O “boom imobiliário” e o crescimento desordenado da Cidade do Salvador

O mercado imobiliário cresce em Salvador em ritmo acelerado. O luxo, a segurança, o conforto são atrativos para quem deseja e pode morar em condomínios de alto padrão na capital baiana. Os espaços que deveriam preservar a Mata Atlântica são alvos das construtoras e, dessa forma, surgem os novos empreendimentos e, conseqüentemente, o crescimento do número de carros circulando nessas regiões.

Em entrevista concedida a revista Muito, do A Tarde, de 06 de julho de 2008, o arquiteto Antônio Caramelo, autor do projeto Salvador Prime, localizado à Avenida Tancredo Neves, diz que a idéia desses empreendimentos é criar minicidades dentro da cidade. Ele explica que há necessidade hoje em dia de se ter quase tudo concentrado num mesmo local. “Por dia perde-se pelo menos duas horas no trânsito de Salvador. No fim do mês, perdeu-se quase dois dias inteiros só no engarrafamento”.

Essa mesma revista, falou com o Walter Barreto Jr., presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA). Para ele, concentrar tudo num só lugar diminui a necessidade de deslocamento das pessoas, o que teria benefício para o trânsito da cidade.

Ainda nessa edição, a Muito informou que no primeiro trimestre deste ano, a Bahia viu as vendas crescerem de modo bastante animador. A Ademi-Ba divulgou uma pesquisa que aponta para um crescimento de 200,78% dos negócios imobiliários no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.

Segundo Cláudio Silva, superintendente de Controle e Ordenamento do Uso do Solo – SUCOM, de janeiro a julho de 2007, esse órgão liberou 1.313.970,73 m² de licença para a construção e ampliação na cidade. No período de agosto de 2007 a fevereiro de 2008, foram liberadas 1.293.463,23 m². Já no período de março a setembro de 2008, esse número quase triplicou, foram liberadas 3.475.287,97 m².

Mas, o aumento não é somente no mercado imobiliário. Há também um “crescimento na indústria automobilística que teve nos primeiros cinco meses de 2008 um aumento nas vendas de 26,42%. São quase dois milhões de carros a mais nas ruas do Brasil”, informa a Muito.

Nesse sentido, percebe-se que o crescimento desordenado de veículos nas ruas deixa o trânsito das grandes cidades tumultuado, levando a congestionamentos ainda piores, em horários de pico. Essa cena da vida moderna, é conseqüência da concentração de indivíduos nas grandes metrópoles. Além da perda de tempo, essas pessoas se estressam nos engarrafamentos.

Um levantamento da revista inglesa Traffic Technology International, uma das principais publicações sobre transportes, estima em US$ 80 bilhões o prejuízo mundial, a cada ano, causado pela queda de produtividade decorrentes das horas gastas no trajeto entre moradia e trabalho. Até agora, nenhum desses problemas impediu que a frota mundial crescesse de forma acelerada. Entre 2005 e 2006, o total de carros produzidos saltou de 45,9 milhões de unidades para 48,6 milhoes. A expectativa é que esse número dobre em uma década [...]. (Época, 17/03/ 2008, p. 102).

Segundo o professor Edward Glaeser, da Universidade de Harvard, “o futuro das cidades está intrinsecamente ligado à tecnologia de transportes” (Época, 17/08/2008, p.103). Essa mesma edição comenta que o crescimento de veículos nas cidades “[...] começou no início do século XX, quando Henry Ford criou a linha de montagem, com a idéia de baratear a produção e oferecer automóveis para a maioria da população” (p.104).

Juan Pedro Moreno, arquiteto e coordenador do curso de urbanismo da Uneb, comenta a cultura do automóvel em Salvador e diz que essa tem criado um impacto muito negativo nas cidades do mundo por deteriorar o meio ambiente e os centros históricos, além de provocar engarrafamentos e perda de tempo no trânsito. Segundo ele, as pessoas deixam de usar o transporte coletivo para utilizar o carro, essa migração ele chama de ciclo vicioso dos transportes. Ele ainda fala que “essa migração é um problema mundial e, para evitar essa situação, é preciso criar uma consciência ambiental, uma consciência no uso do veículo privado mediante políticas públicas de preferência ao transporte coletivo”.

Outra questão levantada foi a construção de novos empreendimentos na região da avenida Paralela. “Os condomínios de alto padrão nessa região fazem com que esses moradores utilizem mais de um carro, provocando dessa forma um grande impacto ambiental. Esses empreendimentos vão saturar a avenida”, disse Juan.

