O QUE É A PSICOSE ORGANICA.

Psicose Orgânica

Epilepsia Focal Parcial Complexa

O QUE É A PSICOSE ORGANICA.

Paulo Roberto Silveira

Médico Aposentado da Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro

Medico Perito Legista. Neurologista Forense • Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto

Departamento Geral de Polícia Técnico-Científica

Secretaria de Estado de Segurança Pública • Estado do Rio de Janeiro

Advogado - Direito Médico

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Unitermos: psicose orgânica, doença mental.

IDENTIFICAÇÃO

Paciente do sexo feminino, brasileira, natural do Rio de Janeiro, nascida em 02/07/1960, negra, solteira.

MOTIVO DA INTERNAÇÃO

Paciente deu entrada no PSP, acompanhada de familiares e policial, apresentando distúrbio de comportamento e heteroagressividade, no dia 29/04/1994, às 20h45, com hipóteses diagnósticas de epilepsia, distúrbio de conduta e de emoções.

HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL

Aos nove anos de idade, a paciente iniciou tratamento psiquiátrico no Hospital Infantil do Fundão. Aos dez anos foi internada no mesmo hospital, com história de agressividade e fugas continuadas. Aos 13 anos, com história de perda de consciência, fez tratamento em nível laboratorial no PAM-Nilópolis, PAM-Piedade e no Hospital Deolindo Couto. Aos 17 anos foi internada, em 07/04/1977, na Clínica das Amendoeiras (Jacarepaguá), com diagnóstico de quadro psicótico orgânico transitório, tendo alta em 02/06/1977. Aos 18 anos foi novamente internada na Clínica das Amendoeiras (03/02/1978), com diagnóstico de Transtorno Neurótico-Histeria, tendo alta em 02/03/1978.

Em 16/09/1992 apresentou quadro de crise convulsiva de repetição, tendo sido internada no Hospital Geral de Bonsucesso, em cujo CTI permaneceu até o dia 22/09/1992, tendo alta para a enfermaria, onde ficou até o dia 30. Recebeu alta para tratamento ambulatorial, com diagnóstico de Epilepsia de Difícil Controle.

HISTÓRIA PESSOAL

Desde o nascimento até um ano de idade, residiu com a avó materna em Manhuaçu, MG. Ao voltar para o Rio de Janeiro, viveu alternadamente entre a casa da mãe e a de uma família vizinha. Aos cinco anos foi para o colégio interno, onde permaneceu por dois anos. Aos dez, após ter alta do Hospital Infantil do Fundão, foi morar novamente na casa da avó, em Minas gerais, retornando definitivamente à casa da mãe aos 13 anos.

Diz ter nascido de parto normal e que quase morreu ao nascer, “por problemas de parto”. Roía as unhas quando criança. Urinou na cama até os oito anos de idade e não se lembra de ter tido doença grave na infância.

Desde os nove anos de idade fugia de casa, perdia a memória e “saía sem rumo pela rua”.

Vida escolar – Estudou até a 8ª série e tinha dificuldades no aprendizado, situação que permanece até os dias de hoje.

Não tinha bom relacionamento com os professores ou com os colegas de turma, sempre fugindo da sala de aula.

Trabalho – Iniciou atividade laborativa aos 21 anos, como balconista. Ficou no emprego por dois anos, saindo por não possuir a boa memória requerida pela função, e também porque o namorado, com crises de ciúmes, trazia problemas para o ambiente de trabalho. Passou a receber benefício do INSS, enquanto realizava serviços eventuais de faxina e de acompanhante.

Puberdade – Não se lembra com exatidão a idade da menarca (em torno dos 12 anos), e os períodos menstruais duram sete dias, acompanhados de cólicas e dores de cabeça.

História sexual – Foi estuprada aos nove anos por um homem que, segundo diz, era marido de uma mulher que a acolheu por ocasião de uma de suas fugas. Teve relações sexuais regularmente, dos 13 aos 14 anos, com um tio, zelador de uma igreja evangélica, até que a esposa deste descobriu o fato.

Casamento – Aos 23 anos conheceu aquele que seria o pai de sua filha, nascida de parto cesáreo. Separou-se porque o marido “não fazia nada pela filha”.

Hábitos – Nega ser dependente do álcool ou do tabaco. Freqüenta a Assembléia de Deus.

