A EPILEPSIA NA CRIANÇA PARTE II
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CONVULSÕES NO RECÉM-NASCIDO
As convulsões, no período neonatal, indicam alterações freqüentemente graves do sistema nervoso central (SNC). Diferem das que ocorrem em períodos etários posteriores não só pelo seu aspecto clínico, mas também pela sua etiologia e pelo seu prognóstico. São a exteriorização, quase sempre, de processo mórbido agudo que exige medidas diagnósticas e terapêuticas imediatas.
5.1. TIPOS DE CONVULSÃO
As crises são de curta duração. Sucedem-se a intervalos de minutos ou de horas. O local e o tipo das crises são variáveis, em um mesmo doente. Por vezes, ocorrem de modo tão prolongado ou são de tal maneira freqüentes que constituem o estado do mal epiléptico. Merece menção o fato de que muitas crianças reagem com choro, durante uma crise, mormente se esta for localizada. Nessa faixa etária, são muito raras as convulsões generalizadas tônico-clônicas. São comuns, no entanto, as crises clônicas ou tônicas, localizadas em uma hemiface ou em membro e que se seguem de outras crises, no hemicorpo oposto, ou em um outro segmento corpóreo. Tomam um caráter errático e não tem, portanto, um valor localizatório no que tange à sede da lesão encefálica. Ocasionalmente, mantêm-se sempre no mesmo hemicorpo ou em um mesmo segmento.
Manifestações clínicas variadas podem ocorrer em lugar das crises tônicas ou clônicas. Entre elas, merecem citação os abalos mioclônicos (espasmos infantis); alterações transitorias do ritmo respiratório, com ou sem apneia; crises de palidez, de cianose ou de rubor; tremores grosseiros, segmentares ou difusos, desvios tônicos dos olhos, sucção, mastigação e sialorréia. São, por conseqüência, fenômenos clínicos que, por si só, nem sempre lembram manifestações convulsivas, mas que, por sua repetição e por sua associação com alterações outras, chamam a atenção do clínico para seu real significado. Adquirem, nestes casos, grande importância, o estado de consciência (sonolêcia, coma); a exagerada irritabilidade; a dificuldade de deglutição; a diminuição da resposta de outros reflexos próprios do recém-nato; as variações do tônus muscular; o clônus de pés e os dificit motores focais.
Para a detecção dessas crises atípicas do recém-nascido e para a sua interpretação como fenômenos convulsivos, torna-se necessária a observação orientada, rotineira a contínua, de vez que, eventualmente, as convulsões são a primeira manifestação de um distúrbio neurológico. Por outro lado, devem ser procuradas naqueles casos em que os antecedentes da gestação e os perinatais sugiram alguma agressão no sistema nervoso central.
ETIOLOGIA - Os processos mórbidos, que provocam convulsões no neonato, se localizam no sistema nervoso central ou em outros órgãos ou, então, são doenças generalizadas com repercussão encefálica.
5.2. CAUSA DE CONVULSÕES NEONATAIS
A) Metabolicas
I. Hipoglicemia
Transitória:
• Mãe diabética.
• Baixo peso ao nascer.
• Hemorragia intracraniana.
• Meningencefalite.
Persistente:
• Idiopatica.
• Sensibilidade à leucina.
• Galactosemia.
• Fructosemia.
• Tumor pancreático.
• Doença de depósito de glicogênio.
II) Hipocalcemia
Precoce:
• Trauma craniano.
• Hipomagnesemia.
• Idiopática.
Tardia:
III) Hipomagnesemia - Acompanha hipocalcemia.
IV) Piridoxina (B6)
• Dependência.
• Deficiência.
V) Hipo e hipernatremia
• Terapêutica inadequada.
• Lesão cerebral (trauma, infecção com produção inadequada de hormônio antidiurético).
• Substituição de açúcar por sal.
VI) Aminoacidúria
• Doença do xarope de bordo.
B) Infecções
Septicemia:
1 – Meningites
2 – Meningencefalites
Bacteriana.
Micótica.
Herpes simples.
Doença de inclusão citomegálica.
Toxoplasmose.
Coxsakie B.
Rubéola.
C) Hemorragias
Traumática
• Subaracnóidea
• Subdural.
• Trombose
• Anóxia
• Hemorragia periventricular
• Hemorragia peri e intravenctricular
A) METABÓLICAS
Não há correlação entre determinado agente etiológico e o aspecto clínico das convulsões. Assim, causas tão diferentes, como hipoglicemia, anóxia e meningencefalite, podem provocar o mesmo tipo de crise.
