro benzodiazepínico, com ação antiepiléptica conhecida para crises mioclônicas e crises tônico-clônico generalizadas. Assim, com o clonazepan, é frequentemente reservado apenas àquelas epilepsias refratárias ao tratamento com outros fármacos, e aí geralmente com politerapia. Alguns pacientes com crises parciais podem beneficiar-se de associação entre a clonazepan e carbamazepina. O principal para-efeito do clonazepan é a sedação, o que seguidamente limita o seu uso ou emprego de doses mais efetivas. Muitos pacientes desenvolvem tolerância, com a droga perdendo sua eficácia ao longo de alguns meses. Por causar dependência física, sua suspensão abrupta frequentemente desencadeia uma exarcerbação de crises, o que aconselha uma retirada lenta e gradual.
FENOBARBITAL
O fenobarbital é provavelmente a mais tradicional das drogas antiepilépticas. Estudos controlados recentes mostram dois aspectos distintos deste fármaco, o qual foi, por várias décadas, o “pilar” do tratamento antiepiléptico: por um lado está confirmada sua eficácia terapêutica no tocante ao controle de crises parciais e crises tônico-clônico generalizadas, sendo inclusive comparável àquelas da carbamazepina e da fenitoína; por outro lado, está bem estabelecido que seu uso crônico causa muito mais efeitos colaterais ligado às esferas cognitivas (fadiga, falta de concentração) e comportamentais (irritabilidade, hipercinesia e agressão, em crianças) além de haver o desenvolvimento de tolerância ao efeito antiepiléptico. Com tudo apesar disto, muitos neurologistas ainda apregoam seu uso. As razões para tal são extremamente variáveis, e vão desde o seu baixo custo, à falta de experiência com outras drogas, como carbamazepina e fenitoína e o valproato de sódio. Assim como os benzodiazepínicos, a suspensão do tratamento com a fenobarbital deve ser extremamente lenta e gradual, para evitar o risco bem estabelecido de uma exarcerbação das crises. Recomenda-se diminuir 20 a 25 mg a cada duas ou três semanas.
PRIMIDONA
A primidona é metabolizada parcialmente a fenobarbital, de forma que a maior parte dos aspectos relacionados ao seu uso são similares. Entretanto, deve ser ressaltado que alguns poucos pacientes apresentam uma resposta inesperadamente ao uso desta medicação, mesmo quando o emprego prévio da fenobarbital fora ineficaz para controlar as crises. Costuma-se prescrever primidona em doses de 750-1000 mg/dia. Uma utilização que tem tido nos resultados é como coadjuvante a carbamazepina ou da fenitoína no manejo de crises parciais simples como complexas, quando estas não respondem à monoterapia com carbamazepina ou fenitoína. Em especial nas epilepsias de lobo frontal, a primidona em associação pode trazer controle significativo das crises.
LAMOTRIGINA
A lamotrigina bloqueia a liberação de glutamato e mostra atividade anticonvulsivante em vários modelos animais. Os ensaios clínicos, como droga coadjuvante, revelaram eficácia em crises parciais e tônico-clônicas, mostrando 30% de redução em crises parciais intratáveis. Embora experiência com crianças seja limitada, resultados iniciais sugerem que a lamotrigina possa ser útil no tratamento de crises resistentes às drogas convencionais. A toxicidade da lamotrigina parece ser limitada em apenas 10% dos pacientes e os efeitos colaterais, quando ocorrem, variam de leves a moderados.
O efeito adverso mais comumente responsável pela retirada da droga é rash cutâneo. As reações indesejáveis podem ocorrer principalmente se estiver em uso de valproato. Por outro lado, há relatos de efeitos benéficos sobre o humor, aumentando significativamente índices de felicidade, e melhorando interação e comunicação.
FELBAMATO
O mecanismo de ação da droga é desconhecido. A estrutura química é semelhante a do meprobamato, agente ansiolítico. Embora o felbamato seja menos potente que outras drogas antiepilépticas disponíveis, sua baixa toxicidade torna-o droga promissora. Trabalho multicêntrico, randomizado e duplo-cego, comparando a eficácia do felbamato com valproato, em monoterapia, chegou-se a conclusão que o felbamato é eficaz em crises parciais com ou sem generalização secundária, tendo sido mostrado que não há o desenvolvimento de tolerância após 6 meses de uso contínuo, em monoterapia. Felbamato também é benéfico em pacientes com síndrome de LENNOX-GASTAUT, sendo recentemente constatada a diminuição inclusive de crises atônicas.
