puta de vida
Sem valores morais, amor-próprio ou pudor, as prostitutas são tidas pela sociedade como casos perdidos aos quais se baixam os olhos, se negam palavras e sentimentos.
Estas são as histórias de prostitutas que são mães, avós e companheiras. A actuarem na rua ou em casas alugadas, todas elas são assombradas pelo fantasma de uma vida sofrida, que nem os anos que passam e o alívio monetário apagam das suas memórias. Cada contacto é um relato diferente. Mas há episódios que são partilhados por todas elas. Vale a pena reflectir sobre cada história e tentar compreender o que está por detrás daquela que é considerada a profissão mais velha do mundo.
“Maridos, só os que aqui arranjo”
Ana - o nome que lhe atribuí por se negar a revelar a identidade - já ultrapassou os 60 anos. É franzina e tem os olhos carregados de maquilhagem azul. Quando a interpelo, num dos cruzamentos da Circunvalação, fica intimidada e não quer conversar. Após alguma insistência minha, ela revela alguns pormenores da sua vida, grande parte dela passada em Aveiro, onde tem filhos e netos. Misturam-se risos e suspiros. É que não há mesmo muito para dizer, pelo menos algo do qual tenha grande orgulho.
“Sou prostituta porque preciso de dinheiro” - explica-me com um sorriso pálido e doce ao mesmo tempo. “Tentei arranjar um emprego digno, mas levei sempre com a porta na cara”. Ana garante que o dinheiro que juntou - e o que ainda vai ganhando - dá para viver sem preocupações e para ir construindo a sua própria casa.
Em Aveiro os filhos estão convencidos que Ana é empregada de limpeza em Viseu. Há três anos, ficou viúva e, sem meio de sustento, decidiu enveredar pela prostituição. Hoje, explica-me como “engata” o cliente: “Eles vão parando por aqui e convidam-nos a entrar no carro. Ou vamos para um sítio mais discreto ou para trás das silvas, do outro lado da estrada”.
Enquanto conversamos, um agente da polícia que ronda por ali mete conversa com uma prostituta mais nova, a escassos metros de nós. Pergunto a Ana se tem tido problemas com os agentes: “Antes, quando aparecia a bófia, éramos como cabras a fugir pelo mato fora. Agora é diferente, porque eles só vêm ter connosco para nos avisar que não deveríamos estar ali”.
Um agente da polícia por perto é hoje bem aceite pelas prostitutas. “Uma noite, fui maltratada por um cliente que, para além de não me ter pago, assaltou-me e levou-me a documentação. Tinha 40 contos na carteira”.
Ana quer deixar a prostituição. Sem perspectiva de arranjar um companheiro fixo, é ela mesma quem diz: “Maridos, só os que aqui arranjo. E por dinheiro”.
“Aprendi o que é a vida”
Em Cabanões, vou ao encontro de uma Maria. As duas colegas que a acompanham desaparecem pelas giestas altas. Ela permanece sentada num balde de lata, com uma saia arregaçada até às ancas e as meias rotas. O rosto sereno, por vezes coberto de mechas de cabelo negro, emana uma energia enorme e um orgulho indescritível.
Vítima de um divórcio, Maria tem dois filhos, uma renda de casa na ordem dos 60 contos e um encargo de 1500 escudos por dia para poder ter o bebé de seis meses numa ama. O filho mais velho, de 12 anos, está entregue aos avós e frequenta a escola preparatória. Maria tem receio que ele se aperceba do tipo de vida que leva e está a pensar em sair da prostituição: “Só faço intenção de continuar até ao Verão”.
Quando decidiu ser prostituta, há três meses, Maria sofreu em silêncio: “Ouvia falar da Sida e sentia-me pouco à vontade” - explica. “Depois, há sempre o problema de estarmos sozinhas, mas também acho que um homem que vem ter com uma mulher paga e vai embora. Mesmo que haja uma brutalidade qualquer, estamos sempre duas ou três raparigas”.
Maria leva três contos por cliente. No final do dia, a soma do dinheiro ronda os 18 contos. Quantia que, garante, não é dividida com ninguém: “Estou por conta própria, só ganho para mim e para os meus filhos. Acho uma estupidez depender de um proxeneta. Vivi com um homem durante oito anos e já foi muito. Aprendi o que era a vida. Mas ainda aprendi mais desde que me prostituo”.