As causas mais freqüentes de crises convulsivas no recém-nascido são a anóxia, com ou sem hemorragia intracraniana; os processos infecciosos, intra ou extra-cranianos; a hipocalcemia e a hipoglicemia.
I) Hipoglicemia
Clinicamente, conceitua-se como hipoglicemia o fenômeno de um recém-nascido eutrófico apresentar níveis sangüíneos de glicose abaixo de 30 mg%. Se tais valores estiverem abaixo de 20 mg%, em um neonato de baixo peso, também consideramos a criança hipoglicêmica.
Nessa alteração bioquímica, pode-se não encontrar nenhuma anormalidade clínica aparente ou podem-se ver certas alterações totalmente inespecíficas. Entre estas, merecem citação a irritabilidade, os tremores grosseiros, especialmente nos membros inferiores e a diminuição da resposta do reflexo de Moro. Se a hipoglicemia persiste ou se ela se acentua, podemos observar hipotonia, hipotermia, palidez, apatia ou coma, crises de bradicardia e/ou de apnéia, bem como convulsões.
A hipoglicemia incide em dois a três de cada 1 000 recém-nascidos vivos. Ocorre principalmente na primeira ou na segunda semana, sendo freqüente já no primeiro dia de vida. Encontra-se mais comumente em neonatos de baixo peso. Isto deve-se, possivelmente, a uma insuficiente maturação do sistema enzimático hepático que tem a seu cargo a neoglicogenese e a um depósito deficiente de substâncias energéticas. Encontra-se, também, essa alteração bioquímica em casos de filhos de diabéticos e em casos de eritroblastose fetal. Estes casos devem-se a hiperinsulinismo. Pode-se, outrossim, citar aqueles baixos níveis de glicose sangüínea que ocorrem em filhos de toxemicas. Nestas eventualidades e em outras em que não se consegue detectar sua causa, a hipoglicemia costuma ser transitória e o seu prognóstico é favoravel, desde que tratada precocemente. Em outras ocasiões, a hipoglicemia é persistente, de difícil controle clínico e laboratorial. Neste caso, deve-se insistir na pesquisa da causa das prolongadas baixas dos níveis glicêmicos. Estas podem ser devidas a defeitos enzimáticos bem definidos ou a distúrbios endócrinos que exigem terapêutica específica.
Convém salientar que a hipoglicemia acompanha, as vezes, lesões cerebrais agudas, por exemplo, hemorragia ou infecção. Qualquer que seja o mecanismo, se a hipoglicemia for muito pronunciada ou muito prolongada, poderá levar ao óbito ou a graves lesões do sistema nervoso central. Estas distribuem-se difusamente pelo encéfalo e pela medula espinhal e são do tipo degeneração aguda do neurônio e da glia. Tais lesões acarretam um grave quadro neurológico, com microencefalia e retardo psicomotor.
É de boa norma fazer o controle, desde o nascimento, da glicemia dos neonatos mais propensos aos baixos níveis de glicose sangüínea, com o uso do Dextrostix. Quando este indicar níveis iguais ou inferiores a 45 mg%, deve-se realizar uma dosagem de glicose sangüínea pelos metodos usuais. Havendo hipótese, provável ou confirmada, de hipoglicemia, devemos iniciar o tratamento sem delongas. Empregam-se, de início, 1 a 2ml por kg de peso de glicose a 50%, por via endovenosa lentamente ou, então, o total de 2 a 4 ml a 50%, por via oral ou retal. A terapêutica de manutenção e feita com soluto de glicose a 10%, por via endovenosa, até a normalização clínica e laboratorial, comumente de três a cinco dias. A quantidade de glicose utilizada durante o período do tratamento varia de caso para caso. Deve-se procurar manter os níveis glicêmicos acima de 40 mg%. Nos casos refratários a administração da glicose, é empregada a hidrocortisona (10 a 25 mg por via intramuscular, cada 12 horas). Pode-se usar também o ACTH (10 a 30 unidades por via endovenosa ou intramuscular, cada 12 horas) ou o Glucagon (0,3 unidades por via intramuscular). Se apesar do tratamento, o teor de glicose sangüínea se mantém baixo por mais de três dias, devem-se pesquisar as causas de hipoglicemia persistente.
