NARA LEÃO - MAIS DO QUE UMA CANTORA
Prédio em Copacabana onde morou Nara Leão
Foto de Arnaldo Agria Huss
Uma das passagens mais lembradas da vida de Nara Leão é aquela onde se diz que o movimento da bossa nova teve início nos anos 50, na Avenida Atlântica 2853 – Edifício Louvre –, apartamento 303, orla de Copacabana, Rio de Janeiro, onde ela morava com seus pais.
Entre os muitos rapazes e moças que por lá passaram estavam Carlos Lyra, Roberto Menescal, Chico Feitosa, Oscar Castro Neves, Ronaldo Bôscoli (que veio a ser namorado de Nara), Luiz Eça e muitos outros, inclusive João Gilberto e Vinícius de Moraes. Nara estava com 15 anos em 1957, época considerada como o início oficial do movimento. Isso, apesar de o primeiro disco 78 rpm com o novo ritmo ter sido gravado por João Gilberto apenas no dia 10 de julho de 1958. No lado A, “Chega de saudade”, de Jobim e Vinícius, que vinha marcada no selo como samba-canção. No lado B, “Bim Bom”, do próprio João, que vinha rotulada de samba, apesar de ser um baião.
Mas, na verdade, o movimento não surgiu ali, pois, pelo menos uns 10 anos antes, muitos profissionais já estavam fazendo alguma coisa para a modernização da música brasileira, àquela época simbolizada por sambas-canções e boleros tristíssimos, com seus intérpretes característicos, alguns de grande sucesso como Nora Ney, Orlando Silva e Vicente Celestino. Entre esses profissionais inovadores estavam Johnny Alf (um mestre nunca reconhecido à altura), Lucio Alves, Dick Farney, Billy Blanco, Ed Lincoln que depois viria a destacar-se com o samba-rock, Antonio Carlos Jobim, Dolores Duran e muitos outros. Se fosse citar todos eles, a lista não teria fim.
Mas o que acabou ficando mesmo foi a incorreta, porém fascinante versão, de que tudo começou naquele apartamento em Copacabana onde morava Nara Leão.
Quando ocorreu um racha na bossa nova, Nara pendeu para o lado esquerdo onde já estavam Carlos Lyra, Sérgio Ricardo e também Vinícius. João Gilberto e Tom Jobim eram vistos como de direita, totalmente alienados em relação ao movimento político que se instalara no Brasil em 1964. Para estes, só a música e os acordes existiam. Os militares daquela época tinham por ela um verdadeiro ódio. No show “Opinião”, em fins daquele ano no Rio, ao cantar “Carcará” de João do Vale, Nara conclamava as pessoas a protestar, mesmo que veladamente, contra a ditadura. No VII Festival Internacional da Canção (FIC), realizado em 1972, Nara Leão era a presidente do júri e os militares impuseram à direção do festival que a destituíssem da presidência. O motivo teria sido uma entrevista que dera ao Jornal do Brasil, soltando o verbo sobre o que acontecia no país. E, como ordem de militar não se discutia – dizia Walter Clark, diretor do festival – a imposição foi cumprida. Na sequência todo o restante do júri foi destituído.
Nara ainda é bastante lembrada por sua comportada e amadora interpretação de “A Banda”, de Chico Buarque, no II Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, realizado em setembro e outubro de 1966, em São Paulo. A música foi a vencedora do festival depois de acirrada disputa com “Disparada”, de Geraldo Vandré.
Gravou 22 álbuns em seus quase trinta anos de carreira. O último chama-se “My Foolish Heart” e foi sugerido pela Polygram japonesa que queria um disco em que ela cantasse quinze canções americanas verdadeiramente consagradas. O ritmo dos arranjos seria o da bossa nova e Nara faria as interpretações em português. Na verdade essa combinação toda era uma grande homenagem da Polygram a Nara, que depois faria um show no Japão.