Embora tenha trabalhado durante anos na indústria hoteleira, a servir às mesas e ao balcão, Maria gostaria de fazer tapetes de Arraiolos, caso deixasse a prostituição. “Ganha-se um bom dinheiro ao metro” - garante.
Embora tenha insistido, Maria não me disse o verdadeiro nome: “Hoje pode ser Maria, amanhã Paula, Susana”. Quanto à idade: “Já sou velha, estou na casa dos 40”.
“Sinto nojo de mim”
Aos 25 anos, Carla é uma mulher marcada. Encontro-a encostada a um muro de uma casa de habitação, na Avenida 25 de Abril, quase no coração da cidade. Veste umas calças justas e usa uns sapatos de salto alto que a fazem esguia. Tem dois filhos, um rapaz de seis anos e uma rapariga de dez. Carla baixa os olhos quando lhe digo que sou jornalista e sorri embaraçada.
O marido teve um acidente de automóvel o ano passado e matou dois transeuntes que atravessavam a estrada. A má sorte levou a que cumprisse cadeia e Carla ficou entregue às despesas com os filhos e a uma renda de casa na ordem dos 30 contos. Em situação de desespero, recorreu à prostituição e é através dela que tem sobrevivido.
“Não sou de Viseu, mas casei por cá. A minha família nem imagina que ando nesta vida, pois julgam que trabalho num restaurante. E a verdade é que até já trabalhei!” - confessa, adiantando que o marido tem conhecimento de que se prostitui: “Ele tem que aceitar. É o meu único rendimento”.
De repente, começo a perceber a vergonha de Carla, que continua a baixar os olhos a cada pergunta que lhe coloco. É ela mesma que diz: “Custou-me muito aceitar esta nova vida. Sinto nojo de mim”. A jovem vai quebrando a conversa com alguns períodos de silêncio. Eu apercebo-me que à minha frente está um automóvel parado e dentro dele um homem que olha impaciente na nossa direcção.
Tal como a maioria das prostitutas de rua, Carla cobra três contos por cada serviço. No final de um dia de trabalho consegue reunir cerca de 20 contos, que lhe dão para cobrir as despesas mensais, mobilar a casa e visitar o marido no estabelecimento prisional. O que sobra “é depositado numa conta bancária em nome dos miúdos”.
“Se me saísse o totoloto...”
De manhã descansa no quarto de uma pensão humilde. Almoça, prepara o saco onde guarda uma saia, uma toalha e alguns preservativos e dirige-se a pé para a estrada que liga Ranhados a Cabanões. Sai sempre de calças, mas quando chega a hora de trabalhar dá uma fugida para a mata e veste uma saia curta. Volta a fazer a troca quando termina o dia.
Rosália está sentada à beira da estrada. Uns minutos antes esteve com um cliente no meio da mata. “Era um rapazinho que até me magoou. Ás vezes torna-se incómodo, pois tenho que ir para um sítio que não se veja da estrada” - diz-me, poucos minutos depois de a abordar.
Certo dia, Rosália foi maltratada. Um cliente a quem ela já tinha prestado serviço apareceu embriagado e quase lhe tirou a vida. “Pagou-me, depois roubou-me e quase me sufocou. Levou-me o Bilhete de Identidade”.
Aos 44 anos, Rosália não esquece a razão que a levou a enveredar pela prostituição. “Foi um desgosto amoroso. Casei-me e o homem tratava-me mal. Estive muito tempo com ele, aguentei algumas situações e depois vim para aqui. Na altura, o meu filho tinha cinco meses e eu levava 1000 escudos por cada serviço”. Hoje leva três contos por cliente, mas garante que há quem lhe pague mais: “Depende se gostam da minha cara. Uns simpatizam e chegam a dar-me uma nota de cinco contos”.
O dinheiro que ganha na rua é o suficiente para pagar a pensão onde está instalada com o companheiro de longa data, a alimentação e o táxi que todos os meses aluga para ir visitar as duas filhas a uma instituição de acolhimento de raparigas no Caramulo. “Estão lá desde pequeninas e têm-se dado bem”.