II) Hipocalcemia
Na hipocalcemia, os níveis do cálcio sérico estão baixo de 8 mg% e a fosfatemia está acima de 8 mg% . Nestes casos, o recém-nascido pode apresentar crises convulsivas que são em tudo idênticas aquelas provocadas por outras causas.
Os classicos sinais de tetania (CHVOSTEK E TROUSSEAU) estão ausentes, com grande freqüência. A hipocalcemia é precoce quando surge nos três primeiros dias de vida. Se ocorre do quarto ao 14.º dia, é considerada tardia. Os baixos níveis de cálcio sangüíneo são mais comuns em recém-nascidos de baixo peso e naqueles casos de anoxia perinatal. Assim como a hipoglicemia, a hipocalcemia pode acompanhar afecções cerebrais agudas e depender de vários fatores desencadeantes. No recém-nato de baixo pêso, a alteração resulta, às vezes, de hipoparatireoidismo, relativo ou absoluto. Pode também ser devida a hiperparatireoidismo materno.
A anoxia perinatal associa-se com aumento dos valores séricos dos fosfatos. Uma deficiente eliminação renal contribui para a manutenção desta hiperfosfatemia e, conseqüentemente, para uma diminuição dos níveis sangüíneos de cálcio. Estas alterações se corrigem rapidamente nos recém-nascidos eutróficos, gratias ao hormônio paratireoideo. A correção das anormalidades ocorre com mais dificuldade nos neonatos de baixo peso. Um outro eventual desencadeante de hipocalcemia é a ingestão de leite de vaca, em virtude de seu elevado teor em fosfatos.
O tratamento da hipocalcemia consiste na administração de gluconato de cálcio a 10% (5 a 10 m1 por via endovenosa, lentamente em 10 minutos). Durante a injeção, deve-se controlar, clínica ou graficamente, a freqüência cardíaca.
III) Hipomagnesemia
A hipomagnesemia é causa rara de convulsões no período neonatal. Comporta-se, clínicamente, como hipocalcemia, provocando tremores e convulsões. Pode-se acompanhar de baixos níveis séricos de cálcio, mas, nestes casos, não há biperfosfatemia. Assim, portanto, uma hipocalcemia sem paralelo aumento dos fosfatos sangüíneos, encaminha as suspeitas para uma hipomagnesemia. Devemos também pensar nesta alteração metabólica, quando uma tetania e uma hipocalcemia não se corrigem com a administração endovenosa de cálcio.
O sulfato de magnésio a 2% ou 3% (2 a 6 ml em injeção endovenosa lenta) é o tratamento ideal. Pode-se usá-lo também em solução a 50% (1 ml por via intramuscular, cada oito horas). Por vezes, torna-se necessária uma terapêutica de manutenção por via oral.
IV) Dependência de piridoxina
A piridoxina (vitamina B6) participa do metabolismo de aminoácidos, de proteínas, do ácido gama-amino-butírico (GABA), do ácido nucléico e de aminas biogenas). No que se refere a crises convulsivas, atua possivelmente através do GABA, para cuja produção é necessária. Este agiria como um, anticonvulsivante fisiológico e, juntamente com a serotonina e com a norepinefrina, estaria relacionado com a susceptibilidade as crises convulsivas, experimentalmente induzidas pelo som (crise audiogênicas).
A vitamina B6 está relacionada com convulsões em duas eventualidades. Na primeira (piridoxino--deficência), há uma oferta insuficiente da vitamina, destruída, durante o processo de industrialização do leite. Surgem anemia, retardo no crescimento e convulsões. O quadro clínica é corrigível com o uso de doses fisiológicas de piridoxina.
No segundo caso (piridoxino-dependência), a criança nasce com um defeito enzimático genético e não utiliza a vitamina B6 de modo correto, mesmo quando administrada em doses normais. Nas primeiras horas ou na primeira semana de vida, ocorrem crises convulsivas. Estas não são atribuíveis às causas mais usuais (anóxia, infecção, hipocalcemia e hipoglicemia) e não respondem de modo adequado aos anticonvulsivantes comuns. Além das convulsões, a criança mostra exagerada reação aos ouvidos, com abalos musculares e piscamento constante. A administração endovenosa de 50 a 100mg de piridoxina controla de modo dramático estas alterações clínicas e tende a normalizar, dentro de minutos, o eletrencefalograma. Se a administração da droga e feita por via intramuscular, os efeitos benéficos . são os mesmos, porém ocorrem de modo mais lento (uma hora ou mais).
