Brasil x Bolívia: a mídia quer sangue1
A posição do governo brasileiro sobre a nacionalização do gás boliviano se constitui numa das páginas mais lúcidas da diplomacia brasileira. Enquan-to os extremistas, de tendências radicais querem guerra e retaliações ime-diatas, o debate do gás tem sido pautado pela maturidade e pelo diálogo, ao contrário do que querem os setores radicais e extremados da mídia. Mesmo com a crise, Brasil estreitou laços com as administrações progressistas da América Latina, não entrou no jogo rasteiro de intrigas que só beneficiaria as direitas e a Casa Branca, e reconheceu a soberania do país vizinho sobre seus recursos energéticos.
Se nosso governo fosse mais avoado, declararia guerra ao país vizinho, como querem os radicais nacionais e os interesses internacionais (leia-se americanos) a quem interessa desestabilizar a Améri-ca Latina. A verdade, é ela contra nós, mas é preciso que se diga, é que há séculos, desde Plácido de Castro, explorávamos, na legítima acepção da pa-lavra, os pobres índios bolivianos e seus desastrados governos.
O maior atestado da correção oficial brasileira é a ponderação diante da lambança que a maior parte da mídia fez da questão. Os boicotes da Argen-tina foram mais graves e ninguém pediu sanções radicais. Aqui transpare-ce, ironicamente, o medo americano da influência venezuelana nos países do continente, após a chegada de Hugo Chávez ao poder. Elitistas, racistas, preconceituosas, e lacaios dos americanos, alicerçados no pantanoso terre-no da ficção, as publicações da “Veja”, “O Estado de S. Paulo” e “Folha de S. Paulo” foram cuidadosas na escolha de lorotas para entreter o leitor. Até mesmo o ex-ministro Rubens Ricupero – o que se auto definiu, em 1994, nas telas da Globo (o que jogava a sujeira para debaixo do tapete, recor-dam?), como sem escrúpulos, resolveu dar o ar de sua graça. Acompanha-ram-no ex-auxiliares do governo tucano, ávidos por se livrarem do merecido ostracismo. Eles querem, nas entrelinhas de seu discurso, guerra contra a Bolívia. Esse desvario, em ano de eleição seria para eles uma marmita chei-a, e historicamente um desastre.
A revista “Veja”, fascista por natureza, nessas horas supera qualquer parâ-metro racional. Em linguagem chula e mentirosa – a expressão mais leve é que Lula teria levado “um chute no traseiro dado por Hugo Chávez e seu fantoche boliviano, Evo Morales” – a publicação dos Civita deveria se candi-datar a receber algum prêmio internacional na área de ficção. Lá pelas tan-tas é dito o seguinte: “Morales expropriou ativos que pertencem ao povo brasileiro e rasgou, como se não valessem nada, tratados negociados de Es-tado para Estado nos últimos trinta anos”.
Primeiro, o decreto governamental não tem uma linha sequer falando em desapropriação. Segundo, nenhum tratado foi rasgado. O que há é uma re-negociação em curso, comum em qualquer acordo. A matéria de capa desta semana maltrata tanto as informações que não vale a pena perder tempo com ela.
A imprensa claramente quer sangue. Desejosa de fracionar a aliança entre governos que rejeitaram a Alca e tentam outro tipo de integração, não su-bordinada a Washington, irá espernear cada vez mais. E cada vez mais se parecerá com a direita venezuelana e seus repetidores encastelados na mí-dia. Há aí, por detrás, o dedo de Bush e da corja da Casa Branca.
A imprensa e a direita do continente têm repetido que a nacionalização do gás boliviano enfraquece a integração dos países latino-americanos. Ao con-trário. Uma integração justa e sólida só será possível se for baseada em paí-ses soberanos. Mas a mídia não está aí para isso. Está para nos fazer pega-dinhas. Muito, mas muito engraçado, mesmo. Já imaginaram os que as re-vistas semanais iriam vender em caso de uma guerra?
Este artigo foi adaptado de uma crônica de Gilberto Maringoni, do Jornal Interativo “Carta Maior” de 08/05/2006.
Antônio Mesquita Galvão
Filósofo e Doutor em Teologia Moral