Expressionismus
O EXPRESSIONISMO ALEMÃO
CONTEXTO HISTÓRICO
Nos anos pré-primeira guerra o cinema na Alemanha esteve em defasagem em relação ao do resto da Europa; as salas de exibição dependiam à larga dos filmes importados da França, Itália, Estados Unidos e Dinamarca. Mesmo esta fonte secou quando, no início de 1916, tal mercado foi oficialmente proibido. Isto intensificou a produção interna, com a criação de mais de duzentas produtoras em seis anos(1913-1919), segundo atesta o historiador David Robinson(O Gabinete do Dr. Caligari, 1997).
Intensificada a procura por filmes, logo as autoridades viram nisso uma oportunidade de 'elevar a moral' do império germânico por meio da propaganda, ao mesmo tempo em que tentavam coibir ou mascarar os movimentos de revolta, causados pela inflação e pela inquietação sócio-política. Também era de seu métier responder à ameaça dos filmes antialemães em exibição no exterior. Estimularam, portanto, a organização de verdadeiras indústrias de cinema, como a Decla-Bioskop e a Ufa(Universal Film Aktiengesellschaft), criada pelo General Ludendorff em 1917 e que conglomerava as principais companhias cinematográficas germânicas da época- objetivando otimizar os padrões de marketing e produtividade.
Com a derrota da Alemanha em 1918, passou a Ufa ao controle do Deutsches Bank; a missão era, agora, projetar uma imagem purificada e comercialmente atraente do país ao mercado exterior. O fim da censura no pós-guerra e a retomada dos controles individuais das companhias(Lei do Reichfilm, maio de 1920) provocou uma avalanche de filmes sobre temas variados- sexo, problemas sociais, de detetive, superproduções históricas, comédias leves etc. A influência teatral, via Max Reinhardt, encontrava apoio no desemprego reinante que barateava os custos com extras e favorecia a invenção de novos cenários baratos e criativos. A moeda fraca possibilitava maior divulgação e competição dos filmes no outro lado do Atlântico.
Até este momento, porém, o mundo externo ainda alimentava altas suspeitas aos produtos vindos de uma nação imperialista recém-batida em conflito. Não se via com bons olhos a propagação da arte e propaganda germânica no Leste Europeu... O protecionismo era evidente em Inglaterra(embargo de 5 anos a filmes e equipamentos alemães) e em França(de 15 anos!). Os EUA não impuseram condições formais, mas houve rumor. A citada Lei do Reichfilm, permitindo que, dos filmes exibidos no país, 15% fossem importados do resto da Europa, alavancou, porém, uma maior confiança, e, assim, catapultou o cinema tedesco para a história.
CONTEXTO ARTÍSTICO
A crítica Lotte Eisner, em seu livro L'Ecran Démoniaque( A Tela Demoníaca, 1985) admite que o movimento expressionista é, antes de tudo, complexo e paradoxal. Robinson o considera presente em obras de arte de qualquer povo ou período. Os dois clamam que ele seja, antes de tudo, uma Weltanschauung e uma interpretação didática da Arte. A palavra, em verdade, não delimita sequer uma escola ou estilo claro no tempo e no espaço. Mas sua principal corrente vem dos centros urbanos alemães e austro-húngaros das primeiras décadas do século passado, tendo sorvido influências do Cubismo, Fauvismo, Futurismo, Construtivismo, Dada etc. Constantes eram as cisões, reformas, fusões e reformulações naqueles grupos; alguns apelavam a ter um programa formal(Der Blaue Reiter), outros anatematizavam qualquer tentativa disso(Die Brücke)- seguindo todos com características intrínsecas pela Literatura, Teatro, Poesia, Pintura, Escultura. Nomeie-se entre os seus fundadores Van Gogh, Gauguin, Munch, Nietzsche, Schopenhauer, Bergson, Hoffmann, Poe, Trakl, Werfel e Kafka.
Obviamente o termo Der Expressionismus surgiu em contraposição a Der Impressionismus. Foi Wassiliy Kandinsky quem escreveu que:
Partimos da idéia de que o artista, além das impressões que recebe do mundo exterior, da natureza, continuamente acumula experiências em seu mundo interior, e é em busca de formas artísticas que deve se libertar de todos os elementos irrelevantes, de modo a expressar só o necessário...
Eisner indica que a obra expressionista tem um estilo telegráfico, breve, vago, que, ao contrário do que se poderia pensar, não tenta simplificar a complicada sintaxe da frase alemã, mas exaltar, amplificar, o significado "metafísico"das palavras- criando cadeias ilógicas, insinuantes e randômicas similares à mnemotécnica da Idade Média, em que um enorme texto se reduzia a uma única mensagem esotérica simples. Os Expressionistas mentavam o futuro e o progresso imbuídos de uma visão antimaterialista e transformadora de que a guerra fora uma força de libertação cujos filhos artistas seriam profetas e pregadores de um mundo em ruínas destinado a conhecer o fim da Desilusão.
A representação expressionista, seguindo esta formulação, e harmonizando-se à do cinema mudo em geral, é descrita por Paul Kornfeld assim:
(o ator), se deve morrer no palco, não deve aprender a morrer indo a um hospital, e, se tem o papel de um bêbado, não deve visitar um bar para ver como se faz isso.Deve ter a coragem de estender os braços e, num trecho particularmente inspirado, falar como nunca falaria na vida real... não deve ter vergonha de representar, não deve temer o teatro.
