Ética e o espírito democrático.
(Para um trabalho da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufba)
Uma primeira abordagem do conceito de ética nos leva a diferenciá-la em duas categorias. A primeira, uma ética interna ao indivíduo, em sua relação consigo mesmo; a segunda, uma ética para com as outras pessoas. Além desta conclusão, outra decorre de pensar a ética como conduta: se ela aponta para alguma excelência, há com certeza um parâmetro segundo o qual a avaliamos uma conduta como mais ou menos ética. Esse parâmetro, cujas formas são tão numerosas quanto diversas são as pessoas, é o que põe em conflito as faces éticas interna e social. Mas o pensamento a respeito desta questão pode nos levar a compatibilizá-las, numa ética fundamental, unívoca e adequada.
Para um cristão existe uma ética que guia sua vida, para seu correligionário essa ética se parece, mas tem diferenças. Para um judeu, a ética é diferente. Se a ética for uma teoria para a conduta das pessoas, talvez fosse inteligente, na medida que cristão e judeus convivem mas suas condutas às vezes se contrapõem, extrair o que há de lugar-comum (de coisa afim) entre estas diferentes éticas e afirmar como ética social para aquele grupo. Por exemplo, ambos acreditam em Deus – não lhes incomodaria, portanto, viver sob leis que afirmam preceitos monoteístas. Mas, como sabemos, esse nosso exemplo de sociedade é uma simplificação; as sociedades modernas são muito mais complexas. E à medida que a complexidade aumenta, mais difícil se torna estabelecer pontos comuns entre as éticas; pontos dos quais se deveria deduzir uma ética comum, social.
Como posso encontrar uma ética em que se abrigue nossa relação se minha conduta interna vai de encontro à sua? Essa é a pergunta que põe em conflito ética social e interna, mas permanece abstrato quando não esclarecemos. A conduta interna, a que tenho em relação a mim, não se separa do mundo totalmente; pois se por um lado meu pensamento é parte da minha ética, as ações minhas em relação a mim também são, e se dão na realidade concreta. Por exemplo, se sou um fanático, crente que ferindo uma pessoa a estou salvando, transponho naturalmente para o real – lugar onde se age – o que penso. Diante da evidência desse absurdo, aqui já se deve entender onde quero chegar. As outras pessoas fazem parte da realidade de cada uma e tanto a conduta desta pode incomodar aquelas quanto vice-versa.
Todavia, as pessoas são diferentes e todos estes séculos nos ensinaram que não devemos impor uma ordem para que as pessoas se encaixem no que não são. Sabemos, porém, e as contradições apontadas acima reforçam isso, que é necessária uma ética para reger um grupo social. E mais, a ética sempre impõe restrições, que dependem do seu fundamento, ou seja, do seu parâmetro. Se aplico a uma sociedade diversificada padrões éticos de apenas uma parte de seus integrantes, restrinjo de forma muito forte a liberdade dos demais – e acabo por anulá-los como seres-humanos. E na negação disso está a resposta para uma ética social adequada. O parâmetro ético que rege cada grupo social deve partir do acordo comum entre as partes que se relacionam – assim é para uma relação amorosa, profissional, é para uma sala de aula, é para uma família, é para um estado. O nome disso é democracia.