Substância e Forma
Substância e Forma
Entre a substância e a forma há um impulso. A qualidade do impulso molda a forma. Em volta da forma há um campo de força. Se você nasce em Soweto, é compelido pelo impulso do local. Se nasce em Kyoto, um impulso diferente ocorre. Entre o nascimento e a idade adulta pululam diferentes crescimentos, basicamente divididos por duas etapas, por conseguinte duas nomenclaturas: infância e juventude.
“Tudo que você podia ser, na estrada”. Milton Nascimento
As chances dos nascidos em Soweto equivalem a um grilhão de igual urdidura dos agrilhoados dos morros cariocas e das comunidades paulistanas.
Esse não é um artigo para falar dos números não revelados da ceifa monumental de vidas em desenvolvimento. Esses números são mexidos com a mão. Os percentuais em conflito no caldeirão das mentiras apontam para a semente que não achou solo fértil e que vingará como uma aberração.
“Metade das pessoas hoje são soldados. A outra metade, amanhã” – pensamento popular referente as milícias revolucionarias na África. Estima-se ainda, por baixo, o contingente de 200 mil crianças empunhando rifles e atirando para matar.
Houve períodos, nos grandes centros urbanos, em que milícias de adultos se encarregavam dos rebeldes infantis, arranjando-lhes uma vala comum.
“Mate todos os meus demônios, e meus anjos correm o risco de morrer também” – Tennessee Williams. Poetas...lidam com a substância, lidam com a forma. No mundo deles ambas são uma, que se multiplicam por divertimento e apenas gravitam. De que mundo eles vieram?
E que espécie de impulso, ou antes, que sinal nos mostram os espécimes de outras partes, os pré adolescentes do Jihad, da Colômbia, da Califórnia e da Alemanha? Pelo visto, Sowetos e similares não são a tônica. A compreensão tem de sair da forma pré moldada de compreender e atingir o patamar do raciocínio. Levará tempo e demandará sacrifício.
Os soldados do tráfico no Rio e em Sampa não conseguem articular meia sentença, embora não lhes falte munição para participar de um jogo cujos limites desconhece derrotas. Mas é de se perguntar: que espécie de vitória é essa? Já virou 4 dígitos a idade do seguinte ditado: a vitória tem muitas mães, mas a derrota é órfã.
Pensaremos nisso amanhã.
Os soldados do tráfico dessas regiões tiveram a consciência estuprada na metade de seus desenvolvimentos, se assim pode-se expressar.
Saddam Hussein desenvolveu um programa de educação infantil com ilustrações singulares nas cartilhas: uma granada é igual a tantos infiéis mortos. Esse tipo de alfabetização está longe ser uma novidade e acontece do nascer ao por do sol, em mais regiões do que se pensa.
A forma recém saída da substância recebe tantos golpes e com tal qualidade, que até o dono do inferno gostaria de mudar de nome e sair de lá. Não pode. Seria necessário mudar o mundo. Nada senão o todo teria a força necessária para quebrar esse circuito angustiante.
O mundo prefere que as crianças inexoravelmente(?) desvirtuadas sejam órfãs, mas não é bem assim. Prefere, para aliviar a consciência. O mundo adoraria que dissessem: essas crianças não foram amamentadas. Ou, tiveram mães que certa feita teriam lhes dito: filho, a melhor coisa que você fez foi ter saído do meu útero.
O mundo adoraria que isso fosse verdade. Haveria um motivo ao alcance da mão para explicar o indizível circo global de vidas ceifadas.
Resta perguntar quem “é” o mundo e se fazemos parte dele.
Resta saber até quando conseguiremos desconversar. Ou talvez fosse mais simples que todos escrevêssemos a respeito.
Poderíamos discorrer sobre Álvares de Azevedo , que morreu com 21 anos.
Poderíamos encolher os ombros e dizer, ora, que tolice, aqueles que ceifam infâncias e juventudes, no final de contas, quando não estão pregando uma ideologia estão apenas oferecendo serviços. O mundo quer o que eles tem e quer que seja acessível. Financeiramente dizendo.
Sexo. Entorpecentes. Armas. Órgãos. Metais. Pedras. Produtos oriundos de trabalho escravo. Etc.
Conclui-se então que a diversificação e expansão de serviços e ideologias implica na submersão de consciências.
“Apanhei um monte de poeira e como um tolo pedi tantos aniversários quantos grãos ali havia. Esqueci de pedir que fossem em anos de juventude”. Franz Kafka.