Encaminha-se o diagnóstico para piridoxino-dependência quando há história de irmãos com convulsões no período neonatal sem etiologia determinada ou com paralisia cerebral sem causa aparente. O dado mais importante para a sua confirmação é a resposta terapêutica. Podem-se provocar as convulsões e as alterações eletrencefalográficas pela administração de penicilamine na dose de 140 mg por dia, aliados a ausência de suplementação com a vitamina B6. Em 48 horas, ocorrem convulsões e anormalidades no eletrencefalograma que se, corrigem, em minutos, com o emprego da piridoxina por via endovenosa
Estabelecido o diagnóstico, recomenda-se o uso de vitamina B por via oral (15 a 100 mg por dia), por tempo indeterminado.
O prognóstico é bom, quando o tratamento é instalado precocemente. Em caso contrário, ocorrem lesões cerebrais intensas e difusas além de convulsões, já não mais controláveis com a piridoxina.
V) Distúrbios hidreletrolíticos
A hiponatremia no recém-nascido pode resultar de retenção de água ou de perda de sódio. No primeiro caso, como ocorre em septicemias e em meningites, há um aumento da secreção do hormônio antidiurético. No segundo caso, a hiponatremia ocorre na vigência de diarréia. Uma inadequada terapêutica, oferecida à mãe durante o parto ou a criança, e uma outra causa de baixos níveis de sódio plasmático.
Clinicamente, encontra-se apatia, hipotonia muscular, irritabilidade, coma e convulsões até, dos sinais ectoscópicos sugestivos da alteração metabólica. Pode haver, concomitantemente, acidose. A principal anormalidade encefálica é o edema. O tratamento com anticonvulsivantes habituais e a correção do distúrbio básico permitem um bom prognóstico.
A hipernatremia, consequente a erros de hidratação, à troca de açúcar por sal de cozinha no preparo da mamadeira ou a outra causa, apresenta-se com perda de peso, poucos sinais típicos de desidratação à inspeção, irritabilidade, hipertermia e conculsões. No encéfalo, ocorrem micro-hemorragias parenquimatosas, hemorragias parenquimatosas, alterações celulares graves, trombose venosa e, ocasionalmente, hamatoma subdural. O tratamento, além de cuidadosa reidratação, inclui o emprego de anticonvulsivante. O controle das manifestações conculsivas é difícil. O prognóstico é reservado. As convulsões também podem aparecer no período de reidratação. São devidas ao edema celular que pode se verificar nesta fase.
VI) Aminoacidúria
Dentro dos erros inatos do metabolismo merece especial menção pela sua gravidade e difícil controle, a leucimose conhecida pelo nome de doença da urina cheirando a xarope de bordo, odor típico verificado neste paciente nos últimos dias da primeira semana no momento em que surgem as convulsões.
B) INFECÇÕES
Os processos infecciosos que se localizam no sistema nervoso central do recém-nato, produzindo as meningencefalites, se acompanham, muitas vezes, de convulsões. Estas, eventualmente, são a primeira manifestação de tal patologia. As infecções podem ser agudas ou crônicas. As agudas, adquiridas no período perinatal imediato, apresentam-se como meningencefalites isoladas ou, então, associadas a septicemia. Entre as infecções de evolução crônica, adquiridas no decurso da gravidez, temos a toxoplasmose, rubéola, citomegalia e sífilis.
Estes processos infecciosos, mesmo os agudos, nem sempre mostram um quadro clínico típico. Usualmente, não se observam os clássicos sinais de irritação meníngea. Há, no entanto, apatia, sucção débil, choro agudo, faceis de sofrimento, irritabilidade, tremores, convulsões e perda de peso exagerada. Em outras ocasiões, há discreta rigidez bucal, além de hipertermia e fontanela plana ou abaulada e tensa. Este último sinal, quando coincidente com desidratação, chama a atenção do clínico para processo meningencefalítico.
Assim, portanto, as infecções do sistema nervoso central não se diferenciam, do ponto de vista clínico, de outros processos como por exemplo, anóxia ou hemorragia intracraniana.
A septicemia que, em 25% dos casos, se acompanha de meningencefalite, mostra, por vezes, quadro clínico evidente, como hepatomegalia, icterícia, cianose, hipertermia. Outras vezes, a sintomatologia é mais vaga havendo apenas apatia e dificuldade alimentar.