No dia 17 de julho de 2008, o A Tarde on line publicou os crescentes números de apartamentos e salas dos novos empreendimentos na região da Paralela e Tancredo Neves. Segundo o site,

Cinco mil e quinhentos apartamentos, 780 salas na Paralela e mais 30 mil pessoas morando na avenida Paralela somente nos próximos quatro anos. Na Tancredo Neves, 2 mil apartamentos, 2,2 mil salas e 8 mil novos habitantes. Ao todo, 15 mil novos empregos nas duas vias mais valorizadas da cidade. A projeção é da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-Ba).

O site da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros- Fisenge , publicou em 29 de setembro de 2008, um artigo sobre “O Boom Imobiliário e os Desafios na Construção de uma Cidade Sustentável”. O trecho abaixo, relata a escolha na construção de empreendimentos na avenida Paralela.

A avenida Luis Viana Filho, conhecida como Paralela, é o caso mais emblemático. Esta área foi escolhida pelo grande capital imobiliário para construção de “condomínios verticais” com áreas de lazer, cinemas, centros comerciais, parques etc, cujo principal mote da propaganda veiculada nos meios de comunicação é a garantia de ambiente saudável para os futuros privilegiados proprietários. A grande contradição deste processo é que, para construir estes “paraísos urbanos”, é necessário desmatar a última reserva de Mata Atlântica da nossa cidade e tornar um caos o trânsito de pessoas e veículos nas vias próximas a estes empreendimentos.

A descontinuidade administrativa, a exploração imobiliária, o brutal aumento populacional, a pressão habitacional, a inescrupulosa demagogia, a inexistência de legislação urbana condizente levaram-na a um crescimento disforme, indisciplinado, desempenhado o poder público a função de mero expectador, distante e impotente, desse desenfreado desenvolver. (FERRAZ, 1991, p. 48).

Além dessas novas construções percebe-se que os supermercados, faculdades, parques de exposições e Wet’n Wild contribuem para o assoreamento do tráfego na região da Luis Viana Filho. Torna-se pior quando há eventos nesses lugares. Se imaginarmos que terá festas nesses locais e, se for no mesmo dia, aí sim, vai ser um caos nessa região que diariamente já sofre com o problema.

O congestionamento é evidentemente muito mais agudo nas horas de pico, o que agrava o problema; pois a sua remoção ou parcial alívio se faria com a construção de novas artérias ou alargamento das existentes, e isto a um custo elevadíssimo (FERRAZ, 1991, p. 137).

“O congestionamento em certas áreas pode identificar nelas uma atividade urbana intensa [...] alternativa para combater o congestionamento do tráfego seria a do alargamento de vias e artérias”. Na capital baiana, o crescimento de automóveis tem contribuído para os altos índices de congestionamentos na cidade. “Em 2008, aumentou em aproximadamente 24 mil carros e, a projeção de acordo com o cálculo do governo do Estado, daqui a cinco anos Salvador tenha um aumento de 163 mil veículos”, é o que diz Juan Moreno.

Segundo o site da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores - Fenabrave , em 2007, houve um intenso crescimento para todos os segmentos de automóveis comercializados no Brasil.

REFERÊNCIAS

FÉLIX, Ubiratan e MOTA, Paulo. O boom Imobiliário e os Desafios na Construção de uma Cidade Sustentável. Disponível em: http:/fisenge.org.br/2008/09/23/o-boom-imobiliário-e-osdesafios-naconstrução-de-uma-cidade-sustentavel/ Acesso em: 21 out.2008.

FENABRAVE. Anuário 2007. Disponível em http://www.tela.com.br/download/anual_2007.pdf Acesso em: 16 out. 2008.

FERNANDES, Pedro. Morar trabalhar consumir. Revista Muito, 06 de julho de 2008, Nº 14, p. 26-32.

FERRAZ, José Carlos de Figueredo. URBS Nostra. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo: Pine, 1991, p.423.

MASSON, Celso. Dá para escapar deste caos?. Revista Época, 17 de março de 2008, Nº513, p.100-110.

NASCIMENTO, Saymon. Boom imobiliário complica trânsito . Disponível em: http://www.atarde.com.br/cidades/noticias.jsf?id=917379 Acesso em: 21 out. 2008.

Juli Arize
Enviado por Juli Arize em 12/05/2009
Reeditado em 12/05/2009
Código do texto: T1589727