SOCIABILIDADE
O que pretendemos abordar neste trabalho são as novas formas de sociabilidade nas tecnologias da informação e comunicação, as relações interpessoais no ciberespaço. No mundo contemporâneo as novas tecnologias, vistas num passado recente, como meras ferramentas, vêm interferir na própria subjetividade humana, gerando uma relação de confronto e entendimento entre o sujeito e a máquina. O ciberespaço requer parâmetros específicos de sociabilidade, cujas origens advêm dos diferentes valores, que são desenvolvidos e absorvidos pela sociedade do mundo real.
A sociabilidade no mundo virtual permite a participação ativa em diferentes “tribos cibernéticas”, gerando diferentes culturas das que conhecemos na sua forma convencional, e permitindo a geração de contra-culturas, que possam interferir diretamente na realidade concreta.
As novas formas de sentir-se integrante de um tempo-espaço diferente do real, nos aparece claramente no comentário de Silva (2007):
Temos, portanto, um novo referencial do espaço vivido enquanto produto das relações humanas mediatizadas pela revolução telemática, impondo novas formas de pertencimento destituídas da materialidade dos lugares, tal qual até então concebemos. Ou seja, na rede o indivíduo pode pertencer a um lugar que não existe, já que este se apresenta como simulacro. Embora possa ser esvaziado de afetividade e sem história, esse “lugar” dá sentido a um tipo de relação social através de uma localização virtual cujo acesso é via chave eletrônica, ou seja, de um endereço (www, @, FTP, ICQ, etc) que identifique o domínio de onde o usuário está inserido. É no anonimato do “lugar virtual” que se experimenta solitariamente uma nova sociabilidade.
Podemos definir sociabilidade nossa própria imagem, tudo aquilo que representamos ou deixamos transparecer às pessoas. Implica em nossas características comportamentais, de habilidades e outras capacidades de saberes/fazeres, ou seja, de solucionar problemas, de negociar, de se relacionar, de perceber os sentimentos dos outros, de saber ouvir, enfim, tudo que nos representa e nos identifica, o nosso marketing pessoal.
As relações interpessoais ficam facilitadas no ciberespaço, por ele simular a vida real e permitir uma maior exploração da própria individualidade. Nessas relações cabem as falsas identidades, que possibilitam ambos os sujeitos serem diferentes pernonas.
Zygmunt Bauman, esclarece as diferenças entre os termos “socialização” e “sociabilidade”, onde ambos devem ser compreendidos a partir da interação com a estrutura social, porém se referem a processos distintos. Explica o autor: “A socialização (pelo menos na sociedade moderna) visa a criar um ambiente de ação feito de escolhas passíveis de serem ‘desempenhadas discursivamente’, que se concentra no cálculo racional de ganhos e perdas.” (Bauman, 1997, p. 138). Enquanto que sociabilidade deve ser compreendida a partir da interação com a estrutura social, porém se referindo a processos distintos, sendo observada uma emergência da multidão, na qual os indivíduos compartilham ações baseadas no instante em que se vive e nas condições semelhantes nas quais se encontram. O autor acrescenta, ainda, que a sociabilidade é característica da modernidade líquida1 na qual os indivíduos não mais têm um grupo de referência pelo qual se pautam.
A sociabilidade faz-nos interagir com as práticas tecnológicas na utilização das máquinas (computador/internet). Para Schutz (1979) a sociabilidade está considerada a atos comunicativos entre um “eu” que se volta aos outros e os apreende como pessoas. Esse processo se dá a partir da percepção do outro enquanto um corpo no espaço que compartilha comigo um ambiente comunicativo comum. A sociabilidade virtual deve ser entendida como interação social realizada pela comunicação sincrônica e com contato interpessoal mediado pela tela do computador. De modo sincrônico uma pessoa testemunha a presença da outra no seu mesmo tempo, enquanto a forma assincrônica é permitida somente em tempo oportuno, quando o receptor acessa a mensagem. Assim, cada caso possui as suas especificidades e propicia um determinado tipo de evento social.
Complementando as palavras de Alfred Schutz, quanto ao conceito de sociabilidade, Georg Simmel (1996) argumenta que esta sociabilidade é o conteúdo de interesses que gera a aproximação com outras pessoas e dá lugar ao prazer de se estar associado via imagem digital. Dentre as diferentes formas de interatividade no ciberespaço, o “chat” pode ser considerado exemplo de sincronia, adequação técnica em favor da estratégia humana de estar acompanhado, não estar só, interagir e socializar-se.
