A ninfômana
Ela era uma daquelas que a gente olha de vez primeira e conclui que “não resta a menor dúvida”. Boca bem pintada, riso fácil, expressões largadas, caras-e-bocas, olhares lânguidos de caçadora, bundão remexente e a cabeça girando cento e oitenta graus em busca de uma presa. Seu jeito liberal lembrava uma Barbarela do bordel ou uma agressiva Dora Avante dos contos do Veríssimo.
Embora se dedicasse, com vistas à sobrevivência, a uma lucrativa profissão liberal de destaque, o que ela gostava mesmo – segundo ela própria – era fazer sexo, que ela sintetizava com o neologismo transar. Ela largava tudo, esquecia qualquer coisa, rejeitava programas ou postergava compromissos profissionais em troca de uma transa. Ah, e como gostava! Seu furor uterino (é assim que os “técnicos” definem a ninfomania) era daqueles exageros que no princípio agrada, no meio assusta e por fim enoja.
Tanto assim que essa “Tomb Rider de motel” não conseguia emplacar muito tempo com um parceiro só. Primeiro, por causa de seu gênio que era terrível; depois por causa de sua demanda sexual que tornava a aventura de alguém tentar acompanhá-la, um ponderável fator de risco. Até hoje não se sabe se ela era geniosa porque não arrumava parceiros duradouros, ou se não emplacava amantes por seu gênio de vaca-louca. Sua vida amorosa, se é que se pode dizer assim, fora pautada por fracassos, traições, chifres, “flagras”, olho-roxo, etc.
A psicanálise revela que o sexo realizado de forma exagerada reflete uma patologia psíquica crescente. A relação sexual é, para o indivíduo normal, um lenitivo, um fator de repouso e um elo de ligação com o parceiro. A pessoa equilibrada, emocionalmente estabilizada, se satisfaz em fazer sexo de duas a três vezes por semana. Quando alguém pratica o sexo pelo sexo, alguma coisa está errada. Sexo é fim e jamais meio. No reino animal, apenas a abelha-mestra não preserva seu macho. Ela o escolhe apenas para um sexo de reprodução, matando-o ou expulsando-o logo após. O ideal de uma relação humana normal, homem e mulher, não é transar ou fazer sexo, mas “fazer amor”, algo que soma e constrói.
Pois a heroína de nossa história tinha um notável desejo de constantes fricções nervosas, a ponto de não estabelecer uma medida normal para sua relações. Para ela era vital excitar-se, sentir prazer, ter orgasmos, satisfazer seu ego, repetindo tudo até a exaustão. Exaustão do parceiro. Para atingir esses objetivos ela não titubeava em buscar quaisquer meios para obter satisfação. Meios e lugares, pois para ela, além dos locais tradicionais, valia o escurinho do cinema, a escadaria do prédio, a mesa de trabalho, a pia da cozinha, o estacionamento do shopping, o mato a beira da estrada, e vai por aí.
Qual uma divindade mitológica do Oriente Médio, sua vida girava em torno da sexualidade. Isto é muito bom na literatura ou nas fantasias idealizadas pelas seções de erotismo das revistas masculinas. Mas para quem tem que viver uma realidade dessas no cotidiano, o que era para ser prazer se transforma em uma ameaça. Os parceiros, em face desse risco, ia saindo de fininho, se escusando, alegando cansaço, doença, senilidade.
Com idéia fixa no prazer, ela descobria cada vez mais meios e tipos de cativar, seduzir e enfeitiçar seus parceiros, cuja idade ia pouco-a-pouco decrescendo, em face do esgotamento do mercado e do avanço dela em anos, dificultando o assédio.
Numa dessas, depois de constatar que o tempo e a lei da gravidade dilapidara seu patrimônio físico e que sua capacidade de sedução baixara a limites críticos, ela começou a remunerar seus amantes, primeiro com presentes (perfumes, CDs, camisa finas, custeio de jantares e viagens, etc.) e depois com dinheiro (pagamento de aluguel, mensalidades escolares, mesadas), pois para ela era impensável ficar mais de três dias sem o prazer.
Numa dessas, já meio desesperada pela retração da procura, ela foi a boliche, e lá apontou sua cobiça para um garoto bem jovem, com menos de vinte anos, com idade para ser filho dela. Ela fez charme, focou, picou o olho e sorriu. Deu a volta, rebolou os quadris e encarou o mancebo. Este, desprevenido, não distinguindo na atitude daquela senhora um assédio sexual, perguntou assustado: “Pois não, tia?”