Cara nova num rosto velho

Prólogo:

Sob a égide do inexorável tempo, às vezes, o ser humano tenta rejuvenescer mudando seu visual. Um penteado novo, uma cirurgia corretiva, uma indumentária mais esportiva... Tudo é válido para transformar (fazer) uma cara nova de um rosto velho.

Henrique não tinha a intenção de mudar sua aparência. Em verdade o tempo curto, o excesso de trabalho, estudo, pesquisa e labor que voluntariamente quis por não confiar na terceirização profissional faziam-no refém da escravatura que notadamente a si mesmo se impunha.

Claro que a idade cronológica contava. Com 87 anos de idade dificilmente poderia aparentar os 60 janeiros bem vividos que poderia aspirar exibir. Contudo, ele não queria. Qual não foi sua surpresa ao receber um “e-mail” de uma dedicada e gentil leitora com os dizeres abaixo transcritos:

Observação: o real nome da leitora foi trocado em nome da ética e bom siso. Segue-se a mensagem da simpática senhora com todas as letras e emoções exteriorizadas de forma espontânea:

“...Durante muitos anos o homem procurou a fonte da eterna juventude. Imaginava-se que de uma nascente mágica jorraria uma água capaz de impedir que o tempo provocasse os irreparáveis danos. Homens e mulheres ansiaram e sonharam com esse feito maravilhoso. Ele foi descoberto e ninguém notou.

Encontram-se nos quatros cantos do mundo e é acessível a praticamente toda a humanidade. Trata-se de fato dos tratamentos estéticos. Em qualquer consultório dermatológico ou sala de esteticista é possível utilizar de uma dessas maravilhosas fontes de juventude completada numa sala de cirurgia com um bom cirurgião plástico.

São tantas variações de soluções que é difícil alguém escolher a melhor e/ou mais adequada. Tanto se investe nesse campo que as novidades não acabam mais. Ortodôntico, plástico, lipo escultura, "lifiting", preenchimento, prótese, silicone, implante, bronzeamento artificial...

Assim fica quase impossível estabelecer a idade de alguém apenas pela aparência. Se antes se cortava aqui, esticava lá, hoje se preenche aqui, se raspa ali, se suga lá e fica tudo perfeito.

Cada vez mais natural. “Nunca como agora se viram tantos velhos de 65, 75 ou mais anos”, numa aparente alusão à eventual juventude conquistada. É esse o seu caso? É verdade que você tem 87 anos? Juro que você aparenta, para mim, no máximo 55!

Sua mais recente foto no perfil do Recanto das Letras mostra um sorriso lindo! Uma pele invejável e um viço digno de quem está sempre de bem com a vida. Qual é o seu segredo?

Ah! Não me responda com palavras bonitas ou filosofia surrealista do tipo: “Ser jovem é viver uma instabilidade potencializada pela formação cognitiva, ética, espiritual, corporal e inserção ao sistema social. É viver uma grande responsabilidade, pois indivíduos em construção têm mais chance de construir um coletivo diferente. Ser jovem é ser considerado flecha, apesar de viver intensamente como flecha e arco a um só tempo.”

Adoro seus textos e juro que tenho medo de lhe conhecer pessoalmente. Meu receio? Acho que iria lhe pedir para sorrir só para mim. Beijos. Helena de Tróia – mãe de Alexandre e Kassandra. Divorciada, 32 anos, mineira de Juiz de Fora, comerciante e produtora de laticínios, amante dos homens ousados e irreverentes iguais a você.”.

A simpática leitora ufana-me não apenas o espírito, mas ao responder sua pergunta direi que ser jovem é viver intensamente o presente, preocupar-se com a aparência, manter a cara nova em um rosto velho também pelo sorriso, alimentar-se com disciplina; é antes de tudo a tentativa de compreender o mundo a nossa volta e morrer jovial o mais tarde que puder.

É gostar de beijos, de pele, de olhos. Ser jovem é não perder o hábito de se encabular. É ir para ser apresentado (já conhece fulano?) morrendo de medo. Ser jovem é permanecer descobrindo. É querer ir a lua ou conhecer Fernando de Noronha, Escócia e praias outras sonhadas. É sentir cheiro de férias, cheiro de mãe e/ou pai chegando em casa em dia de chuva com pães frescos, cheiro de café em família.

Ser jovem é andar confiante como quem salta de mãos dadas com o ar traquina. É ter coragem de nascer a cada dia e embrulhar as dificuldades no celofane colorido do não faz mal. É acreditar em frases bem constituídas, pessoas, mitos, forças, sons; é crer no que não vale a pena, mas ai da vida material se não fossem as fantasias.

É descobrir um belo que não conta. É recear as revelações e ir para casa com gosto de seu silêncio amargo ou agridoce, perfumado ou inodoro. Ser jovem é ter capacidade do perdão e andar com os olhos bem abertos, cheios de luminosidade. É ter tédios passageiros, é amar a vida, é ter uma palavra de compreensão. Ser jovem é lembrar pouco da infância por não precisar fazê-lo para suportar a vida que ora vivenciamos.

Ser jovem é ser capaz de anestesia salvadora. É misturar tudo isso com a idade que se tenha: cinquenta, sessenta, setenta, oitenta ou dezenove. É sempre abrir a porta com sorriso e emoção. É esperar das pessoas o que ainda não desistiu de querer que o aceitem sem cobranças e interesses escusos e mesclados pela cupidez medonha.

Ser jovem é viver em estado de fundo musical de superprodução. É abraçar esquinas, mundos, muros, espaços, luzes, flores, seres vivos sem preconceitos quaisquer; livros, discos, cachorros, pássaros e a criancinha ou adulto excepcional, deficiente, com um profundo, aberto e incomensurável abraço feito de festa carnavalesca.

Ser jovem minha cara e notável leitora Helena de Tróia: é estarmos todos prontos para os desencontros da vida com uma profunda e permanente vontade de sublimar a autoestima, SER E TER UMA CARA NOVA EM UM ROSTO VELHO.