vinhos do dão: paixão que nunca se esgota

Os tintos são dos vinhos mais encorpados e perfumados do país. Os brancos são leves e aromáticos. Quem os aprecia cria à sua volta um ambiente especial. Uma espécie de ritual onde os sentidos são postos à prova para decifrarem as características daquele que é considerado o melhor vinho de mesa do país. O Dão é paixão que não se esgota, quando se sabe beber.

Reportagem: Helena Teixeira

Há quem compare o acto de beber os vinhos do Dão a um acto de amor. O primeiro contacto resulta numa surpresa: o aspecto geral agrada à primeira vista e o conteúdo é interessante. Depois, a vontade é sempre de um novo encontro, com mais tempo para conhecer as características e saborear o momento. Os mistérios vão-se revelando, mas nunca no seu todo. E é através dos sentidos - visão, olfacto, paladar e, também intuição – que aflui uma intimidade de tal forma envolvente que o tempo e os dissabores da vida nunca conseguirão quebrar.

Ao segurar um copo do Dão, um apreciador de vinhos pende o olhar na tonalidade e na espessura, respira de seguida o seu aroma e, por fim, saboreia-o sem pressas, sentido a textura e o sabor na boca. Para que todo este ritual seja perfeito, quando se trata de um vinho tinto este deverá ser encorpado e de uma maravilhosa cor rubi, perfumado e macio como o veludo. Já a um vinho branco, exige-se que aparente uma bela cor citrina e um pronunciado aroma e sabor a frutos.

Comentar sobre os vinhos do Dão é quase encarnar a alma de um poeta a descrever a sua amada. A maioria dos especialistas na matéria – quase todos associados, de uma forma ou outra, a instituições ligadas ao culto do vinho – falam do Dão como se de uma pessoa se tratasse. Já Cícero deixou escrito: “Os vinhos são como os homens, com o tempo os maus azedam e os bons apuram”.

Existe, contudo, uma explicação para esta personificação. O Dão, para além de constituir actividade agro-industrial e comercial, envolve uma riquíssima componente cultural aliada a tradições vindas de tempos imemoráveis. Há, por exemplo, indícios de que este néctar divino tenha viajado nas caravelas do Infante D. Henrique – também proprietário agrícola e vitivinicultor da região do Dão Lafões – à descoberta do mundo.

Aliado ao Dão, está a situação geográfica da Região Demarcada, que favorece o clima ideal para a maturação das uvas. Toda a região é enquadrada pelo acentuado relevo da zona Centro do país – as serras da Estrela, do Caramulo, do Buçaco, da Nave, da Lousã e do Açor – que forma uma barreira natural aos ventos marítimos e ibéricos.

De resto, a natureza tem aqui o seu papel importante ao revelar paisagens únicas, capazes de prender a atenção de qualquer um, incluindo os terrenos de cultivo de vinha, em encostas de socalcos. Os beirões são acolhedores por natureza e de palavras quentes, cativando o forasteiro pela boca, com variados e suculentos pratos regionais, sempre acompanhados de um requintado vinho do Dão. São prata da casa o cabrito assado no forno, as carnes em vinha de alhos ou condimentadas, para além dos queijos e enchidos que só de pensar fazem crescer água na boca.

Este conjunto de factores constituem, sem dúvida, a grande riqueza e segredo que levam ao sucesso do Dão, considerado como o melhor vinho de mesa do país, por enólogos portugueses e estrangeiros. A sua influência pode ainda descobrir-se na literatura popular, na pintura, na escultura e no folclore ( nas músicas e nos trajes).

Produção de 99 prevê-se muito boa

Quando se aproxima Setembro – a época das vindimas – os vitivinicultores temem sempre a alteração do tempo, as chuvas fortes ou o granizo, principais responsáveis por uma má colheita, sem qualidade e com pouca quantidade de vinho. Este ano, as expectativas apontam para uma excelente produção, com sucesso em todas as vertentes, ao contrário das colheitas do ano passado, que originaram bom vinho, mas pouco.. Depende, pois, do S. Pedro que o bom apreciador de vinho tenha Dão de na passagem deste milénio, para fazer um brinde especial a tudo o que de bom ficou para trás e, também, às surpresas que 2000 reserva.

