A bergamota e a banana

A BERGAMOTA E A BANANA

ou

O doce e o amargo na vida do ser humano

Questões de Teologia Moral

Qualquer análise que se faça das realidades do cotidiano, revela-nos que em todos os fatos sociais há formas diversas, e às vezes contraditórias de ser estabelecer um julgamento. Na multiplicidade de observações, constata-se que essas visões ocorrem no terreno social, político, cultural, familiar e religioso. Nesse particular, a Teologia Moral nos revela que as coisas morais e éticas têm sempre um enfoque diverso, que pode fornecer uma visão pelos dois lados. Muitas vezes – e esta é a lição dos especialistas – o que é extrinsecamente bom, pode ser intrinsecamente vicioso, e vale, também a recíproca.

Há dias, eu viajava, com destino a uma cidade do interior do Paraná, onde iria ministrar um curso, de 40h/aula, sobre Bioética, a partir da “teologia moral”, para padres, religiosos e leigos, e naquela calma refrigerada do avião, diversas idéias vieram-me a cabeça, a respeito do conteúdo a ser ministrado... Eu sempre gosto de ensinar com a prática, através dos fatos mais simples do cotidiano. Detesto teorizar. Prefiro trazer exemplos do dia-a-dia para ilustrar as afirmações.

Na degustação um encruzilhada

Certa ocasião, em minha casa, procurei na bandeja uma fruta para fazer um lanche. Havia uma bergamota vistosa e uma banana preta. Ora, qual das duas escolher? A bergamota, é lógico. Bergamota, é o modo gauchesco que usamos para denominar a “mexerica”, tangerina ou “laranja-cravo”. Pois ao descascar a bergamota, constatei que ela, apesar de exibir uma forma externa viçosa, estava com a maioria dos gomos murchos, e muitos dele podres. Sem outra opção apanhei a banana. Ela parecia estar amadurecida demais, e sua casca se apresentava quase toda preta. Quando tirei a cobertura, notei que o interior, a parte comestível, estava completamente pura, doce e cremosa, ou seja, disponível e apta para ser digerida.

Enxergar além das aparências

Assim são as coisas da ética e da moral. Quantas vezes, a cobertura de legalidade de um determinado assunto, capaz de, num primeiro instante, nos seduzir ou enganar, nos leva a constatar que, por dentro, essa coisa está podre? Ao contrário, quantas vezes, algo feio e pouco apresentável, depois de investigado a fundo, revelou suas virtudes? Esse exemplo serve para muitos casos do cotidiano da vida da população.

Na ética do cotidiano

No terreno da ética individual, certas atitudes dão prazer e alegria momentânea (algo extrinsecamente bom), mas ao se perquirir seus valores morais, vemos que o comportamento carece totalmente de ética (intrinsecamente mau). Há procedimentos que são agradáveis, prazerosos e capazes de despertar elogios e invejas... mas... As opções de nossa vida precisam ser avaliadas não só no momento presente, mas até sua consumação. Tem coisas que começam bem, de forma cativante, mas lá adiante vamos colher seus frutos, em muitos casos, amargos e danosos. Qualquer atividade sem ética, ou pecaminosa, pode ser vista, no princípio como algo agradável aos sentidos ou à auto-estima. Depois, pelos efeitos nefastos e amargos, contra a pessoa, a família, os outros e à moral social, revela-se o lado negativo daqueles atos, vistos preliminarmente como bons e doces.

A bergamota vistosa

Tirando-se a casca da bergamota social, vamos ver que, em muitos casos, determinados fatos, por dentro, estão podres, pois trazem em si o vício da injustiça. Um projeto governamental pode agradar-nos numa primeira vista, mas depois,olhando-se a fundo, a motivação populista e demagógica, a disparidade entre o custo e o benefício, além de alguns recheios de corrupção e obscuridade, vamos ver que o que estava revestido por uma vistosa casca, revela podridão por dentro. É o caso, entre outros dos pedágios. A idéia é ótima! Entrega-se a estrada à iniciativa privada, que vai cobrar uma pequena taxa para fazer a conservação. A cobertura é sedutoramente vistosa. Depois, vê-se que a taxa não é tão pequena assim, a manutenção deixa a desejar, e a gente entrou numa fria, via-de-regra irreversível.

A banana preta

Os axiomas populares mais antigos afirmavam que “quanto mais amargo o remédio mais rápida a cura”. É o caso da moral e da ética. Às vezes, em uma família, o controle dos pais sobre os filhos (coisas que eles sempre detestam) conseguem, no final, pessoas estruturadas, com senso de responsabilidade e justiça. O tratamento parecia amargo, mas os frutos revelaram-se doces como o mel. Ao contrário, uma criação laxista (parecia boa) produz adultos de comportamento e moral discutíveis (a prática revela um mal). Na sociopolítica do cotidiano, uma medida popular e judicial, reduzindo algumas aberrações e resgatando o bom senso, pode ter a aparência externa desagradável (extrinsecamente má) de uma banana preta, mas, por dentro, traz em si o puro sabor (intrinsecamente bom) da justiça restabelecida, que vem ao encontro dos clamores populares.

O autor é Doutor em Teologia Moral

Para cursos e conferências, contatos [51] 3472-2073 – 9947-8988

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 19/05/2006
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