OXCARBAZEPINA
A oxcarbazepina é uma nova droga antiepiléptica de primeira linha. Foi desenvolvida através da introdução de pequenas mudanças na estrutura da carbamazepina, a fim de se evitar o metabólito epóxido, responsável pela toxicidade. Assim, obteve-se uma droga de eficácia clínica semelhante à carbamazepina, porém, com menor perfil de tolerabilidade. A oxcarbazepina não influencia seu próprio metabolismo, ao contrário da auto-indução observada com a carbamazepina. O metabolismo da oxcarbazepina não é afetado por outro anticonvulsivante e sua influência na farmacocinética de outras drogas é menor que da carbamazepina, pois liga-se pouco a proteínas. Estudo realizado com 235 pacientes usando oxcarbazepina ou carbamazepina em monoterapia sugeriu que a oxcarbazepina deve ser a primeira droga de escolha no tratamento de crises parciais, com ou sem generalização secundária. Atualmente está em curso trabalho com oxcarbazepina que deverá ser o estudo definitivo sobre essa droga, tanto em adultos, quanto em crianças, comparando-se à eficácia da oxcarbazepina com fenitoína e valproato, no tratamento de crises parciais, com ou sem generalizações secundárias. Esse estudo, que é randomizado e duplo-cego, conta com a participação de vários centros nacionais e internacionais.
VIGABATRIN
O vigabatrim (gama-vinil GABA) é um inibidor irreversível da GABA-transaminase (GABA-T), a enzima responsável pela degradação do neurotransmissor GABA. O vigabatrim é uma das novas drogas antiepilépticas mais promissoras. Entre as novas drogas propostas para aumentar a inibição GABAérgica, o vigabatrim é a que está mais avançada em ensaios clínicos. Embora microváculos tenham sidos vistos na substância branca de cérebros de ratos e cachorros tratados com vigabatrim, tais alterações não foram observadas em humanos.
O vigabatrim foi usado no tratamento de epilepsias refratárias tanto em adultos quanto em crianças, inclusive nas síndromes de WEST e LENNOX-GASTAUT, como droga coadjuvante, e obteve-se significante redução de crises em parte dos pacientes. A tolerabilidade de mais de 2000 pacientes tratados em vários trabalhos foi excelente, havendo leves ou transitórios efeitos colaterais numa pequena minoria de pacientes. O primeiro estudo do vigabatrim em monoterapia foi recentemente concluído, comparando-o com carbamazepina: a eficácia foi semelhante, porém, ao contrário da carbamazepina, o vigabatrim não apresentou efeitos colaterais severos que requisitassem a suspensão do tratamento. Outro estudo recente acompanhou pacientes pôr 9 anos, concluindo que o vigabatrim parece ser seguro e eficaz em uso a longo prazo.
GABAPENTINA
A gabapentina previne crises epilépticas em estudos clínicos controlados com placebo e tem um perfil diferente de atividade antiepiléptica em modelos animais. Seu mecanismo de ação não é conhecido, mas provavelmente atua nas membranas neuronais em áreas de sinapses envolvendo o glutamato. A farmacocinética é simples e não se liga a proteínas plasmáticas. Até o momento não se demonstrou interação com outras drogas antiepilépticas, nem indução ou inibição de enzimas hepáticas. Sua eficácia e segurança tem sido testadas. Nenhum efeito colateral sério ou morte foi atribuído à droga. Os efeitos colaterias descritos, a curto prazo, foram sonolência, tontura, ataxia e nistagmo. O perfil farmacocinético favorável e a aparente segurança dão a gabapentina boa perspectiva no conjunto das novas drogas.
TOPIRAMATO
O topiramato é um novo composto que demonstrou eficácia anticonvulsivante e perfil de tolerabilidade satisfatória após a administração oral em animais e humanos. Os primeiros ensaios clínicos com topiramato já foram realizados na Europa e Estados Unidos, como droga coadjuvante, em epilepsias parciais refratárias em adultos, havendo redução significante de crises em número expressivo de pacientes. Na faixa etária pediátrica está em início estudo multicêntrico com o uso de Topiramato em terapia coadjuvante na Síndrome de LENNOX-GASTAUT.
