O ECA e a vida
O ECA, como lei que veio para dar proteção integral à criança e ao adolescente, mostra-se perfeita em todos os seus aspectos: tanto ao se referir de quem é o dever de cuidar da criança e do adolescente, quanto ao que concerne à punição quanto a atos infracionais. Porém é apenas uma lei, e para que passe a existir como realidade precisa ser posta em prática, precisa acontecer no cotidiano brasileiro.
Como é do conhecimento de todos, o Brasil é um lugar maravilhoso, turístico, de muitas culturas, que recebe gente dos quatro cantos do mundo, seja para visitas, seja para morar. Um verdadeiro paraíso, onde os ricos estão cada vez mais ricos, políticos fazem o que querem, onde tudo acaba em pizza e apenas vão para a cadeia os pobres, os ladrões de galinhas, os moradores das favelas, tidos como bandidos, pois os ricos estão por aí, sempre nos escândalos, mas sempre na “crista da onda”.
Para entendermos a situação de hoje, teríamos que reportarmo-nos à História do Brasil, começando há 503 anos, quando o Brasil foi invadido por colonizadores europeus, com o objetivo de enriquecimento de setores da Europa. Assim, o atual Papa Nicolau ofereceu aos reis de Portugal e Espanha um documento onde dizia de forma clara e objetiva que eles poderiam invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estivessem, como tomar posse de tudo quanto fosse deles, reduzindo suas pessoas à perpétua escravidão. Assim, tais reis promoveram, uma varredura por toda a África, e fizeram daqueles que eram livres, escravos até hoje. Veio a liberdade, através da Lei Áurea, mas uma liberdade mascarada... O que deram ao negro não foi liberdade, mas sim uma prisão perpétua, amarrando-o ao vício, ao ócio ou à contravenção. Formaram-se assim as primeiras favelas. Surgiram os primeiros bandidos. Aumentou a concentração de renda nas mãos dos ricos, e a classe pobre foi ficando evidentemente cada vez mais pobre. Não foi só o negro que passou por isso, mas também o índio e a maioria dos assalariados. Sem direito a uma escola de qualidade e à condições mínimas de sobrevivência, passou a existir a lei do “FAZERMOS O QUE PUDERMOS”, e assim a sociedade vem através dos tempos, massacrando toda essa classe de pessoas, que não têm sequer dignidade para se dizer um cidadão.
Assim, podemos dizer que somos o país dos excluídos sociais, que passamos por uma desagregação familiar e que temos falta de perspectivas futuras. Imaginar um mundo maravilhoso para crianças e adolescentes chega a ser utopia!?
Nesse país em que a sociedade precisa se virar do avesso para sobreviver, onde o que existe é a lei do mais esperto, onde a vida nas favelas é financiada pelo tráfico, onde os adultos “bebem’ para esquecer da vida que têm, onde as coisas se resolvem na pancadaria, com tiros de armas que nem mesmo a polícia possui, lugar onde a prostituição impera, onde poucos têm acesso à educação. Em meio a todo esse caos social, assistimos a uma criança que é agredida, violentada sexualmente, vendida, explorada por meio de trabalho escravo. Imaginar uma criança perfeita diante de tudo isso é como acreditar em “Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa”.
Segundo Vygotsky, o desenvolvimento humano é concebido a partir das relações sociais que a pessoa estabelece no decorrer da vida. Assim, a criança vai ser e fazer o que são e fazem os seus. Ela é fruto de seu meio social. Reflete exatamente tudo o que presencia, vive a realidade do adulto, perdendo assim sua infância, seu direito de ser criança, de ser feliz. Passa à marginalidade, à venda do sexo, ao uso das drogas e do álcool para esquecer da vida que tem, e enreda-se por um caminho onde o fim é a morte ainda na infância.
Se já não bastasse esse absurdo que assola as classes menos favorecidas, ainda nos defrontamos com casos como o da “Menina Isabella Nardoni, onde o pai (advogado) e a madrasta, pertencentes à classe média, além de agredirem fisicamente a garota, acabaram por lançá-la pela janela do edifício onde moravam. Em outro caso, o pai, que após agredir e brigar com sua mulher, decola com sua filha em um monomotor, e cai em seguida sobre um shopping em Goiânia. E ainda, os escândalos de pedofilia, incluindo pessoas ricas e conhecidas das sociedades em que moram.
Em todos os casos, os maiores prejudicados são as crianças e os adolescentes, que desprovidos de proteção acabam por sofrer tudo o que lhes é imposto sem ter como se defender.
Ainda assim queremos justiça! E a sociedade que tem criado crianças-delinquentes, se vê respaldada no direito de fazê-las arcar com seus atos de irresponsabilidade, e segundo o ECA, em seu artigo 112, esses adolescentes podem sim responder por seus atos infracionais, cabendo a autoridade competente aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
A internação, exige que cumpra-se o
Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público;
II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;
III - avistar-se reservadamente com seu defensor;
IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;
V - ser tratado com respeito e dignidade;
VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;
VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;
VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;
IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;
XI - receber escolarização e profissionalização;
XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer:
XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;
XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;
XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;
XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.
§ 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.
§ 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.
Infelizmente, ao menor delinquente poucos desses direitos são respeitados, sendo “jogados” em verdadeiras cadeias disciplinares, “entulhados” como lixo, sofrendo todos os tipos de agressões, ficando a mercê de pessoas que apenas querem o seu salário no final do mês. Se sequer conseguirão sair de lá como seres vivos, quem dirá como cidadãos, conscientes de seus direitos e deveres e prontos a fazer parte da sociedade. O fim desses adolescentes que por aí passam, é o presídio, após completarem a maioridade, isto se não morrerem durante algum motim ou tiroteio antes mesmo de cumprirem suas penas.
Assim, o ciclo segue seu curso. A sociedade cria cada vez mais delinqüentes, que multiplicam-se e fazem com que a desigualdade social permaneça.
Acredito que o primeiro passo seria fazer valer o que diz o Art. 4º:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Quando faltar à família, que as outras esferas sejam solidárias e promovam a educação dessa criança, para que ela possa ser um adulto de bem.
Que onde houver a violência, em qualquer uma de suas formas, que venha a ser denunciada, e os Conselhos Tutelares tenham realmente o cuidado de analisar e tomar as providências cabíveis, preservando sempre o bem estar do menor.
Que a sociedade abra seus olhos para ver que além do “menor infrator”, há por trás a humanidade doente, que precisa de cuidados, de carinho de proteção. E que por trás de tudo isso, existe a necessidade da EDUCAÇÂO.
Educação para a mudança... Educação para a liberdade!
Segundo Paulo Freire “ao professor ético, ciente de sua tarefa de transformador social, cabe fazer de seus educandos seres éticos, na plena acepção da palavra. Participantes, livres, responsáveis, cientes de que podem intervir no mundo, reproduzindo ideologias existentes, ou desmascarando a ideologia dominante. Cabe ao indivíduo escolher o seu destino, e ao professor, formar essa autonomia nos indivíduos.”
É através da educação, do professor, que a sociedade poderá ser diferente: livre, consciente de seu poder, de seus direitos e deveres. Assim, as crianças e adolescentes terão um mundo melhor para viver.