Freqüentemente, encontram-se germes Gram-negativos como agentes etiológicos das meningencefalites agudas do recém-nascido. Além destes, a Listeria monocitogeneses, vírus Coxsakie B, o do herpes simples, o da hepatite ou de outras viroses podem também ser responsáveis pela afecção meningencefálica.
As infecções adquiridas intra-útero produzem lesões que, em fase ativa ou já com seqüelas, provocam convulsões. Apresentam-se, ao nascimento, com lesões em viários órgãos. Tais alterações, eventualmente, podem indicar o agente causal. Assim, na toxoplasmose congênita, encontra-se microcefalia ou hidrocefalia, calcificações intracranianas, corio-retinite, hepatomegalia, microftalmo e púrpura. A rubéola congênita, por sua vez, acompanha-se de catarata e de outros defeitos oculares, de malformação cardíaca, púrpura e hepatosplenomegalia. A doença de inclusão citomegalica mostra-se com microcefalia, calcificações peri-ventriculares, hepatosplenomegalia, além de icterícia prolongada. Outros processos mórbidos, que acometem a gestante como, por exemplo, a sífilis; a varicela, a varíola e outras viroses, produzem alterações no sistema nervoso central do concepto.
O diagnóstico de meningencefalite é sempre confirmado através de punção liquórica. Nos casos agudos, o líquido céfalo-raquiano tem aspecto anormal, há uma hipercelularidade as custas de polimorfonucleares. A glicose mostra-se diminuída. Merece especial citação o fato de que o líquor do neonato difere, em certos aspectos, daquele de crianças maiores e de adultos. Normalmente, o aspecto é ligeiramente turvo e há certa xantocromia. Até 30 células brancas (linfócios, neotrófilos e eusinófilos) e até 100 hemácias podem ser encontradas em condições normais, bem como a taxa protéica de até, 80mg%. A glicose tem seus valores próximos àqueles da glicemia. Ao tratamento anti-infeccioso, adicionam-se drogas anticonvulsivantes.
C) ANÓXIA E HEMORRAGIA INTRACRANIANA
A anóxia e a hemorragia intracraniana do recém-nato são causas freqüentes de lesão do sistema nervoso central. Entre suas manifestações clínicas, encontra-se as convulsões . O processo patológico básico consiste em anóxia e em trauma mecânico, dos quais podem resultar:
-Hemorragia subdural devida a aceleração dos seios venosos e das veias durais, conseqüentes a excessiva moldagem do crânio durante o parto.
-Infarto perivenricular hipóxico, que se encontra preferencialmente em recém-nascidos de baixo peso, pode-se seguir de hemorragia intraventricular e subaracnóide, provocando óbito ou seqüelas do tipo paralisia cerebral com alterações motoras de predomínio crural e de maior expressão clínica que o retardo mental.
-Infarto cortical hipóxico. É mais freqüente em recém-nascidos eutróficos. Pode deixar como seqüela, deficiência mental predominando sobre as alterações motoras.
-Hemorragia hipóxica petequial, difusa no parenquima cerebral.
A predominância de lesões hipóxicas, corticais ou periventriculares, relaciona-se com a fase de desenvolvimento anatômico do encéfalo e, especialmente, com o estágio de evolução do sistema venoso cerebral. No infarto cerebral, observa-se a seguinte ordem de fenômenos:
• Hipóxia (antes, durante ou depois do parto).
• Insuficiência circulatória sistêmica, com congestão venosa generalizada.
• Estase-trombose venosa visceral (cerebral) com infarto (com ou sem hemorragia).
O recém-nascido com anóxia e com ou sem hemorragia intracraniana apresenta, na fase aguda, crises convulsivas inespecíficas, apatia, coma ou irritabilidade. Ainda há hipotonia ou hipertonia muscular, dificuldade a sucção e a deglutição, abalos ou tremores nos membros, perda dos reflexos do neonato, arritmia respiratória e cianose continua ou em crises. Como se vê, o quadro clínico, com alguns destes sinais, nada tem de patognomônico e pode ocorrer em várias outras entidades mórbidas. É freqüente a associação com a acidose metabólica, hipoglicemia ou hipocalcemia.
Os principais elementos para o diagnóstico são história de sofrimento fetal ou trauma de parto e as condições imediatas do nascimento (respiração, choro, tônus, cor e atividade). O exame do líquido cérebro-espinhal pode fornecer dados considerados normais ou, então, revelar a presença de sangue.