Há várias outras drogas que se encontram es fases iniciais de ensaios clínicos, tais como, flunarizina, flumazenil, remacemida, stiripentol e taltrimida.
Outras drogas já estão sendo abandonadas por terem apresentado eficácia marginal nos primeiros estudos clínicos: progabida e milacemida. Há também aquelas que foram suspensas por seus efeitos colaterais, tais como, zonisamida e tiagabina. Finalmente, há a ralitonina que, por apresentar meia-vida muito curta necessita formulação de liberação mais lenta para poder ser testada em humanos.
LEVETIRACETAM
Ações terapêuticas.
Antiepiléptico.
Propriedades.
O levetiracetam é um novo agente antiepiléptico que corresponde quimicamente ao derivado 5-enantiomérico da pirrolidona ou da etiracetam - (5)-a-etil-2-oxo-pirrolidina acetamida. Seu mecanismo de ação não está totalmente elucidado. Contudo, tem demonstrado excelente resposta terapêutica em diferentes modelos experimentais e como terapia complementar para crises parciais com ou sem generalização secundária, empregado como monoterapia. Foi sugerido que o levetiracetam liga-se seletivamente a membranas celulares do encéfalo de modo reversível e estereosseletivo. Diferentemente de outros agentes anticonvulsivantes, este fármaco não interage com o complexo benzodiazepina-ácido g-aminobutírico nem com os receptores para aminoácidos excitatórios. Além disto, apresenta um grande índice terapêutico, havendo ampla margem entre as doses requeridas para controlar as crises epileptogênicas e aquelas que chegam a produzir toxicidade.Também demonstrou eficácia nas epilepsias generalizadas com redução na freqüência semanal das crises, especialmente naqueles pacientes que recebiam doses mais elevadas (2.000 a 3.000mg/dia). O levetiracetam demonstrou ser eficaz em pacientes com mioclonia juvenil refratária à lamotrigina ou ao valproato. Após sua administração por via oral, o levetiracetam é rapidamente absorvido no trato digestivo, alcançando seu pico plasmático 1 a 2 horas após a ingestão. Não se observou interferência dos alimentos em sua elevada biodisponibilidade (100%). Não se detectou ligação com proteínas plasmáticas, e sua biotransformação metabólica é realizada por hidrólise do grupo acetamida, sem que o sistema enzimático citocromo P-450 seja afetado.Estabeleceu-se que sua meia-vida oscila entre 6 e 8 horas, independentemente das doses que se situem dentro da faixa posológica habitual. O principal metabólito é inativo e é eliminado juntamente com o fármaco original por via renal; ambos os compostos podem também ser eliminados do plasma por meio de hemodiálise. Nas primeiras 48 horas cerca de 66% da dose administrada é eliminada na forma inalterada e 24% na forma de metabólito inativo.
Indicações.
Terapêutica coadjuvante nas crises parciais, com ou sem generalização secundária.
Posologia.
A dose inicial recomendada é de 500mg a cada 12 horas por via oral, com incrementos semanais da ordem de 500 a 1.000mg por dia, não ultrapassando os 3.000mg. Dose para crianças: 20mg/kg por dia.
Superdosagem.
Não foi assinalada. O fármaco pode ser eliminado do sangue por processo de hemodiálise.
Reações adversas.
São raras e leves, destacando-se anemia, cefaléia, enjôos e sonolência, especialmente em pacientes que necessitam doses elevadas ( 3.000mg/dia ).
Precauções.
Em pacientes idosos a meia-vida de elimanação aumenta, razão pela qual a dose deverá ser ajustada individualmente; o mesmo ocorre com pacientes portadores de insuficiência renal. Em pacientes com insuficência hepática leve ou moderada não foram observadas alterações significativas na farmacocinética do levetiracetam, pois não é metabolizado no fígado.
Interações.
Como este antiepiléptico não sofre biotransformação hepática nem se liga a proteínas plasmáticas, não há interações medicamentosas de significação clínica.
Contra-indicações.
Hipersensibilidade ao fármaco. Gravidez e amamentação.
- NÍVEIS SÉRICOS
A determinação dos níveis séricos das drogas antiepilépticas presta-se a várias confusões. A premissa básica é de que as concentrações séricas das drogas antiepilépticas deveriam situar-se dentro de um intervalo ou “faixa terapêutica”. Do ponto de vista estatístico, isto estaria associado ao controle adequado das crises. Assim, níveis séricos aquém da faixa terapêutica deixariam o paciente “desprotegido” no tocante ao controle de crises; e níveis séricos acima da faixa terapêutica estariam associados a para-efeitos dose-dependentes. O corolário desta premissa básica é que a determinação dos níveis séricos das drogas antiepilépticas seria o “guia” para proceder-se a modificações na sua forma de administração, incluindo incrementos ou reduções nas dosagens.
