Náusea: a saída pela ética

Sartre escreveu A náusea, publicado no Brasil há algum tempo. Trata-se de uma obra que acompanha o caso de Antoine Roquentin. Ele é um estudioso da história. Viaja muito. De repente se vê na cidade de Bouville. O termo boul significa lama. Por aí já se vê o mérito dessa vida.

Qual foi o motivo que fez Roquentin parar na cidade da lama? O que fê-lo hospedar-se na cidade foi o intento de escrever a biografia de Rollebon, um marquês imbuído de um estilo existencial personalíssimo, o qual havia habitado aquela cidade no século XVIII.

Tão logo dá início às suas investigações a fim de cumprir seu objetivo, depara com uma situação antropossocial tão complexa, com uma condição humana geral e do sujeito a ser biografado tão degradada, que, de pronto, começa a sentir repugnância com relação a tudo que lhe cai à mão. A condição humana o atordoa de tal modo que a náusea é inevitável.

Nesse estado psicológico, entrega-se à atividade de pensamento nunca antes realizada, cujas conclusões colocam-no no coração da perplexidade. Torna-se também fora de centro, fora dos padrões do que se considerava, então, humano. A vida lhe soa desprovida de qualquer sentido, absurda, uma sucessão de niilismos que o seqüestram ao reino do ninguém.

Recrudescida sua situação, é como se indagasse pela essência da vida, o que ela seria e onde poderia encontra-la. Nesse estado esse personagem se move, no liame que se estabelece entre a loucura e a lucidez.

Não são poucas as situações da vida que podem fazer com que literatura e vida se mesclem, ao menos no caso aqui descrito. Não são poucas as vezes que o ser humano se vê metido no absurdo, desprovido de qualquer razão para o existir, dado que o mundo humano lhe retira qualquer fio de sustentação, qualquer porto onde ancorar a nau da vida concreta, real.

Nessa hora, pesam os valores que possivelmente a pessoa construiu para si. Se valoriza demais a integração à sociedade, poderá cair em profundo desencanto; se preza sobremaneira o ego, poderá sentir-se derrocado. Numa ou noutra direção, o humano lhe fugiu, por completo.

Aqueles valores aos quais me referi constituem o que tenho chamado de mínimo ético inegociável, o qual pode apresentar alternativas existenciais fundadas na fidelidade ao próprio ser, o primeiro núcleo do qual não pode se desfazer. Em seguida, reconhecido o valor próprio, então pode encontrar o valor dos outros, dado que iguais no que de ontológico compartilham e prezam.

Igual a Roquentin, então, o nada surge-lhe como todas as possibilidades. No cerne de todas elas, a liberdade de fazer de si o que melhor lhe aprouver. Uma vida digna. Um existir feito obra de arte. Um viver marcado pela autenticidade, e não pela despersonalização, tão em voga nessa nossa sociedade do ninguém, do nada e do nenhum.