Esse disco foi gravado em 1989 no estúdio de Roberto Menescal, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Nessa altura, Nara já se encontrava com a saúde muito debilitada por um tumor cerebral que havia sido descoberto em 1979, após uma queda no banheiro de seu apartamento. Fez um rigoroso tratamento onde não faltaram algumas consultas com um místico mineiro, conhecido como Odilon Ferreira, que era juiz de Direito. Coincidência ou não, foi nessa época que o tumor sofreu uma acentuada regressão, acreditando-se até em uma cura total. Mas isso infelizmente não chegou a acontecer. No dia 24 de maio de 1989 ela entrou em coma vindo a falecer no dia 7 do mês seguinte, aos 47 anos. Não houve Japão para ela, mas o disco ficou eternizado.
Capa do disco "My Foolish Heart"
Foto: Divulgação
E esse último disco gravado por ela é realmente um primor. O CD possui 15 faixas, todas com o título também traduzido para o português. São elas: 1 – Maravilha (‘S Wonderful); 2 – Adeus no cais (My Funny Valentine); 3 – Mas não pra mim (But not for me); 4 – Mais uma vez amor (I’m in the Mood for Love); 5 – Só você (Night and Day); 6 – Cartas de amor (Love Letters) / Sonhos (Dream); 7 – E se depois (Tenderly); 8 – Descansa coração (My foolish heart); 9 – Onde e quando (Where or when); 10 – Pleno verão (Summertime); 11 – A saudade me bateu (Sentimental Journey); 12 – Fumaça nos olhos (Smoke gets in your eyes); 13 – Alguém que olhe por mim (Someone to watch over me); 14 – Sem querer (You’ll never know); 15 – Um beijo (Kiss). A capa do disco mostra Nara em primeiro plano com o Pão de Açúcar ao fundo, mas possui um indesculpável defeito: não são dados os créditos aos músicos, diretores e produtores.
Sempre fui um grande admirador de Nara Leão desde a época em que foi considerada a musa da bossa nova, com a sua bela voz miudinha e os seus famosos e rechonchudos joelhos. Depois, com o seu engajamento político contra a ditadura, minha admiração cresceu ainda mais. Há 20 anos perdemos uma grande mulher e uma grande cantora. Mas não nos despeçamos dela jamais. Continuemos ouvindo os seus discos que nos trarão sempre a sua presença.
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Prédio em Copacabana onde morou Nara Leão
Foto de Arnaldo Agria Huss
Uma das passagens mais lembradas da vida de Nara Leão é aquela onde se diz que o movimento da bossa nova teve início nos anos 50, na Avenida Atlântica 2853 – Edifício Louvre –, apartamento 303, orla de Copacabana, Rio de Janeiro, onde ela morava com seus pais.
Entre os muitos rapazes e moças que por lá passaram estavam Carlos Lyra, Roberto Menescal, Chico Feitosa, Oscar Castro Neves, Ronaldo Bôscoli (que veio a ser namorado de Nara), Luiz Eça e muitos outros, inclusive João Gilberto e Vinícius de Moraes. Nara estava com 15 anos em 1957, época considerada como o início oficial do movimento. Isso, apesar de o primeiro disco 78 rpm com o novo ritmo ter sido gravado por João Gilberto apenas no dia 10 de julho de 1958. No lado A, “Chega de saudade”, de Jobim e Vinícius, que vinha marcada no selo como samba-canção. No lado B, “Bim Bom”, do próprio João, que vinha rotulada de samba, apesar de ser um baião.
Mas, na verdade, o movimento não surgiu ali, pois, pelo menos uns 10 anos antes, muitos profissionais já estavam fazendo alguma coisa para a modernização da música brasileira, àquela época simbolizada por sambas-canções e boleros tristíssimos, com seus intérpretes característicos, alguns de grande sucesso como Nora Ney, Orlando Silva e Vicente Celestino. Entre esses profissionais inovadores estavam Johnny Alf (um mestre nunca reconhecido à altura), Lucio Alves, Dick Farney, Billy Blanco, Ed Lincoln que depois viria a destacar-se com o samba-rock, Antonio Carlos Jobim, Dolores Duran e muitos outros. Se fosse citar todos eles, a lista não teria fim.
Mas o que acabou ficando mesmo foi a incorreta, porém fascinante versão, de que tudo começou naquele apartamento em Copacabana onde morava Nara Leão.
