Brasileiros desapropriados na Bolívia
No meu artigo anterior, deixei de citar um equívoco. A disputa da Bolívia é com uma empresa brasileira, quase privada, em que o governo, que detém apenas 45% de ações ordinárias, tem o controle administrativo. Não é contra o Brasil
A “Folha de S. Paulo”, não foge do sensacionalismo, vê chifre em cabeça de cavalo. A manchete de domingo (7 de maio) é notável: “Bolívia já prepara desapropriação de terras de brasileiros”. Quem lê pergunta: “mas não éramos amigos?” Na grande mídia nacional, cobra mandada de Bush, o pérfido Morales, monitorado pelos “comunistas” Chávez e Fidel Castro, pensaram um plano diabólico só para prejudicar brasileiros. Que horror! Quando o leitor avança até o caderno de Economia, verifica ter sido vítima de uma pegadinha do jornal:
“São aproximadamente oito decretos e um projeto de lei, que têm a finalidade de reverter ao Estado boliviano todas as terras que não cumprem uma função econômica e social ou cujos títulos de propriedade tenham sido obtidos fraudulentamente”, disse à Folha um ministro boliviano.
E vai adiante:
“Isso representará a recuperação de 11 a 14 milhões de hectares de terras, que serão distribuídos a camponeses sem-terra, comunidades indígenas e originárias e a todos os bolivianos que não possuem terra e estão dispostos a trabalhá-la. Mas representará também a segurança jurídica para todos os pequenos, médios e grandes proprietários e empresários que cumprem a função socioeconômica, trabalham a sua terra e a possuem de maneira legal”.
Está no jornal, é só ler.
Ah, bom, então não é contra os brasileiros lá radicados? É contra os grileiros! Mas que importa? A rima é a mesma. É tudo festa! Esse pessoal da “Folha” é realmente jocoso. O ex-ministro Rubens Ricupero (aquele!) é outro pândego. Ele pede a solução do caso, através da Associação de Arbitragem de Nova York, utilizando leis do Estado de Nova York. É um piadista!
Nossa mídia se fosse honesta, deveria informar ao público que os defensores dos “interesses nacionais”, pagos pelo governo FHC, foram coniventes ou partícipes dos seguintes atos, entre 1995 e 2002: primeiro, a aprovação da Lei 9478/97, que acabou com o monopólio estatal do petróleo e possibilitou a empresas estrangeiras explorar jazidas brasileiras e a comercializar e exportar petróleo; segundo, a venda de 59% das ações da Petrobrás. Destes, 40 % foram comercializados em Wall Street e 19% foram passados a investidores e especuladores brasileiros.
Embora a maioria dos votos na direção da empresa pertença ao Estado, ela tem sofrido pressões crescentes para não atender prioritariamente os interesses do país, mas a de contentar seus sócios privados. Houve aqui uma privatização por dentro; e, terceiro, o governo FH assinou, em 1999, um contrato de fornecimento (terceirizou) de 30 milhões de metros cúbicos de gás, por 20 anos, com empresas multinacionais que exploravam as reservas bolivianas.
O Brasil consumia pouco mais da metade deste volume. Houve intensa pressão internacional para que nosso país mudasse sua matriz energética hídrica, possibilitando a produção de eletricidade através de usinas térmicas. Na raiz desse fato estava a privatização de nosso sistema elétrico. Mais cara e mais poluente, a instalação de termelétricas, no entanto, era de interesse das empresas americanas do setor, que acabaram vindo para o Brasil. Não é à toa que a Enron, por exemplo, atuasse em duas frentes, na Bolívia e no Brasil, durante esse período. O contrato é denominado “take or pay”. A Petrobrás teve de pagar pelo gás, mesmo sem utiliza-lo integralmente. Isto, veiculado nas entrelinhas dos jornais, não é do conhecimento dos nacionalistas ofendidos.
Para debater um assunto desses, não basta ser “patriota”. Tem que conhecer economia e política externa.
O autor é Filósofo, Doutor em Teologia Moral
e professor de Formação Social e Política do Brasil.
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