HISTÓRIA MÉDICA

A paciente nega outras doenças e a única cirurgia à qual se submeteu foi a cesareana. Informa ter leucorréia freqüente, mas faz tratamento ambulatorial com ginecologista. Diz ainda que, segundo sua mãe, na ocasião em que esteve internada no Hospital Infantil do Fundão, foi levantada a hipótese das perdas de memória serem devidas a problemas neurológicos.

Sintomas neurovegetativos - Diz ter sido sempre agitada, chorava à toa, brigava com facilidade e rasgava os livros dos colegas de escola. Às vezes não conseguia dormir.

HISTÓRIA FAMILIAR

Terceira filha de uma prole de quatro, pais separados. O pai mora em Manhuaçu, MG, é espírita e possui um centro, de onde tira o seu sustendo. A mãe é devota da Igreja Batista e casou-se pela segunda vez. Do primeiro casamento vieram três filhos. O primeiro morreu afogado aos dez anos. O segundo faleceu com um ano de idade, de tuberculose pulmonar, contraída da própria mãe. O terceiro é a paciente, que está hoje com 34 anos de idade. Do segundo casamento nasceu um irmão, que conta hoje com 27 anos. A paciente nega doenças psiquiátricas na família.

EXAME PSÍQUICO

Primeiro contato com a paciente deu-se no dia 12/04/1994, já na enfermaria de crise do HPPII.

Atitude geral – Higiene preservada, vestida com roupas da enfermaria, bom aspecto físico, alimentando-se espontaneamente, calma e cooperativa.

Expressão em palavras – Paciente fala espontânea, coerente e pausadamente: “gostaria de passar o aniversário da minha filha com ela e fora daqui”, diz. Mantém ritmo nas palavras.

Humor – Paciente ansiosa: “gostaria de sair logo daqui”.

Atividade delirante – Paciente diz ter o dom da revelação, ou seja, a capacidade de ouvir a voz de Deus informando-lhe sobre a vida das pessoas. Em outras épocas teria sido o contrário: “ouvia a voz do Demônio”, que a importunava e a fazia sentir dores horríveis, como se estivesse sendo chicoteada. Foi exorcizada por um grupo de pastores, mas ainda se sente perseguida pelo Demônio. Relata que, no entanto, à força de orações, o mal tem se afastado. Diz ainda ter premonições sobre o futuro das pessoas: teria previsto o assalto sofrido pela vizinha.

Alteração de sensopercepção – No dia 17/05/1994, a paciente informava ver duas imagens, quando olhava para a frente (diplopia medicamentosa).

Fenômenos compulsivos - Quando foi internada, em 28/04/1994, estava agitada, quebrou objetos domésticos, armou-se de uma faca e chegou a ameaçar as pessoas. Do boletim de internação consta a seguinte declaração da paciente: “Estou sentindo ódio de todo mundo, se pudesse eu agrediria a todos, inclusive à minha mãe”.

Orientação – Orientada no tempo e no espaço.

Memória – Quando fora das crises convulsivas, a memória permanece inalterada, mas diz que ao ter os ataques “não consigo me lembrar de nada que acontece comigo”.

Atenção – Paciente sem alteração da atenção e da consciência fora das crises convulsivas.

Conhecimentos gerais – Feitos testes de conhecimentos, próprios para o nível de escolaridade da paciente, verificou-se que os mesmos estão preservados.

Noção do estado mórbido – Acha que precisa se tratar, pois acredita que as perdas de memória e as brigas, devidas às crises, estejam atrapalhando seu convívio com a filha.

SÚMULA PSICOPATOLÓGICA

Aparência – Higienizada, trajando vestes de enfermaria.

Atitude – Descontraída.

Pensamento – Curso, forma e conteúdo sem alterações.

Consciência - Lúcida.

Afetividade – Sem alterações

Psicomotricidade – Sem alterações.

Sensopercepção – Apresenta visão dupla (diplopia medicamentosa).

Consciência do eu – Sem alteração aparente.

Vontade – Normal

Pragmatismo – Demonstra objetividade

Fala – Ritmo normal, sem alteração no timbre.

Memória – Sem alteração

Juízo crítico da enfermidade – Apresenta razoável conhecimento da doença.

Plano para o futuro – Consistente

EXAME FÍSICO

Paciente calma, orientada no tempo e no espaço. Nos primeiros 30 minutos da entrevista estava algo sonolenta, melhorando no decorrer da entrevista (efeito medicamentoso). Mucosas discretamente hipocoradas, com hidratação normal, respirando com facilidade; bom estado de nutrição, distribuição normal dos faneros.