Veja-se o que diz Hans Janowitz, um dos roteiristas de Das Cabinet des Dr. Caligari, sobre sua criação:
Toda palavra , portanto, tinha que ser pesada cuidadosamente, já que devia liberar uma associação com um quadro mental na imaginação do ouvinte e, ao mesmo tempo, servir à continuidade da história.(...) a importância da impressão visual que ela estava destinada a dar.
Características do movimento
"O que as idéias são em relação às coisas, as constelações são com relação às estrelas"
Trauerspielbuch, Walter Benjamim.
São muitas as características discerníveis nos filmes expressionistas alemães; a lista a seguir não pretende ser exaustiva. Alguns itens parece serem redundantes. Mas a mesma palavra desempenha, nas mãos de diferentes diretores e em filmes em particular, papéis bem diversos.
Desse modo, o Expressionismo alemão no cinema se apresenta:
• individualista(gênese do filme de autor: Murnau, Lang, Wiene, Pabst, Wegener).
• dualista, no tratamento luz & sombra, redenção & danação.
• antiburguês, um reflexo da guerra e da moldagem ideológica.
• barroco/gótico, em seus temas e estética.
• simbólico, alegórico, de "senhas" difíceis de desencriptar(Murnau)
• cenarista/decorativo, com o intuito de criar a "Stimmung", atmosférico.
• impreciso em relação às épocas, fundindo vários estilos(o Biedermayer e o Quattrocento italiano, por exemplo).
• técnico, usando o fade-in(aufblenden) , fade-out(abblenden), travelling, plongée e contra-plongée.
• de estúdio(alguns, porém, como Murnau, se utilizaram de cenários naturais), criando a féerie de laboratoire(magia de laboratório).
• de moldura, a tela sendo utilizada como um papiro, uma vitrine, uma lente de câmera, um flash ou microscópio, um espelho quebrado.
• de memória e miragens, acentuando emoções regressivas, como fobias de infância, traumas adolescentes e nostalgia.
• de alongamento gráfico(obliqüidade dos closes e da própria montagem, também baseada na dualidade bom & mal, rico & pobre, belo & feio): El Greco e Dürer levados ao cinema.
• de sobreimpressão, bleaching etc(ver Caligari, na cena em que ele vê palavras flutuando a sua volta)
• com subtítulos, como uma obra de iluminura medieval.
• cultuando o duplo, o "doppelgänger", a dissociação da personalidade.
• geométrico, tratando as multidões como sólidos que se movem predestinadamente, mas sobre curvas inesperadas(Fritz Lang).
• como "a mão que atravessa o objeto e/ou o evento e se apodera do que está por trás, oculto".
• homenageando a cabala e a alquimia, o Sandmann, o Zauberlehrling, o Fausto.
• manipulador da iluminação para criar profundidade e atrair a concentração do espectador.
• de chiaroscuro, à la Rembrandt e Caravaggio.
• dos atores de interpretação naturalista(teatro de Max Reinhardt) e às vezes caricatural.
• antipsicanalista(mostra a psique mas não tenta interpretá-la; sugere e a usa como focalizador da atenção)
• permeável a um mundo místico judaico-cristão, nórdico, baseado nas Märchenlider(fantasmas, espíritos elementais, deuses e heróis).
• não vendo o mundo, simplesmente, mas tendo "Visões" dele.
• aprofundando a essência de fatos e objetos para extrair deles estados d'alma.\
• descobridor de uma 'fisionomia latente' dos objetos.
• de Ballung, isto é, cristalizando intencionalmente e intensivamente as formas das coisas.
• de animação do inorgânico e vice-versa(O Golem, Lulu).
• de mímica, para suster os segredos e expressá-los de forma fantasmagórica.
• do uso de lentes deformantes, efeitos Kuleshov e de ilusionismo.
• da cadência musical ditada ou substituída pela luz e pela sombra.
• doador de "espessura", "textura" às sombras.
• vendo o ator pelo microscópio, ressaltando o rosto ou a delgacidade do corpo(Caligari e Cesare).
• dos personagens primordiais(o Louco, Deus, o Diabo, o Anjo, a Virgem etc)
• do sfumato(Londres, em A Caixa de Pandora).
• com o começo de drama cosmológico e com o fim de tragédia escatológico-catastrófico.
• da dramaticidade dos ângulos(quebrados) de câmera.
• da valorização das plásticas do conjunto e do pormenor(postura medieval, de iluminura).
• da conversão, metanóia(Fausto).
• segundo Murnau, "a arte é simples. Mas a autêntica simplicidade exige o máximo da arte".
• não interpondo o fator mecânico entre o espectador e o filme. As técnicas fluem e passam despercebidas.
• um realizador de ritmos(das máquinas, em Metrópolis, dos corpos, em Nosferatu, dos relógios, dos ciclos da natureza em Caligari).
• representador das linhas de força(Kraftlinie) das tensões exaltadas.
• do Rebis, do Andrógino etc como seres submersos num mundo paralelo próximo.
• provocador de aceitação hesitante e de posicionamentos críticos exacerbados.
• do encadeamento de visões e movimentos.
• da luz solidificada onde se movem os homens como se por cordas de marionete(Cesare).
• circense, burlesco.
• da objetividade realístico-fantástica estilizada.