O mito de que as novas tecnologias afastam as pessoas de seus relacionamentos sociais, desmorona ao percebermos que a interconectividade, exige de ambas as partes uma atenção individualizada e sintonizada com o outro, situação que raramente acontece num encontro ocasional no mundo real. Ao encontrarmos um amigo num espaço inesperado, normalmente somos superficiais e ligeiros nas argumentações, caso contrário nos parece uma perda do tempo que poderia estar sendo dedicado às diversas tarefas do dia-a-dia. Nos parece cada vez menos possível disposição de tempo para investir em relacionamento futuro.
O conceito de simulacro (Baudrillard, 1991) no ciberespaço precisa se alicerçar num mundo material e objetivo, pois este espaço simulado é potencializado a partir das relações dos sujeitos com o outro e o seu meio. A cidade simulada no ciberespaço parece-nos o modelo do rizoma, que Deleuze e Guattari (1995) utilizam para comentar as possibilidades infinitas de se ensinar e aprender interagindo, simultaneamente, com diferentes áreas do conhecimento. Esta cidade virtual não implica um controle centralizado, e sim uma desordem expressa em múltiplas conexões e diferentes hierarquias.
Na rede, as pessoas se identificam e passam a ter uma relação afetiva com determinados espaços virtuais, que não deixa de ser uma forma de apropriação espacial, desta forma vão surgindo as fronteiras físicas e ao controle político desaparece. A chave eletrônica dá acesso à rede e a novos territórios culturais imaterializados que se colocam no limiar do novo século. Locais que exigirão dos sujeitos uma interação integra, com valores pertencentes aquele espaço específico, àquela tribo virtual. Nesse sentido, mais uma vez, podemos observar o virtual como extensão do real, por ser na cultura do mundo real que aprendemos a interagir com o outro e com o meio.
Atualmente vivemos cercados pelo sentimento de medo, pela violência urbana, pela instabilidade social e afetiva, entre muitos outros, porém no ciberespaço vagamos com imensa liberdade, sem as barreiras impostas como no mundo real. A sociabilidade no espaço virtual propõe mudanças para o sujeito ao ver o mundo pela “janela”, no entanto lhe permite um livre arbítrio neste espaço-tempo, em que a lei do retorno é imediata, bastando um delete na relação interpessoal. É neste sentido que precisamos repensar valores e atitudes no ciberespaço.
A revolução tecnológica das telecomunicações via informática criou não só um ambiente artificial, a cidade virtual, como também tem impactado na cidade real. A utilização de um grupo maior de pessoas, empresas e outras organizações sociais e políticas no ciberespaço, pode provocar um esvaziamento da cidade real. Pierre Lévy (1996) comenta sobre a possibilidade de um povoamento de uma cidade eletrônica sem fronteiras políticas, em que o ordenamento não se realiza pela disposição de formas espaciais materiais, e sim por uma organização lógica do acesso à rede que possui uma ética própria para quem ali deseja vivenciar.
A falta ou ausência de sociabilidade muitas vezes é desenvolvida por atitudes contrárias as relações de se aproximar dos demais. É vista como incapacidade ao dialogar e referir-se com plenas dificuldades de conviver com as demais pessoas. Como exemplo desta causa podemos citar a preguiça, a auto-suficiência, o falar demasiadamente e não saber escutar entre outros casos que corrompem o bem estar do próximo.
Há fortes indícios que a sociedade atual estará cada vez mais conectada à rede mundial de computadores, cabendo a todos os seus usuários refletir os valores éticos, morais, estéticos e políticos na emergência de uma sociabilidade própria das cidades virtuais.
BIBLIOGRAFIA
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’água, 1991.
BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. São Paulo: Paulus, 1997.
DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. Mil platôs. Introdução: Rizoma. Volume I, Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
LEVY, Pierre. O que é virtual?. São Paulo: 34, 1996.
SCHUTZ, Alfred. O mundo das relações sociais. In: WAGNER, Helmut R. (Org.). Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schutz. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979. p. 123-193.
SILVA, Carlos Alberto F. da, SILVA, Michéle Tancman Candido da. A dimensão socioespacial do ciberespaço: uma nota. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ. 2007.
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/geografia/geo07b.htm
SIMMEL, Georg. Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal. In: MORAES FILHO, Evaristo. (Org.). SIMMEL, Georg. Sociologia. São Paulo: Ática, 1996. p. 165-181.
1 Termo utilizado por Bauman para definir a sociedade pós-moderna.