Pressão arterial – 120 X 80 mmHg

Temperatura axilar – 26,5º

Freqüência cardíaca - C – 92 bpm

Aparelho cardiovascular: bulhas rítmicas normofonéticas.

Aparelho pulmonar – murmúrio vesicular universalmente presente.

Abdome – sem alterações

Membros superiores – sem alterações

Membros inferiores – sem alterações

EXAME NEUROLÓGICO

Paciente Vigil; orientada no tempo e espaço; marcha atípica; equilíbrio estático: observa-se discreta lateralização para a direita ; ausência de atrofias musculares, ausência de fasciculações musculares; tonicidade muscular presentes e simétricas; força muscular presentes e simétricas; reflexos osteotendinosos presentes e simétricos; ausência de clônus de extremidades; reflexos cutâneos plantares em flexão bilateralmente; ausência de sinal de Hoffmann bilateralmente; reflexos axiais da face normais; pares craneanos acessíveis normais; coordenação motora preservadas; sensibilidade táctil, dolorosa profunda e superficial sem alterações. O exame neurológico atual não evidencia alterações neurológicas de cunho objetivo.

Exames laboratoriais: nada digno de nota.

EVOLUÇÃO

Paciente apresentou quadro de alteração do comportamento, chegando à agressividade. Episódios de lucidez alternando com crises convulsivas generalizadas, sendo encaminhada ao pronto-socorro.

28/04 – Paciente deu entrada no pronto-socorro acompanhada dos familiares, ansiosa porém lúcida, parcialmente orientada e cooperativa.

29/04 – Paciente bem, sem alterações.

30/04 – Às 11h20, a paciente entrou em crise convulsiva e foi medicada com Fenobarbital 100 IM e Diazepam 10 mg IM.

Às 20h40, apresentou novo episódio de crise convulsiva, caindo do leito. Foi transferida para o pronto-sococorro.

01/05 – 15h40, paciente apresenta agitação e agressividade.

Medicação:

Clorpromazina 1 amp.IM

Prometazina 1 amp.IM

Fenobarbital 1 amp.IM

02/05 – 7h15 – encaminhada à enfermaria de crise, contida no leito e sedada. Dormiu durante todo o período.

22h00 – calma e lúcida, foi transferida para o pronto-socorro.

03/05 – 21h50 – paciente apresentou vários episódios de crise convulsiva.

Medicação:

Diazepam 1 amp.IM

soro glicosado a 5% 500 ml

Diazepam 1 amp. no soro

Furosemida 1 amp. no soro

Apresentou ainda duas crises convulsivas após a medicação.

04/05 – 7h00 – encaminhada à enfermaria de crise.

10h00 – novo episódio de crise. Retorna ao pronto-socorro.

Medicação:

Fenitoína 2,5 ml no microgotas

Diazepam 10 mg 1 amp. IM

22h35 – nova crise. Repetiu-se a medicação acima.

05/05 – 13h00 – apresentou crises convulsivas atípicas, com ausências.

06/05 – 19h10 – nova crise.

Medicação:

Fenitoína 2,5 ml no microgotas

Ringer Lactato 1000 ml

07/05 – 18h25 – episódio de agressividade – tentou quebrar a janela e sair.

Medicação:

Fenobarbital 1 amp. IM

08/05 – sem crises e lúcida.

09/05 – 10h00 – agitada e falando em excesso.

10/05 – 9h00 – vários episódios de crise convulsiva subentrante.

11/05 – 15h00 – apresentou crise convulsiva não característica de grande mal.

12/05 – retornou à enfermaria de crise, quando reassumimos o caso. Calma, lúcida e cooperativa.

Medicação:

Fenobarbital 100 ml 1+1+1

Fenitoína 1+1+1

Carbamazepina 200 mg 1+1+1

20h00 – bastante agitada, fez referência a auras epilépticas.

13/05 – paciente referiu-se a saudades da filha, manifestando muita tristeza.

14/05 – 18h45 – crise convulsiva generalizada.

Medicação:

Fenobarbital 100 mg IM

Diazepam 10 mg IM

15/05 – 02h00 – crise convulsiva com queda da própria altura.

Medicação:

Diazepam 10 mg IM

16/05 – agitada. Queixa-se de cefaléia.

Medicação:

Haloperidol 5 mg 1 amp. IM

Prometazina 1 amp. IM

Fenobarbital 1 amp. IM

17/05 – à noite apresentou agitação.