Entretanto, a situação prática é outra, e dita que modificações na administração das drogas antiepilépticas devem ser exclusivamente determinadas pela performance clínica do paciente no tocante ao controle de crises. Níveis séricos de uma droga antiepiléptica, acima ou abaixo da faixa terapêutica, não tem nenhum significado prático, a menos que o paciente não esteja com suas crises controladas ou esteja apresentando efeitos colaterais tóxicos. É muito importante que se tenha uma visão abrangente sobre as síndromes epilépticas, e compreenda que existe uma variabilidade muito grande entre os pacientes no que diz a respeito à gravidade da condição epiléptica em cada síndrome. O manejo das dosagens das drogas antiepilépticas através de determinação dos níveis séricos tem de levar em conta esta variabilidade. Uma abordagem exclusivamente “laboratorial ”, aumentando ou reduzindo a dosagem das drogas antiepilépticas apenas pelo valor do nível sérico, frequentemente fará um desserviço ao paciente complicando o controle de suas crises.
Aceita-se como indicações para determinação dos níveis séricos das drogas antiepilépticas:
a) Avaliar o grau de aderência ao tratamento, quando há suspeitas de baixa aderência;
b) Determinar se a recorrência de crises no início ou durante o tratamento deve-se a níveis séricos “baixos” de uma ou mais drogas epilépticas.
c) Determinar se o aparecimento de sintomas sugestivos de toxicidade, incluindo distúrbios comportamentais, deve-se efetivamente a níveis séricos excessivamente elevados;
d) Determinar qual droga é responsável por efeitos colaterais tóxicos, quando mais de uma droga epiléptica é usada
IIA
ÍNDICE TERAPÊUTICO RECOMENDADO
DROGAS ÍNDICES MÉTODO
CARBAMAZEPINA
4 a 12 *g/ml (para a Epilepsia)
8 a 12 *g/ml (para o TBH )
Imunoensaio
FENITOÍNA
10 a 20 *g/ml
Imunoensaio
VALPROATO DE SÓDIO
50 a 100 *g/ml
Imunoensaio
CLONAZEPAN
30 a 60 *g/ml
HPLC2
FENOBARBITAL
15 a 40 *g/ml
Imunoensaio
OXCARBAZEPINA
15 a 35 *g/ml
Imunoensaio
DIAZEPAN
0,1 a 2,5 *g/ml
HPLC2
- ALGUNS APSPECTOS PRÁTICOS DA TERAPÊUTICA ANTIEPILÉPTICA
Após a análise individualizada das principais drogas antiepilépticas e das indicações para a determinação de níveis séricos, impõe-se a discussão de alguns aspectos práticos no manejo farmacológico da epilepsia:
1) Crises parciais simples ou complexas, com ou sem generalização secundária, devem ser inicialmente tratadas com carbamazepina ou fenitoína em monoterapia.
Enquanto o paciente persistir com crises recorrentes, deve-se ir aumentando as doses, até atingir-se o máximo tolerável (ou seja, a dose imediatamente abaixo daquela que produz para-efeitos dose-dependentes). O valor numérico da dose em si varia de paciente para paciente. A primeira regra prática é introduzir a medicação de forma gradual. Após atingir-se uma dose de 800 mg/dia de carbamazepina ou 300 mg/dia de fenitoína, a maioria dos pacientes com as crises descritas acima obterão um controle, ao menos parcial. A partir daí, naqueles pacientes em que persistem crises, aumentam-se as doses até o máximo tolerável. Quando a carbamazepina, pode chegar-se a 1400-1600 ou até 1800 mg/dia, em três a quatro tomadas, procedendo a incrementos de 100 a 200 mg a cada poucos dias. No tocante à fenitoína, os incrementos devem ser a da ordem de 25 a 50 mg a cada vez. Caso persista um controle inadequado das crises, a troca de um pelo outro deve ser tentada, mantendo-se fidelidade ao princípio da monoterapia. Pelas reconhecidas interações farmacocinéticas entre a carbamazepina e a fenitoína, sua associação no tratamento das crises parciais pode levar a níveis séricos baixos de ambos os fármacos e comprometer mais ainda o controle das crises. Um erro muito comum é a associação de uma segunda drogas antiepilépticas em politerapia, antes de esgotar-se as possibilidades da droga original em monoterapia. O exemplo básico é aquele paciente com crises parciais complexas, que chega ao consultório sem controle adequado, usando a carbamazepina associada a fenitoína. A determinação dos níveis séricos, via de regra mostrará que ambos os fármacos estão abaixo da faixa terapêutica. A retirada de um dos dois, e o ajuste da dose do remanescente, muitas vezes converte uma falha em sucesso terapêutico.