Quando tento saber por que é que Rosália não optou por outra forma de vida para ganhar dinheiro, ela responde-me: “Sabe, eu fui criada no campo. Sei ler e escrever, mas nunca tive emprego”. Em relação ao futuro, também não cria ilusões. A não ser que lhe saísse o totoloto: “Isso sim. Então, não era?! Olhe que não estava aqui, que às vezes ando bem farta!”.
Na sua higiene diária, Rosália não descura do preservativo. Contudo, não é muito adepta da visita ao ginecologista: “Acho que nunca tive problemas. Não me sinto mal. E quando chego a casa lavo-me com sabão azul”.
Entretanto, pára um carro junto a nós e Rosália manda seguir, quase num tom de desprezo: “Anda lá, vai-te embora que eu estou aqui na conversa!”. Noto nela uma enorme necessidade em falar, uma solidão que nem sempre pode partilhar.
Pergunto-lhe se se sente marginalizada. Rosália diz que não, que quando passa pelo povo toda a gente lhe fala, que até lhe oferecem de comer. “Sorriem para mim e param para conversar. Há dias, uma senhora disse-me que eu não era como as outras que fazem o serviço no carro, mesmo à descarada”.
Rosália é de Mangualde. As poucas vezes que lá vai devem-se a um processo judicial contra si, que decorre há mais de 11 anos. “Sabe, havia um indivíduo que queria abusar de uma das minhas filhas. Quando eu me apercebi da situação, dei-lhe uma pancada na cabeça e matei-o. Depois, fui entregar-me ao posto da polícia”.
“É preciso ter muita coragem”
Vera, 29 anos, veio do Brasil para abrir um café em Braga. Tudo corria bem até ao dia em que as dívidas começaram a ser uma constante preocupação. O dinheiro foi sendo pouco para pagar as prestações do carro e do apartamento, bem como para a alimentação e despesas do filho de oito anos. Numa hora de desespero, não pensou duas vezes e, aliciada por duas raparigas conhecidas, optou por ganhar dinheiro fácil.
Há três anos que a sua vida é uma itinerância, já que não pára muito tempo na mesma cidade. A identidade é salvaguarda por nome falsos, para que a família e o filho não tenham conhecimento da vergonha que um dia abraçou e que a faz consumir-se. No seu percurso, frequentou casas com mais de 30 raparigas, todas elas a ganharem pela vida.
Foi na página de anúncios para convívio, do jornal “Correio da Manhã”, que encontrei o número de telefone da casa onde Vera se encontra. “Viseu Mavi” surge no cabeçalho do rectângulo vertical, seguido da informação “4 novidades das 11h00 às 3h00”. Mais abaixo, um número de telemóvel.
Ao estabelecer ligação para “Viseu Mavi”, atende-me uma voz sensual: “Boa tarde. Fala a Vera”. O tom muda radicalmente quando eu respondo ao cumprimento com uma voz feminina. O silêncio quebra a comunicação por alguns segundos, o tempo suficiente para ela recuperar da surpresa.
Ser menina de programa é, para Vera uma necessidade - razão pela qual nem sempre se encontra no activo. “Depende da minha situação financeira. Quando me vejo mais aflita recorro a isto, até sentir uma maior estabilidade. Ainda há pouco tempo tive seis meses parada” - garante.
Pergunto-lhe se a primeira vez foi difícil. Ao que me responde: “Foi horrível! Tive que ter muita, muita coragem”. Contudo, Vera não se arrepende, sobretudo quando pensa que deu este passo em benefício do filho. Para que nada lhe faltasse, nem uma boa formação num colégio particular em Braga. Só tem pena de passar pouco tempo com a criança, entregue a uma vizinha de confiança.
Em Viseu há apenas algumas semanas, Vera garante que consegue juntar 50 a 60 contos por dia, em conjunto com mais três raparigas. A quantia é dividida pelas quatro, embora haja sempre o cuidado de separar algum dinheiro para pagar a renda da casa e as despesas mensais. A brasileira salienta o facto de não ter que prestar contas a um proxeneta. No entanto, esta afirmação é desmentida por alguém que já frequentou a casa e que diz ter sido recebido por dois homens bem habituados a contar as notas e a apresentar as novidades da casa.
