Crise boa é assim: os gatunos estão fazendo a festa.
SÃO PAULO - Em vez de revisão e até suspensão de direitos trabalhistas, como propôs o presidente da Vale, Roger Agnelli, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) prefere ações mais realistas diante da crise. "Não imaginamos que possamos agora, no sexto ano de governo Lula, promover a reforma trabalhista que desejamos", disse o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto. "Estamos negociando com as centrais (sindicais) formas de aproveitar as possibilidades que a legislação oferece e, se providências adicionais forem necessárias, elas poderão ser feitas por medida provisória, pontualmente", acrescentou.
Alguns Sindicatos já admitem abrir mão de direitos trabalhistas.
O presidente Lula já deixou claro que vai estimular o entendimento entre patrões e empregados, mas não envolver-se diretamente. Segundo o professor José Pastore, consultor da CNI, existem três instrumentos na lei que as empresas podem lançar mão para reduzir os custos com empregados: redução da jornada e do salário, suspensão do contrato de trabalho e distribuição de lucros e resultados.
A Constituição diz que os salários são irredutíveis, "salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo". Ou seja, se empresa e empregados chegarem a um acordo é possível cortar horas de trabalho e salários.
Outra forma de aliviar os custos trabalhistas é a suspensão do contrato de trabalho, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por esse mecanismo, o empregado fica sem receber salário por até cinco meses. Nesse período, passa por um treinamento, durante o qual mantém o vínculo com a empresa e preserva alguns benefícios, como o plano de saúde. Normalmente, a empresa paga também uma ajuda de custo.
Recentemente, o secretário do Trabalho de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, sugeriu que os contratos de trabalho sejam suspensos por até dez meses, durante os quais o trabalhador teria direito ao seguro-desemprego. A proposta foi encaminhada ao Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), que ainda não a examinou.
A terceira opção é substituir o salário, ao menos em parte, por uma participação do trabalhador no lucro das empresas. Sai mais barato porque sobre o lucro distribuído não incide uma série de encargos. As informações são do jornal "O Estado de S.Paulo".
CARLOS HEITOR CONY
Uma lei inútil
RIO DE JANEIRO - Lula pediu aos ministros Tarso Genro (Justiça) e Jorge Félix (GSI) que elaborem um substitutivo para a Lei de Segurança Nacional, em vigor desde 1983, no governo do último presidente militar. A intenção é boa, mas me parece ociosa. Não há necessidade de uma lei especial para segurança da nação, a não ser em casos de guerra ou de grave convulsão social.
No trivial variado, a Constituição, as leis complementares e os códigos existentes e atualizados dão para o gasto, garantindo não apenas a segurança dos cidadãos como a segurança do país. O que deve ser feito é a revogação pura e simples da referida lei, que continua sendo o resíduo jurídico mais importante do regime autoritário.
Tive experiência pessoal com a LSN anterior à atual, quando fui processado pelo então ministro da Guerra, general Costa e Silva, por incitar "a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis". O primeiro ato institucional, de 1964, deixou algumas brechas no arsenal jurídico da ditadura, brechas que seriam fechadas em 1968, com o AI-5. Uma delas garantia o habeas corpus, e meu advogado, Nelson Hungria, fez o respectivo pedido junto ao Supremo Tribunal Federal, alegando que a Lei de Imprensa daquela época já previa a mesma cláusula. O crime que me era atribuído fora praticado por meio da imprensa.
O STF aceitou a ponderação de Nelson Hungria e o processo deixou de correr pela LSN, passando para a Lei de Imprensa. Não adiantou muita coisa. Fui condenado, mas não aos quatro anos previstos na primeira lei, mas apenas aos três meses estabelecidos na segunda. A quase totalidade dos artigos de uma LSN já constam da legislação comum, daí a sua inutilidade jurídica e operacional.
RICARDO MELO
AI-5 trabalhista
É SEMPRE assim. A cada crise, lideranças empresariais aproveitam a brecha para falar em "flexibilização de direitos trabalhistas". Eufemismos à parte, o que se quer é liberdade para demitir com o mínimo de custos -de preferência, sem nenhum custo.
Desta vez, o chefe do coral foi o presidente da Vale, Roger Agnelli.
Teve o mérito de chamar a coisa pelo nome: "medidas de exceção", nada mais apropriado num momento em que os brasileiros relembram os 40 anos do AI-5. Logo se percebeu que a quartelada antitrabalhista dispunha de farta munição. É o que se depreende da proposta da equipe de Guilherme Afif Domingos, secretário do (Des) Emprego e Relações do Trabalho do governo tucano de São Paulo.
A papelada fala candidamente em medidas para "atenuar o impacto da crise no emprego formal" (mais um eufemismo). O que interessa vem a seguir: "Uma medida provisória estabeleceria entre nós a figura de suspensão temporária do contrato de trabalho [...]. Não haveria para a empresa a necessidade de desembolso de verbas rescisórias. O trabalhador cujo contrato fosse suspenso seria considerado tecnicamente como desempregado, teria direito a receber o benefício do seguro-desemprego".
O documento paulista torce para que a idéia vingue e a exceção se torne regra. No melhor estilo Gama e Silva, prossegue: "Ao longo do ano, os impactos da criação do novo instituto seriam avaliados e as autoridades poderiam examinar a conveniência de sua manutenção para períodos subseqüentes".
Em bom português, propõe-se que o patronato demita sem gastar com direitos trabalhistas, o Estado conceda uma esmola e, depois, quem sabe, o "tecnicamente desempregado" e a empresa que o demitiu se encontrem por aí. Como o trabalhador irá pagar suas contas neste período (e nos "subseqüentes"...) é um mistério. Sabe-se apenas que não existe no país supermercado, escola ou repartição pública que alivie o orçamento do cidadão que porte um crachá escrito "tecnicamente desempregado".
Os Estados Unidos de Bush, Madoff, Greenspan & Cia não são, obviamente, nenhum exemplo edificante. Mas lá, pelo menos, os grandes executivos, até para não pegar mal, se dispõem a abrir mão de salários, bonificações e outras benesses durante a tormenta. Claro, muito disso é jogo para a galera: a maioria acumulou gordura para queimar nesta era de vacas magras.
Já os nossos empresários, com as ressalvas de praxe, nem se dão a esse trabalho de relações públicas. Os banqueiros, que nunca lucraram tanto, pedem dinheiro público para não quebrar -e recebem; as montadoras, que nunca venderam tanto, passam o chapéu pelo governo -e recebem; agora, as empresas, sem nenhuma cerimônia, querem carta-branca para demitir a custo zero. É bom se preparar.
RICARDO MELO é secretário-assistente de Redação.
O colunista Kenneth Maxwell está de licença.
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