Quando ainda assim as crises persistirem sem controle total, está indicada a associação do Clobazam . Persistindo controle insatisfatório, sugeriria que se trocasse o Clobazam pela primidona (750-1000 mg/dia). Não se deve esquecer que por volta de 30 a 40% dos pacientes com crises parciais complexas são refratárias ao tratamento medicamentoso, no que concerne à expectativa de um controle total das crises. O quanto este percentual pode ser reduzido pelo advento das novas drogas antiepilépticas (Vigabatrina, Lamorigina, Oxcarbazepina).
2) Crises primariamente generalizadas dos tipo crises tônico-clônico generalizadas, mioclonias e ausências, como parte de síndromes epilépticas generalizadas primárias, devem ser tratadas com valproato de sódio em monoterapia.
Deve-se chegar as doses adequadas do valproato de sódio (em adultos, da ordem de 1500 a 3000 mg/dia). Entretanto, alguns pacientes com epilepsia mioclônica juvenil de JANZ, uma das subsíndromes do grupo das epilepsias generalizadas primárias, não conseguem ficar totalmente controlados com monoterapia. Nestes, o valproato de sódio costuma controlar as crises de ausência e as mioclonias, porém ocorrem “escapes” de crises tônico-clônico generalizadas. Quando este é o caso, recomenda-se a associação com carbamazepina.
Alguns aspectos práticos merecem destaque. O primeiro, é que a dosagem do valproato de sódio necessária para trazer controle total das crises, ausência, mioclonias e crises tônico-clônico generalizadas, nos pacientes com epilepsia generalizada primária, é muito variável. Doses tão baixas quanto 500 mg/dia para um adulto, pode deixá-lo sem qualquer tipo de crise, enquanto outro necessita doses muito maiores. Interessantemente, alguns pacientes necessitam doses maiores no início do tratamento, porém com o passar do tempo (geralmente dois anos), uma lenta redução da dosagem pode não acompanhar-se de recidiva das crises. O segundo aspecto prático, é que ao contrário das epilepsias parciais, nas epilepsias generalizadas primárias existe uma clara correlação entre a presença de complexos ponta-onda generalizados no eletroencefalograma e um risco maior de crises. Em outras palavras, enquanto persistem paroxismos generalizados de complexos ponta-onda ou poliponta-onda no eletroencefalograma, persiste o risco de ausências, mioclônias ou crises tônico-clônico generalizadas. Nestas formas de epilepsia, pretende-se “limpar o eletroencefalograma” , assim estaremos nos certificando da dosagem adequada para controlar totalmente as crises.
3) As epilepsias generalizadas secundarias, com múltiplos tipos de crises, incluindo parciais complexas, generalizadas tônicas, atônicas, mioclônicas, crises tônico-clônico genelarizadas e ausência atípica, muito raramente são controladas por monoterapia. Alias, uma das “marcas registradas” dessas síndromes epilépticas (freqüentemente vistas em crianças), é sua resistência ao tratamento farmacológico com fármacos em uso corrente.
Assim, nestes casos indica-se a associação entre valproato de sódio, um benzodiazepínico (Clobazam ou Clonazepam) e, eventualmente, uma droga tipo carbamazepina ou fenitoína, somando-se diferentes mecanismos de ação antiepiléptica. Infelizmente, somam-se também complicações ligadas às interações farmacocinéticas, que dificultam o manejo. É muito fácil desanimar-se com estes pacientes, e deixar o manejo farmacológico “meio à deriva”. Devemos com muita paciência ir explicando com clareza para os pais cada nova modificação no esquema farmacológico, pode-se conseguir resultados bem razoáveis. É importante que, periodicamente, se trace objetivos a médio prazo junto ao paciente e os familiares. Estes objetivos devem contemplar quais as prováveis modificações de dosagens ou de droga antiepiléptica que serão tentadas, quais os objetivos, e quais os para-efeitos que poderão ser antecipados. Mostrar para o paciente e seus familiares que o manejo destas formas severas de epilepsia não é simplesmente um “bota, tira, troca” da droga antiepiléptica, e que existem mecanismos lógicos de manejo, costuma ser muito tranqüilizador e aumentar a aderência ao tratamento.