Na “Viseu Mavi”, Vera recebe todo o tipo de clientes. Mas os fixos - os de todos os dias - são os da alta. “Por aqui passam políticos, altos cargos públicos, médicos e advogados, directores disto e daquilo. Chegam e dizem que a esposa é fria, que não há conversa entre eles” E o desabafo acaba num ninho de amor, embora que por tempo limitado.
Apesar de tudo, Vera considera-se uma mulher feliz: “Tenho saúde, um filho maravilhoso e nada me falta. Que mais posso querer?”.
“Ganho dinheiro fácil”
Dívidas acumuladas e crianças para criar é a situação que mais leva mulheres como Vera a recorrer à prostituição. Manuela, 37 anos, não foge à regra. Depois de um processo de divórcio que deixou marcas, o dinheiro começou a escassear. Com dois filhos para sustentar, de 6 e 18 anos, e a ameaça de vir a perder os bens que conseguiu reunir ao longo da vida, encontrou como única solução para o seu problema o dinheiro fácil. Já lá vão oito meses.
Há algum tempo em Viseu, Manuela deixou os filhos entregues num colégio particular em Portalegre. Em Elvas, onde foi cozinheira profissional, família e amigos não fazem ideia do tipo de vida que leva: “Graças a Deus que não sabem. Sentiria uma vergonha enorme se algum dia lhes chegasse aos ouvidos”.
Manuela conta-me a sua história pelo telefone. Não conheço o seu rosto, nem a cor do cabelo ou dos olhos. No entanto, é fácil perceber que estou a falar com uma mulher solitária, que gostaria de ter tido outras opções de vida. É, aliás, com um suspiro que ela me diz: “Tenho uma grande revolta dentro de mim. E a situação pela qual estou a passar vai ser difícil de superar”. E avança: “Falando português correcto, estou aqui para ganhar dinheiro fácil... o que não é nada fácil!”.
Tal como Vera, a maioria da clientela de Manuela são homens casados que dizem ter problemas em casa. Na maioria dos casos são oriundos de uma classe média/alta, não tendo dificuldade em pagar os oito contos tabelados para o programa normal (sexo oral e vaginal). Alguns deles procuram-na no apartamento apenas para desabafar: “Tenho ganho grandes amigos. São homens que querem carinho e atenção. E eu dou”.
Manuela tem cuidados de contracepção e higiene. “Têm-me oferecido mais dinheiro para não usar preservativo durante o acto sexual. Mas eu não aceito”.
Quando alinhou nesta vida, Manuela estipulou um prazo para sair dela. “Estou prestes a livrar-me, Já só faltam 15 dias” - garante-me com um tom de voz que anula toda a tristeza que sobressaiu da conversa que ficou para trás. “O meu objectivo é voltar a ter uma vida normal. E, talvez para o fim do ano, criar um pequeno negócio ligado à indústria hoteleira. Aliás, esta é a profissão para a qual tenho verdadeira vocação”.
Sexo sem contraceptivo
Do outro lado da linha, uma rapariga atende. Quando lhe digo que sou jornalista e que estou a trabalhar numa reportagem sobre prostituição, recusa-se a falar: “Pois, mas esse tipo de assunto... não estou interessada”. Silêncio por alguns minutos e eu volto a insistir. Quando dou por inútil o contacto, sou surpreendida: “Se quiser falar com a minha colega...”. Surge, então, a voz de uma brasileira que se prontifica a colaborar, contando a história da sua vida.
A mulher dá pelo nome de Fernanda, mais um no meio de tantos outros nomes que inventa para salvaguardar a identidade. Pergunto-lhe por que razão enveredou pela prostituição. A resposta surge entre risos: “Pelo dinheiro, claro. Se você tivesse dois filhos para criar, a ganhar um salário de 60 contos, você optaria pelo que é melhor para ti”.
Fernanda, 27 anos, tem um temperamento mais forte que Vera e Manuela. Mas a sua história não foge muito aos relatos anteriores. No Brasil, era vendedora numa loja de roupa. A vida nem lhe corria mal. O divórcio, que surgiu mais tarde, foi o grande causador de uma situação financeira alarmante. Com dois filhos para criar, de 7 e 8 anos de idade, pouco lhe restava senão recorrer à prostituição. Comprou um bilhete de avião para Espanha, onde esteve algum tempo, e de há cinco anos para cá está em Portugal. Estabeleceu-se num apartamento em Viseu há apenas algumas semanas.