O tratamento consiste no uso de anticonvulsivantes (diazepam, por exemplo); no combate ao edema cerebral (dexametasona, 1 a 2mg por via intramuscular, cada oito horas); na restauração do equilíbrio ácido-básico e, eventualmente, correção da glicemia ou da calcemia.
O prognóstico é muito variável. Depende, evidentemente, da intensidade e do tempo de duração da anóxia e de suas conseqüentes alterações. A epilepsia, transtorno da atenção e do aprendizado, paralisia cerebral e hidrocefalia podem ocorrer como seqüelas. Na fase aguda da anóxia grave,é freqüente a ocorrência do estado de mal convulsivo e de óbito.
5.3. DIAGNÓSTICO
As convulsões do recém-nascido são portanto, devidas a causas muito variadas. O número e a duração das crises, bem como a doença básica são os determinantes da sua gravidade.
Na prática clínica, é de boa norma enfocar, inicialmente, as causas mais comuns, as mais graves e aquelas passíveis de um tratamento específico. É de grande importância uma história clínica bem feita, com dados sobre a gestação, sobre o transcurso do parto e sobre a evolução posterior. São também fundamentais os dados fornecidos pelos exames pediátrico e neurológico.
Uma regra básica de conduta é a realização de punção liquórica em todo recém-nascido que apresente uma crise convulsiva, por mais inconsequente que esta possa parecer. Somente, assim, pode-se fazer a exclusão de uma infecção aguda, bem como de uma hemorragia subaracnóidea. Além de exame do líquido céfalo-raquiano merecem avaliação a glicemia, a calcemia e o pH sangüíneo. A urinálise pode fornecer alguns elementos úteis como, por exemplo, a presença de substâncias redutoras, orientando o diagnóstico de galactosemia. A dosagem sangüínea de fosfatos, do sódio e do magnésio é também útil. Alguns destes ou outros exames, indicados para um determinado caso, são suficientes para mostrar a orientação a seguir.
O eletrencefalograma pode ser normal nos períodos intercríticos. Costuma, no entanto, fornecer vários dados de importância. Podem surgir alterações do tipo irritativo (ondas agudas ou pontas), uni ou multifocais. Em caso de sofrimento cerebral, observam-se, as vezes, pobreza das ondas cerebrais com lentificação e menor voltagem e o chamado “achatamento” do traçado ou, ainda, o traçado do tipo “periodical”. Neste a atividade elétrica do cérebro, que no recém-nato normal e continua, aparece interrompida por períodos de ausência completa de ondas. Tais dados não indicam, entretanto, a natureza etiologia do processo e tanto podem ser devidos a doença básica, como as convulsões prolongadas ou repetidas. Entretanto, é importante o achado, no eletrencefalograma, de persistente assimetria entre os hemisférios, indicando sofrimento predominante em um deles. Isto sugere, por exemplo, a presença de uma coleção subdural. Havendo tal suspeita, torna-se necessária uma pesquisa através de punção pela fontanela bregmática.
O elentrencefalograma é também útil para a avaliação de ação terapêutica. Assim, em crianças com convulsões, se durante a obtenção do traçado, se administrar, por exemplo, diazepam, notam-se o desaparecimento das crises e melhora concomitante do traçado, bem como a tomografia computorizada de crâneo (PC), e ou ressonancia magnética de crâneo (RMC).
5.4. TRATAMENTO DAS CONVULSÕES NEO-NATAIS
No recém-nascido, mais do que em outro período etário, orienta-se a terapêutica, simultaneamente, para o controle das crises convulsivas e do processo de base.
O tratamento pode ser encaminhado de tais modos. Em um esquema, usam-se substancias que controlam os sintomas (convulsões e outros), corrigem a causa (por exemplo, hipoglicemia) e, além disto, sugerem o diagnóstico, através do seu efeito terapêutico (por exemplo, hipoglicemia, hipocalcemia).
Em outra orientação, emprega-se medicamento anticonvulsivante (terapêutica sintomática) e, através de exames complementares, procura-se a causa.
Se, através do julgamento clínico, se conclui que, por exemplo, o agente causal mais provável é metabólico e não infeccioso, inicia-se o tratamento com a aplicação de piridoxina (por via endovenosa ou intramuscular). Se as convulsões persistirem, após um tempo adequado e admitindo-se então que não dependam de falta de piridoxina, usam-se glicose, gluconato de cálcio e sulfato de magnésio, sempre observando e aguardando o efeito da droga aplicada.