Recorde-se que das últimas décadas registam-se como verdadeiramente excepcionais as colheitas de 1960, 1964, 1966, 1970 e 1988.

Mas as boas colheitas não chegam para fazer bom vinho. A opção pelas castas nobres – Touriga Nacional, Tinta Pinheira, Alforchoeiro Preto, Jaem e Tinta Roriz e Bastardo (nos tintos); Encruzado, Assario, Barcelo e Cercial (nos brancos) – é hoje a responsável pela melhoria dos vinhos das cooperativas. Da região Demarcada são bastante apreciados os vinhos da UDACA – União das Adegas Cooperativas do Dão -, com sede em Viseu, que integra as adegas cooperativas de Ervedal da Beira, Mangualde, Nelas, Nogueira do Cravo, Penalva do Castelo, S. Paio, Santa Comba Dão, Loureiro de Silgueiros, Tondela e Vila Nova de Tázem.

Dotada de um moderno e funcional centro de engarrafamento e comercialização, a UDACA dignifica o sector vinícola regional ao cuidar com atenção e interesse reforçado o tão afamado vinho do Dão. Em nenhum restaurante faltam garrafas da UDACA, cujo conteúdo divino eleva a alma e aquece o coração.

A produção média anual do vinho do Dão, ronda os 500.000 hectolitros, sendo de 70% a produção dos vinhos tintos, 20% a dos brancos e 10% a dos rosados. Contudo, apenas 250.000 a 300.000 hectolitros são susceptíveis da denominação Dão, repartidos pelos quatro agentes económicos: 50% para as adegas cooperativas, 30% para os centros de vinificação, 10% para os produtores e engarrafadores e outros 10% para os produtores vinificadores.

Hoje é atribuída Denominação de Origem do Dão e o respectivo selo de garantia a mais de 30% dos vinhos produzidos. A qualidade dos vinhos é controlada pela Comissão Vitivinícola Regional do Dão, através do seu laboratório e da Câmara de Provadores.

Outras entidades trabalham à volta do Dão, servindo-o com igual dignidade. É o caso do Centro de Estudos Vitivinícola de Nelas que, com 47 anos de existência, continua a não olhar a meios no que respeita ao estudo do vinho do Dão, que engloba a implantação da vide, a análise dos vinhos, o apoio técnico aos vitivinicultores e as acções de formação nas mais variadas temáticas. Aqui prova-se a todo o custo que os vinhos podem ser eternos, uma vez que existem na região brancos e tintos com mais de 30 anos.

Importante para a região são, também, os chamados “vinhos de Quinta”. Por toda a Beira Alta existem casas senhoriais associadas aos vinhos, com produtores engarrafadores que gastam avultadas quantias na inovação tecnológica com vista à melhoria das condições. É o caso da Quinta do Carvalhal, cujo centro de vinificação e engarrafamento é considerado como um dos melhores da Europa.

Com tanta gente a trabalhar para ele, o Dão está como quer e ganha terreno no mundo da comercialização de vinhos. Por ser um dos melhores do país, passa por um controlo intensivo e por estágios obrigatórios. Os vinhos tintos, quando envelhecidos, tornam-se mais macios, adquirindo um esplendoroso “bouquett”. Os brancos, apesar de mais jovens, conseguem ser delicados e frescos na boca. Como, aliás, manda a tradição desta região demarcada.

Os Vinhos do Dão são comercializados nos principais mercados de mais de 50 países dos cinco continentes, sendo os mais representativos os da Dinamarca, Alemanha, França, Holanda, Reino Unido, Brasil, EUA, Macau, Noruega, Suíça, Canadá e Angola.

lunapensativa
Enviado por lunapensativa em 09/05/2005
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