Quando ocorreu um racha na bossa nova, Nara pendeu para o lado esquerdo onde já estavam Carlos Lyra, Sérgio Ricardo e também Vinícius. João Gilberto e Tom Jobim eram vistos como de direita, totalmente alienados em relação ao movimento político que se instalara no Brasil em 1964. Para estes, só a música e os acordes existiam. Os militares daquela época tinham por ela um verdadeiro ódio. No show “Opinião”, em fins daquele ano no Rio, ao cantar “Carcará” de João do Vale, Nara conclamava as pessoas a protestar, mesmo que veladamente, contra a ditadura. No VII Festival Internacional da Canção (FIC), realizado em 1972, Nara Leão era a presidente do júri e os militares impuseram à direção do festival que a destituíssem da presidência. O motivo teria sido uma entrevista que dera ao Jornal do Brasil, soltando o verbo sobre o que acontecia no país. E, como ordem de militar não se discutia – dizia Walter Clark, diretor do festival – a imposição foi cumprida. Na sequência todo o restante do júri foi destituído.
Nara ainda é bastante lembrada por sua comportada e amadora interpretação de “A Banda”, de Chico Buarque, no II Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, realizado em setembro e outubro de 1966, em São Paulo. A música foi a vencedora do festival depois de acirrada disputa com “Disparada”, de Geraldo Vandré.
Gravou 22 álbuns em seus quase trinta anos de carreira. O último chama-se “My Foolish Heart” e foi sugerido pela Polygram japonesa que queria um disco em que ela cantasse quinze canções americanas verdadeiramente consagradas. O ritmo dos arranjos seria o da bossa nova e Nara faria as interpretações em português. Na verdade essa combinação toda era uma grande homenagem da Polygram a Nara, que depois faria um show no Japão.
Esse disco foi gravado em 1989 no estúdio de Roberto Menescal, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Nessa altura, Nara já se encontrava com a saúde muito debilitada por um tumor cerebral que havia sido descoberto em 1979, após uma queda no banheiro de seu apartamento. Fez um rigoroso tratamento onde não faltaram algumas consultas com um místico mineiro, conhecido como Odilon Ferreira, que era juiz de Direito. Coincidência ou não, foi nessa época que o tumor sofreu uma acentuada regressão, acreditando-se até em uma cura total. Mas isso infelizmente não chegou a acontecer. No dia 24 de maio de 1989 ela entrou em coma vindo a falecer no dia 7 do mês seguinte, aos 47 anos. Não houve Japão para ela, mas o disco ficou eternizado.
Capa do disco "My Foolish Heart"
Foto: Divulgação
E esse último disco gravado por ela é realmente um primor. O CD possui 15 faixas, todas com o título também traduzido para o português. São elas: 1 – Maravilha (‘S Wonderful); 2 – Adeus no cais (My Funny Valentine); 3 – Mas não pra mim (But not for me); 4 – Mais uma vez amor (I’m in the Mood for Love); 5 – Só você (Night and Day); 6 – Cartas de amor (Love Letters) / Sonhos (Dream); 7 – E se depois (Tenderly); 8 – Descansa coração (My foolish heart); 9 – Onde e quando (Where or when); 10 – Pleno verão (Summertime); 11 – A saudade me bateu (Sentimental Journey); 12 – Fumaça nos olhos (Smoke gets in your eyes); 13 – Alguém que olhe por mim (Someone to watch over me); 14 – Sem querer (You’ll never know); 15 – Um beijo (Kiss). A capa do disco mostra Nara em primeiro plano com o Pão de Açúcar ao fundo, mas possui um indesculpável defeito: não são dados os créditos aos músicos, diretores e produtores.
Sempre fui um grande admirador de Nara Leão desde a época em que foi considerada a musa da bossa nova, com a sua bela voz miudinha e os seus famosos e rechonchudos joelhos. Depois, com o seu engajamento político contra a ditadura, minha admiração cresceu ainda mais. Há 20 anos perdemos uma grande mulher e uma grande cantora. Mas não nos despeçamos dela jamais. Continuemos ouvindo os seus discos que nos trarão sempre a sua presença.
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