III
TRATAMENTO CIRÚRGICO DAS EPILEPSIAS
1. HISTÓRICO
A História da medicina aponta as craniotomias e trepanações do período neolítico como as mais antigas intervenções cirúrgicas realizadas pelo homem. Supõe-se, no entanto, que tais procedimentos tinham um significado semi-religioso, destinado a dar escape a maus espíritos, até então responsabilizados pelas cefaléias, insanidade mental e epilepsias. Ao tempo da dominação romana, a cirurgia, em geral, foi negligenciada como forma terapêutica, chegando até a desaparecer no obscurantismo que se seguiu a idade média, para reaparecer somente à partir dos séculos XIII, XIV, XV pelas mãos de GUY de CHAULIAC, AMBROISE PARÉ, VALSALVA e muitos outros. Estes dois últimos chamaram a atenção para o fato, já conhecido de Hipócrates (460A .C.), de que uma paralisia ou convulsão de um lado do corpo, indicavam uma lesão ao lado oposto do cérebro, porém além desse fato, nada mais se sabia sobre localizações cerebrais.
Existem casos esporádicos sobre o uso da trepanação em convulsões. Entretanto, somente com o desenvolvimento das técnicas da moderna cirurgia e o reconhecimento dos seus princípios: os da assepsia, introduzidos por PASTEUR e LISTER, os das localizações cerebrais, demonstrados por JACKSON, FRITSCH, HITZIG e FERRIER, e a anestesia introduzida por MORTON e SIMPSON, todos ocorridos na última metade do século XIX, tornou-se possível o desenvolvimento da moderna cirurgia da epilepsia.
Foi introduzida por Sir WILLIAM MACEWEN, em 1888, pela sua comunicação de 21 casos de Abscessos cerebrais operados, com 18 recuperações. KEEN, no mesmo ano, publicava 3 casos, num dos quais havia removido uma cicatriz cortical. Até fins de 1886, HORSLEY havia efetuado dez operações sobre o cérebro em Londres. VON BERGMANN publica em 1889 suas primeiras descrições sobre operações em epilepsias traumáticas, e na mesma época WAGNER descreve a craniectomia osteoplástica em substituição à trepanação e craniectomia, utilizada por seus antecessores.
KRAUSE começou a efetuar excisões corticais em 1893, publicando seus primeiros dados, em 29 pacientes, entre 54 operados por epilepsia focal. FOERSTER e PENFIELD, em 1930, publicaram sua importante série de 100 casos operados, e vários outros se seguiram: DOWE e WATTS (1936) com 20 casos, TONNIS (1939) com 30 casos.
As epilepsias situam-se entre os problemas médicos sociais mais comuns encontrados em nosso meio.
O procedimento cirúrgico, com duração de 8 a 10 horas, pode ser realizada, sob anestesia local. Trata-se, portanto, de problema médico social de grandes implicações, já que a cirurgia, quando bem indicada, pode proporcionar não apenas uma solução paliativa para o problema, mas a cura e a reintegração desses pacientes na sociedade, em mais de 90% dos casos, como veremos adiante . Convém notar, ainda, que em nosso país estamos longe da cifra ideal dos 80% dos epilépticos sob controle medicamentoso, pois a maioria de nossos epilépticos encontra-se sobre a supervisão de pediatras, clínicos gerais e outros especialistas, nem sempre completamente familiarizados com a melhor terapêutica dessa doença, quer sob o ponto de vista farmacológico, quer sob o aspecto de sua indicação cirúrgica.
Pouco menos da totalidade dos epilépticos que chegam com crises ”incontroláveis”, são portadores de esquemas medicamentosos insuficientes e muitas vezes incongruentes. Muitos deles são beneficiados apenas pelo ajuste de sua medicação, para o que, muitas vezes, nos servirmos da dosagem cromatográfica dos anticonvulsivantes ingeridos, controlando os níveis sanguíneos.
