JEAN WYLLYS RESPONDE E ESCREVE ...
SUCESSO PURO !
A luz que guia o meu dia
G Magazine
Com um artigo (“Quem tem medo de Jean Wyllys?”) e uma entrevista publicados em edições recentes da G Magazine, o escritor João Silvério Trevisan e o jornalista Celso Curi – ícones da cena gay brasileira - acenderam uma fogueira, na qual procuro botar lenha agora: por que uma parcela expressiva de gays é refratária à diversidade de representações e de comportamentos no interior de nossa comunidade e não tolera ver gays fazendo sucesso?
Sim, estou cada vez mais convencido de que há uma enorme quantidade de gays que não só não votou pela minha vitória no Big Brother Brasil como, agora, torce pela minha derrota no espaço público. Minhas experiências cotidianas estão aí para comprovar. Nos lançamentos de “Ainda lembro” Brasil afora, a maioria esmagadora dos que lotam as livrarias ou feiras para pegar um autógrafo é heterossexual. E Quando vou a uma boate ou qualquer espaço de circulação gay, nem todos expressam alegria, satisfação ou orgulho em me ver ali: há sempre dezenas de aves de rapinas me olhando enviesado, com caras de desdém e comentários maledicentes.
Poderia tratar aqui dessas experiências corpo-a-corpo com essa gente que se habituou a ser poeira de estrela e, por isso, quer apagar a luz alheia. Mas não vou. Prefiro falar das experiências virtuais; dos e-mails de gays que chegam através da G Magazine e que trazem, nas entrelinhas, as mesmas marcas da inveja – a pior das formas de admiração. Aliás, falar não, responder. Não posso deixar essa gente sem resposta; não posso deixar que a luz que guia o meu dia não ilumine seus escuros.
Um leitor, reproduzindo a opinião de um jornalista da Folha de São Paulo, acusou-me de “vendido à Rede Globo” e “careta” e disse que, em meu livro, “faltam os elementos de uma literatura gay – sexo, palavrão e Aids”. Trata-se, claro, de uma interpretação (Nietzsche já havia dito que não há nada mais do que interpretações); de uma leitura. Outras foram feitas, bem diferentes. E eu estou feliz com todas elas.
A cobrança por sexo anônimo, palavrão e Aids como elementos de uma literatura gay (se é que isso existe) só mostra como muitos homossexuais estão aprisionados ao imaginário que "o macho adulto branco sempre no comando" criou historicamente para nós (o termo homossexual em si já faz parte dessa criação). Certa vez, Michel Foucault escreveu que a cultura cristã ocidental não permitiu aos homossexuais elaborar um "sistema de corte" (paquera, galanteios, cartas de amor, etc.), uma vez que lhes foi negada e expressão cultural necessária a essa elaboração. Essa negação, segundo Foucault, teria levado a homossexualidade a concentrar sua energia no próprio ato sexual. Daí o fato de a literatura feita por muitos homossexuais (a maioria) não sair dessa recorrência da pornografia, dilaceração sexual e doença, lida por alguns como transgressão artística e vanguarda; daí a reduzida valorização literária, cultural e estética de outros valores e posturas que existem entre os gays. Ou seja, dizer que sou “vendido à Rede Globo” e “careta” é só uma questão de perspectiva ou interpretação.
Outro leitor, reclamando de minha defesa às bichas “quá-quás”, comentou ironicamente que adoro citações de música e citou uma expressão em latim que justificava seu desprezo aos gays afeminados. Bom, quero reafirmar que adoro mesmo citar letras de MPB e falas de personagens de telenovelas. Agradam-me mais que as citações em Latim, a língua morta. Morta. Mas gostaria de lembrar que é preciso investir na ética para se viver bem com a diferença e a ética, dito de uma maneira simples, é não querer para os outros aquilo que não queremos para nós mesmos. Se não queremos ser exterminados porque somos diferentes, não vamos desejar o extermínio do outro pela sua diferença. A diversidade de comportamentos existe e ninguém é obrigado a aplaudir ou seguir qualquer comportamento específico... O problema é querer eleger certos comportamentos e posturas como superiores (os heterossexuais, por exemplo, acham que sua prática sexual é superior/ normal/ melhor que a prática homossexual; eles estariam certos? Pense nisso...). Só quero vos fazer felizes e quero ser feliz também!
Jean Wyllys é escritor, jornalista e Mestre em Letras pela Universidade Federal da Bahia.
maio/2006