Medicação:

Fenobarbital 100 mg 1+1+1

Fenitoína 100 mg 1+1+1

Carbamazepina 200 mg 1+1+1

Durante agitação,

medicação:

Fenobarbital 200 mg IM

Diazepam 10 mg IM

18/05 – agitada, queixando-se de tonteiras e visão dupla.

19/05 – sedada e sonolenta, piora da diplopia. Apresentou episódio de crise convulsiva.

Medicação:

Diazepam 10 mg IM

21/05 – crise convulsiva acompanhada de apnéia. Transferida para o pronto-socorro.

Medicação:

Dexametazona 4 mg IM 6/6 horas

Cimetidina 200 mg Im 6/6 horas

Manitol 20% no soro

Oxigenioterapia em caso de necessidade.

23/05 – encaminhada ao Hospital Municipal Miguel Couto, de onde retornou por não ser caso cirúrgico.

24/05 – novo episódio de crise convulsiva.

25/05 – nova crise.

26/05 – 16h45 – foi submetida a RX de crânio (normal). Nova crise. Discutiu-se em sessão clínica a substituição dos anticonvulsivantes em uso pelo ácido valpróico.

27/05 – sem crises, porém agitada.

Medicação:

Acido Volpróico 250 mg 1+1+1

Fenitoína 100 mg 1+1+1

Carbamazepina 200 mg 1+1+1

Fenobarbital 100 mg 1+1+1

Flufenazina 5 mg 1+1+1

28/05 – sofreu queda da própria altura, machucando os lábios. Sem crise.

Medicação:

Repetiu-se a medicação do dia 27/05.

29/05 – sem crise.

Medicação:

a mesma.

30/05 – sem crise. Submetida a exame oftalmológico.

Medicação:

a mesma.

31/05 – sem crise. Feito tomografia computadorizada de crânio, corte axial (normal).

Medicação:

Acido Valpróico) 250 mg 2+1+1

Carbamazepina 200 mg 0+0+1

Fenobarbital 100 mg 1+1+1

Flufenazina 5 mg 0+0+1

02/06 – sem crise. Tomografia computadorizada de sela túrcica: normal.

Medicação:

Acido Valpróico 250 mg 2+2+1

Fenobarbital 100 mg 1+1+1

Flufenazina 5 mg 0+0+1

03/06 – sem crise. Sofreu queda da própria altura.

Medicação:

Ácido Valpróico 250 mg 2+2+2

Fenobarbital 100 mg 0+1+1

Flufenazina 5 mg 0+0+1

04/06 – sem crise.

Medicação:

Ácido Valpróico 250 mg 2+2+2

Fenobarbital 100 mg 0+0+1

Flufenazina 5 mg 0+0+1

05/06 – sem crise.

Medicação:

Ácido Valpróico 250 mg 2+2+2

Fenobarbital 100 mg 0+0+1

Flufenazina 5 mg 0+0+1

06/06 – sem crise.

Medicação:

a mesma.

07/06 – Sem crise.

Medicação:

Ácido Valpróico 250 mg 2+1+2

Flufenazina 5 mg 0+0+1

08, 09, 10, 11, 12 e 13/06 – sem crise.

Medicação:

Ácido Valpróico 250 mg 2+1+2

Flufenazina 5 mg 0+0+1

14/06 – sem crise.

Medicação:

Ácido Valpróico 250 mg 2+1+1

Flufenazina 5 mg 0+0+1

15/06 – apresentou crise convulsiva às 21h50.

Na crise,

medicação:

Fenobarbital 100 mg IM

Ácido Valpróico 250 mg 2+1+1

Flufenazina 5 mg 0+0+1

16/06 – sem crise.

Medicação:

Ácido Valpróico 250 mg 1+1+2

Flufenazina 5 mg 0+0+1

Diazepam 10 mg 0+0+1

17/06 – alta hospitalar para tratamento ambulatorial.

Medicação:

Ácido Valpróico 250 mg 1+1+2

Flufenazina 5 mg 0+0+1

Diazepam 10 mg 0+0+1

DIAGNÓSTICO SINDRÔMICO

Transtorno delirante orgânico.

DIAGNÓSTICO NOSOLÓGICO

Epilepsia e síndromes epilépticas sintomáticas, relacionadas à localização (focais) (parciais), com crises parciais complexas.

Crises de grande mal.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Transtorno orgânico da personalidade.

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PAULO ROBERTO SILVEIRA
Enviado por PAULO ROBERTO SILVEIRA em 26/05/2009
Reeditado em 10/08/2009
Código do texto: T1616468
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