PAUSAS, APRENDIZAGENS E REGRESSOS

Durante um ano trabalha-se, têm-se alturas árduas de compromissos, épocas de cansaço, pontualmente vive-se alguma saturação, em alguns casos desentendimentos ou rivalidades, visões diferentes dos assuntos que geram incompreensão e insegurança, momentos de satisfação, horas de cavaqueio pós laboral inerente às nossas funções e – sempre – a vontade de férias.

O trabalho é salutar, dá-nos objectivos, desgasta-nos, proporciona-nos algum conforto e rendimentos e, porque produzindo contribuímos para o bem-estar da sociedade em que vivemos, inventaram-se as férias: elas permitem-nos a necessária pausa para continuarmos a produzir mas também novo círculo em que a moeda se troca, o emprego se garante e a economia se sustenta.

Para a maioria de nós, sem trabalho não haveria rendimentos nem a possibilidade de, pelo menos uma vez no ano, nos sentirmos donos de nós mesmos: com dinheiro, sem horários, com tempo para o lazer e para novas descobertas.

O próprio turismo evoluiu, tornou-se abrangente, diversificado, contemplando o urbanismo e a natureza, o sossego e o desporto, a cultura, a própria religião… E o ano de trabalho não nos parece o mesmo se, por qualquer razão, antevemos um final de ano sem férias, isto é, sem podermos mudar de ambiente e de rotinas.

O grande prazer inicia-se quando começamos a programá-las, a sonhá-las, a torná-las concretizáveis…

De acordo com os nossos condicionalismos (o dinheiro, a família, a saúde…) lá vamos, com as expectativas ao alto, erguidas como bandeira nacional em final europeia.

Se viajarmos em grupo, o melhor cruzeiro no Bósforo ou a magnífica “Fontana di Trevi” só têm verdadeiro encanto caso as pessoas com quem estamos usem a mesma conotação linguística ou, pelo menos, demonstrem os mesmos interesses e (ou) valores / atitudes compartilhados por nós. As férias conjuntas, como o trabalho diário, acabam por afastar ou aproximar “definitivamente” as pessoas.

Há férias que nos tocam tanto como aqueles professores que marcaram – profunda e definitivamente – a nossa vida. Outras são para esquecer…

Perante elas, as reacções também estão longe de ser as mesmas.

Alguns vão de férias e guardam-nas na alma.

Parte de nós comenta-as, de forma natural e sem exageros, com quem está mais próximo e nas devidas proporções de ocasião.

Outros fazem um aparatoso alarido: contam episódios, alongam descrições, exibem compras e indicam preços sem serem questionados. Há até quem quase obrigue os demais a visualizarem dezenas e dezenas de fotos, no emprego, e filmes enfadonhos, quando recebem visitas.

Há também quem nunca aprecie totalmente os locais que escolhe, lamentando-se sempre pela falta de qualidade do serviço e monstrando intolerância face a outros costumes, diversos mas legítimos. Ouvem-se sempre os mesmos a reclamarem a toda a hora, fora e dentro do hotel, como se fossem os únicos elementos do grupo com direito a serem satisfeitos, impondo uma importância que parecem não ter durante o ano. Exigem, chegam sempre tarde, nunca gostam do que lhes é destinado, deixando a impressão de serem pessoas que saem da rotina poucas vezes, passando as férias a incomodar todos os outros, tal como fazem no emprego, tal como fazem na vida.

Enfim, a concretização de férias, como a materialização dos sonhos, não é ideal. Constitui, isso sim, uma oportunidade. Uma excelente maneira de conhecermos personalidades, e modos de agir, e mais uma forma de aprendermos, quando somos capazes.

Agora que regressámos, a nossa Ilha revela-se ainda mais bonita e parecemos gostar ainda mais dela.

Poderemos tentar fazer o mesmo com as pessoas, esquecendo, para isso, algum pequeno dissabor, uma ou outra incompatibilidade, reencontrando-as com uma certa dose de tolerância e cortesia: pelo menos, fica-nos a certeza de lhes termos dado a oportunidade de nos tratarem com o mesmo decoro, durante o ano preenchido que agora começa. Mas devemos fazer sentir, também, a velha máxima de Aristóteles, segundo a qual ninguém é dono da nossa felicidade e, por isso, não podemos entregar “a nossa alegria, a nossa paz e a nossa vida nas mãos de ninguém”, por muita ternura que nos suscite ou por muito respeito que nos mereça.

ANTÓNIO CASTRO

(OPINIÃO - REVISTA SABER

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(António Manuel Antunes de Castro)
Enviado por (António Manuel Antunes de Castro) em 21/05/2009
Código do texto: T1605685
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