Este esquema terapêutico tem a vantagem de não provocar sedação que pode ocorrer com o uso dos anticonvulsivantes. No entanto, em certos casos, protela o controle das convulsões. Quando esta orientação não surte efeitos ou naqueles pacientes que apresentam anóxia, infecção ou hemorragia, torna-se obrigatória a utilização de anticonvulsivantes, como o diazepam. Este se administra por via endovenosa, na dose de 0,5 a 1,0 mg por 1 kg de peso para cada aplicação. Utilize-se o benzodiazepínico puro ou diluído (em água destilada ou no próprio sangue do paciente). Na prática, usam-se doses variáveis (geralmente maiores) até o controle das crises. Injeta-se de modo lento e observam-se as funções respiratória e circulatória. A diluição de 1mg de diazepam em 1ml de água destilada facilita aplicação lenta e o controle da dose em uso. Torna-se, comumente, necessária a repetição da medicação cada duas a três horas, em vista da recorrência das crises. A manutenção faz-se por via intramuscular ou por via endovenosa. Neste último caso, dilui-se o diazepam em frasco de soro glicosado e administra-se gota a gota (1 ampola em 200 ml). Pode-se usar também a difenil-hidantoina, por via endovenosa (30 a 50 mg por aplicação). Ela tem efeito mais lento que o diazepam e provoca, as vezes, reação alérgica cutânea.
Quando se usa o diazepam, deve-se evitar o emprego simultâneo de outros anticonvulsivantes por via parenteral, a fim de prevenir a somação de efeitos depressores sobre os centros vitais (cardio-respiratório e vasopressor).
No estado de mal convulsivo, as crises se prolongam e são de difícil controle.
Há comprometimento do estado geral, com hipertermia, desidratação e dificuldade respiratória que pode necessitar de traqueostomia. Por vezes, para a contenção das crises, torna-se necessário o uso de barbitúricos de ação rápida. Após o controle ou pelo menos após a diminuição da freqüência das convulsões, emprega-se a terapêutica de manutenção. Um esquema consiste na administração de fenobarbital por via oral (30 a 60 mg por dia, divididos em duas a três tomadas).
5.5. PROGNÓSTICO
O prognóstico das crianças com convulsões no período neonatal depende de vários fatores. Entre estes, merecem citação a etiologia, o tempo de persistência não só das convulsões, mas também do distúrbio básico e as intercorrencias.
Habitualmente, segundo a maioria dos autores, 50% dos casos evoluem bem, sem seqüelas neurológicas ou com alterações residuais mínimas; 25% dos casos sobrevivem com alterações motoras e/ou mentais graves e os restantes 25% não sobrevivem (óbito imediato ou nos primeiros meses seguintes). A mortalidade é mais alta nos casos com hemorragia e/ou edema intracranianos; nos casos com infecções ou malformações do sistema nervoso central, bem como naqueles em que as convulsões se repetem por várias horas.
O prognóstico é muito variável nos casos de hipoglicemia e naqueles de hipóxia. E em geral bom, quando está em causa a hipocalcemia sem lesões encefálicas associadas. Um outro dado que indica boa evolução e a normalidade do electroencefalograma na fase aguda.
As crianças, que evoluem com seqüelas graves, mostram, desde logo ou em poucos meses, microcefalia, hipertonia muscular, retardo na aquisição da movimentação voluntária. Estas e outras anormalidades constituem o quadro clínico da paralisia cerebral.
As meningencefalites e as hemorragias subaracnóideas podem ser seguidas de hidrocefalia, por obstrução das vias do trânsito liquórico.
A síndrome de WEST, com espasmos e com anormalidades eletrencefalográficas características, é uma outra importante conseqüência de encefalopatia neonatal.
Quando a evolução é favorável, não só do ponto de vista motor, mas também do intelectual, deve-se estar prevenido para disfunções menos grosseiras. Estas podem surgir vários anos mais tarde e, eventualmente, manifestar-se como dificuldades no aproveitamento escolar. Exteriorizam-se, também, entre os cinco e os sete anos de idade, como disritmia cerebral com ou sem convulsões.
É de boa norma, após a total recuperação da fase aguda, manter o paciente com medicação anticonvulsivante (por exemplo, com fenobarbital ou hidantoinato).