Um reduzido número desses pacientes (mais ou menos 20%) apresentavam um controle realmente difícil de suas crises epilépticas focais ou generalizadas. Uma fração destes é ulteriormente encaminhada para estudos funcionais mais detalhados, que requerem internação em enfermaria especializada, seguida de testes clínicos neurológicos, dosagens múltiplas de anticonvulsivantes, exames eletroencefalográficos, exames neuro-radiológicos, tomografia computadorizada e ressonância magnética, exames neuropsicológicos, psiquiátricos e avaliação de condições psicos-sociais, entre outros.
2. CRITÉRIO DE SELEÇÃO E AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA
O critério mais importante para a seleção desses pacientes como candidatos para uma terapêutica cirúrgica é a falta de resposta ao controle das crises epilépticas, por uma combinação adequada da medicação anticonvulsivante, ministrada em doses máximas toleráveis, e que permitem ao paciente levar uma vida normal com poucos efeitos colaterais.
Quando aparece a presença de evidência clínica e eletroencefalográfica, indicando que as crises é de origem focal, originando-se numa área do encéfalo que pode ser excisada sem a produção de déficit neurológico ou piora do déficit já existente.
Se as crises forem bem caracterizadas por um período de tempo suficientemente longo e as áreas principalmente epileptogênicas tenham maturado suficientemente e se tornado sintomática. A intervenção é raramente recomendada antes de três a cinco anos após o início das crises.
Crises observadas durante um período suficiente de tempo, de modo a garantir uma ausência de remissão espontânea.
O paciente deve, ele mesmo, estar motivado para enfrentar uma cirurgia.
Um estudo psicossocial do caso deverá mostrar que o paciente operado poderá voltar a um ambiente familiar que possibilitará ao paciente cuidar de si mesmo, supervisionar uma medicação e proporcionar sua reintegração.
3. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DAS EPILEPSIAS
A craniotomia e exploração eletrofisiológica cortical representou, em alguns de nossos pacientes com epilepsia focal a intervenção de escolha. Após discreta sedação pré-operatória (inoval), o paciente é levado ao anfiteatro operatório, onde a incisão é demarcada no crânio e a seguir feita infiltração do couro cabeludo com anestésico local (Marcaína). O paciente encontra-se em posição confortável, em mesa acolchoada e guarnecida com travesseiros e campos, que permitem à equipe não cirúrgica (anestesistas, neurologistas, psicólogos e eletroencefalografistas) observarem todas as partes de seu corpo durante os estudos de estimulação cortical. A seguir, procede-se à craniotomia, realizada nos moldes clássicos, expondo-se uma área considerável de córtex cerebral após abertura ampla da dura-máter. O passo seguinte é a colocação de eletrodos corticais e eletrodos de profundidade, que permitirão o registro de eletrocorticograma. Sobre as áreas epileptogênicas que vão sendo registradas colocam-se letras, que servem para demarcar, visualmente, as anormalidades observadas; ao mesmo tempo anota-se minuciosamente as alterações eletrográficas em cada um desses pontos. Eletrodos de profundidade com várias derivações, colocadas na amígdala, hipocampo ou outras localizações dão uma idéia espacial da localização da área epileptogênica. A este registro segue-se a estimulação elétrica ou “mapeamento cerebral” das áreas visual, etc., utiliza-se uma corrente de 1 a 6mA, com a onda quadrada de 60 ciclos/seg. As reações do paciente: contrações do rosto, mão, perna, etc., são mapeadas, e as regiões corticais correspondentes são demarcadas com número de papel esterilizado que nos demonstrarão visualmente as áreas motoras que nos demonstrarão visualmente as áreas motoras, sensitivas e áreas da falta. Estas ultimas são observadas pedindo ao paciente para contar ou repetir frases, que serão entrecortadas por períodos de afasia, produzidos pela estimulação elétrica. A estimulação da área sensitiva fará com que o paciente refira sensações nas porções correspondentes do hemicorpo contralateral; a estimulação das áreas auditivas produzirá sons variados, e da área visual luzes no campo visual; por vezes obteremos respostas psíquicas ou “flashbacks” na estimulação do lobo temporal. A reprodução da aura da própria crise convulsiva pela estimulação de um desses pontos é prova conclusiva para a localização, bem como a obtenção de pós-descargas, registradas ao eletrocorticograma (ECoG) à estimulação.