Pergunto a Fernanda se alguma vez se sentiu marginalizada pelo facto de ser prostituta.
- Por ser brasileira, sinto-me um pouco marginalizada. Por fazer o que faço, não. Eu sempre tive o nariz bem empinado e acho que as pessoas têm de respeitar para serem respeitadas. Aliás, as prostitutas de rua são bem piores que nós. Então, é bem melhor a gente fazer o que faz num local discreto, que não atrapalhe a vida de outras pessoas, a estarmos expostas na rua, perante a sociedade.
Mas nunca recebeu queixas por parte da vizinhança?
- Nunca. É o que eu digo: temos que respeitar os outros para sermos respeitados.
Que tipo de clientes recebe?
- Clientes com algum poder económico, que por vezes são os piores. Abusam um pouco, sabe?
Quer dizer que a maltratam?
- Não! Nós somos um pouco psicólogas (risos). Para além de termos os nossos problemas pessoais, temos que levar com os dos outros.
Tem um companheiro fixo?
- Tenho um namorado.
E ele aceita a sua opção de vida?
- Claro que não! Nenhum homem que goste minimamente de uma mulher (e nós somos mulheres com sentimentos, embora haja quem não acredite), compreende o porquê desta opção de vida. Mas eu também não quero que ele aceite, porque a partir do momento que ele aceita é porque não gosta de mim.
Preferia estar sozinha?
- Quem está neste trabalho deve estar sozinha. Na verdade, mais valia não ter namorado. Sempre há perguntas do género: se nós somos iguais quando estamos com ele e quando estamos com o cliente. Há sempre coisinhas assim.
Tem colegas a trabalhar consigo?
- Tenho duas colegas. Já trabalhei com muita gente que exerce profissões de relevo, como advogadas, professoras. E há as universitárias.
Usa contraceptivo?
- Faço sexo oral sempre com preservativo. No caso do sexo por penetração, não uso nada porque sou alérgica.
E como é que previne a gravidez e as doenças venéreas?
- Eu sou a favor do aborto. O pior é as doenças. No meio disto tudo, sujeito-me.
Aceita qualquer cliente?
- Se eu não gostar da cara dele, não sou obrigada a nada. E digo-lhe: “Desculpa, mas estou à espera de outra pessoa”. Se ele insistir, já começo a ficar nervosa.
Para terminar a conversa, pergunto a Fernanda se é uma mulher feliz. Não fico surpreendida com a resposta. O seu carácter implacável, esconde afinal os sentimentos mais verdadeiros.
- Não sou feliz. Para já, gostaria de ter os meus filhos comigo e montar um negócio qualquer. Por fim, ter a certeza de que tudo isto acabou. Mesmo que um dia encontre um cliente no meio da rua.
Há espera de dias melhores, estas mulheres não deixam de ser um produto da sociedade. A mesma em que se encontram inseridas e que as marginaliza sem se esforçar por entender o porquê desta opção de vida. Todos os depoimentos aqui reunidos vão ao encontro do maior instinto do ser humano - o da sobrevivência.
A prostituição é uma actividade clandestina que tem vindo a acompanhar o desenvolvimento dos meios urbanos, sem perspectiva de vir a desaparecer ou mesmo a diminuir. Não havendo lei que a proíba, apenas o decreto-lei 65/98 do Código Penal refere: “Quem profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição, ou a prática de actos sexuais de relevo é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos”.
Na década de 60, as prostitutas em Portugal eram equiparadas a vadios, sendo-lhe decretado - pelo tribunal - internamento no Estabelecimento Prisional de Tires, ao fim de três participações. Em 1982, os governos civis introduziram no regulamento policial do distrito a proibição de actos de prostituição ou atentado à moral pública. As mulheres apanhadas em flagrante eram interditas de “estacionarem” dentro do limítrofe urbano por um ano, estando sujeitas a coimas.
Nota: Publicado na revista "B.I. - Banca de Ideias", na edição de Março de 1999