CARTAS NA MESA

Em 1964 os jornais do mundo inteiro noticiavam com destaque o encontro máximo da Igreja Católica: o início do Concílio Vaticano II. Cardeais e bispos se deslocaram a Roma. Também Dom Helder Camara, arcebispo de Olinda e Recife, se pôs a caminho. Quando chegou ao Vaticano, causou a maior confusão. Muitos cristãos europeus olharam para ele indignados. Não sabia dar o devido valor à sua alta função eclesiástica. Enquanto muitos dignitários da Igreja chegavam de limusine, ou carro Mercedes Bens, ostentando no peito cordões de ouro e crucifixos até com diamantes e rubis, o bispo brasileiro saltava do táxi, trazendo apenas, num cordão de nylon, uma cruzinha preta, feita com dois pauzinhos de madeira, encontráveis em qualquer carpintaria.

Começou a discussão. Quem representava com mais legitimidade o carpinteiro de Nazaré, o fundador do cristianismo? Os bispos europeus, cheios de luxo, e vestidos como príncipes, com púrpura e ouro, ou o bispo brasileiro magro e de batina preta comum, simples e barata? Muitos cristãos europeus, tanto católicos como protestantes, sentiram a consciência doer: Dom Helder procurava ser um cristão de verdade, humilde, mas corajoso, como seu Chefe (Cristo). E eles, europeus? Não eram eles os cristãos mais legítimos, que haviam catequizado a América, inclusive o Brasil? Quem, no entanto, fez tantas guerras, queimou e torturou, inventou os campos de concentração? Com certeza, não foram os esquimós, os africanos ou os chineses pagãos de nascença. Muitas vezes foram os cristãos europeus. Até Hitler era batizado.

Dom Helder chegou ao Concílio para por as cartas na mesa. Ou os cristãos começassem a viver a vida simples e fraterna, como o Evangelho exige, ou tirassem a máscara de cristãos, e se declarassem abertamente indiferentes ao cristianismo e cruéis opressores dos povos. Dom Helder mostrou uma fé inquebrantável, ao lado do Carpinteiro de Nazaré, na construção de sinais do Reino de Deus na terra. Uma sociedade fraterna, solidária, inteligente e feliz, sem injustiça, fome e opressão. Assim é a mensagem de Dom Helder. Aprendamos dele.