Ao final desses estudos passamos a ressecção da área considerada epiléptogênica, repetindo um ECoG de controle, pós excisional, com o paciente ainda consciente, com a finalidade de verificar se permanece ainda alguma atividade potencialmente epiléptogênica em algum ponto do leito da ressecção, que deverá ser também removido, até conseguir-se um ECoG satisfatório quanto ao prognóstico. Então estaremos autorizados ao fechamento, agora com o paciente adormecido, pois sua colaboração não se faz mais necessária. Trata-se de intervenção prolongada e laboriosa, com duração de 8 a 10 horas, que exige um preparo especial da equipe para que não haja intercorrências, que a prolongariam ainda mais. A recuperação do paciente faz-se ao cabo de poucos dias, geralmente sem incidentes importantes. Ao término desta, o paciente é entregue novamente à equipe para dar prosseguimento aos testes psicológicos, psiquiátricos e neurológicos pós-operatórios de controle, sendo o EEG e observação clínica o critério principal que determinarão o sucesso da intervenção. Atualmente, no entanto, grande parte destes pacientes são operados sob anestesia geral, reservando-se à anestesia local àqueles casos de focos epilépticos em regiões motoras, ou da fala.
Na cirurgia para o tratamento das epilepsias, cada caso deve ser estudado de forma a indicar o tipo mais correto de cirurgia. A intervenção deverá agir sob o número de crises, na melhora do estado neurológico e no ajustamento psicológico dos doentes, possibilitando a sua reabilitação escolar, profissional e a reintegração familiar e social.
A avaliação dos resultados de uma intervenção de terapêutica tão complexa é bastante difícil, pois cada paciente epiléptico apresenta um problema diferente, fazendo com que não haja duas intervenções absolutamente idênticas. Nestes casos um estudo puramente estatístico dos resultados não poderá dar uma idéia exata sobre o impacto do sucesso, ou insucesso cirúrgico num determinado paciente, se esta for a informação mais importante que desejamos.
A simples avaliação neurológica, quanto à redução ou desaparecimento das crises convulsivas, não nos dará uma idéia quanto aos resultados favoráveis da terapêutica cirúrgica para o lado da personalidade, da inteligência e da reabilitação sócio-econômica desses pacientes, melhora essa obtida pela cirurgia.
O estado funcional, topográfico e clínico das epilepsias focais consideradas cirúrgicas induz a uma porcentagem elevada de melhora ou cura: 95,2% nos casos de ressecção cortical. Tal índice aumenta comum rígido critério de seleção para a indicação da cirurgia, baseados em estritos critérios clínicos, eletroencefalográficos, radiológicos, neuropsicológicos e outros. Os pacientes com epilepsias generalizadas secundárias podem hoje beneficiar-se de secções do corpo caloso. O objetivo das calosotomias é restringir a atividade epiléptica dos hemisférios doentes, proporcionando grande diminuição (85%) nas crises generalizadas. Trata-se de um procedimento cirúrgico extremamente eficaz, especialmente em pacientes com inúmeras crises generalizadas, e com queda ao solo. Pode ser realizada a céu aberto ou estereotaxicamente com eficácia semelhante e com baixa morbidade.
A análise dos resultados nos vem demonstrar que a epilepsia é um sintoma relacionado às mais variadas etiologias, e não uma doença propriamente dita. Apesar dos contínuos avanços no tratamento desta síndrome, cerca de 20% dos epilépticos continuam a mostrar-se refratários aos anticonvulsivantes. ROBB demonstrou que cerca de metade desses pacientes, rebeldes ao tratamento clínico, apresentam lesões cerebrais epileptogênicas passíveis de um tratamento cirúrgico através de excisão cortical ou outras intervenções. Os modernos refinamentos da neurocirurgia funcional, sob o ponto de vista técnico e da instrumentação, nos tem possibilitado um melhor entendimento em relação à patofisiologia das epilepsias através da estereotaxia, implantação de eletrodos cerebrais profundos, marcapassos cerebrais, estimulação e registro cortical, desconexão hemisférica, etc. Deste modo, estas intervenções que envolvem a exposição e excisão de áreas anormais do cérebro podem ser levadas a cabo com toda a segurança. Já foi demonstrado, inclusive, que os riscos cirúrgicos podem ser menores que a ingestão de vários anticonvulsivantes associados, sobretudo se essas drogas ministradas em doses tóxicas por longos períodos de tempo.
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